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AMAYO, E. e SEGATTO, J. A. (orgs.). J. C. Mariátegui e o marxismo na América Latina. Araraquara: UNESP, FCL, Laboratório Editorial; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2002, 127 p.
O peruano José Carlos Mariátegui é pouco e mal conhecido no Brasil. Dele se publicou apenas um livro entre nós (Os sete ensaios de interpretação da realidade peruana)
além de algumas coletâneas. Vivendo do jornalismo, Mariátegui
(1894-1930) foi um autodidata e em função de sua intensa atividade
política e cultural tornou-se uma referência intelectual e política não
apenas no Peru mas em toda a América Latina. Até hoje sua obra é
considerada como a produção mais original do marxismo latino-americano.
Apesar da pouca difusão, a imagem que se formou de Mariátegui
entre nós é a de um marxista herético mergulhado no mundo indígena
peruano. É certo que ele valorizava muito o componente indígena no
processo de renovação da invertebrada nação peruana, procurando com isso
potencializar sua ação política autônoma. Contudo, no fundamental, a
ação política e cultural de Mariátegui possuía horizontes mais amplos e
uma postura ideológica bastante definida.
Na apresentação da revista Amauta, fundada por ele em
1926, Mariátegui caracteriza-se a si mesmo e ao grupo da revista como
uma “força beligerante e polêmica”, que não faria “nenhuma concessão ao
critério geralmente falaz da tolerância de idéias”. A intolerância - se
esclarece em seguida - era em relação ao que eles consideravam como
“idéias más”. Era um tempo duro de disputa da hegemonia no qual o
pensamento marxista se apresentava sem meias palavras como “doutrinário e
científico”. Mas o mais significativo é o fato de que Amauta
declarou e cumpriu o objetivo de investigar o Peru “dentro do panorama
do mundo”, no qual se buscava compreender “todos os grandes movimentos
de renovação política, filosófica, artística, literária e científica”
que vicejavam naquele tempo. A vocação universalista do projeto
civilizatório de Mariátegui era, assim, bastante clara, finalizando o
texto da apresentação com a máxima: “todo o humano é nosso”. Poderíamos
dizer que aquela “força beligerante e polêmica” somente reconhecia o
pluralismo na criação e na inovação. Uma postura revolucionária que
muitas vezes foi incompreendida como voluntarismo ou movimentismo.
É a complexidade que informa o pensamento político de Mariátegui que se pode ler na coletânea J. C. Mariátegui e o marxismo na América Latina, organizada por Enrique Amayo e José Antonio Segatto. Nesse livro se publica a apresentação da revista Amauta,
à qual nos referimos acima, além de dois outros ensaios do próprio
Mariátegui. O volume reúne importantes especialistas no pensamento de
Mariátegui, como Aníbal Quijano, Antonio Melis e Ricardo Melgar Bao. Os
organizadores comparecem com capítulos sintéticos que expõem com
profundidade a particularidade do marxismo de Mariátegui, marcado pela
autonomia, por um engajamento agonístico e por um espírito de frente
política surpreendente para a época. O volume republica também a
apresentação feita por Florestan Fernandes à edição brasileira de Os Sete Ensaios...
As idéias de Mariátegui sugerem uma recolocação da discussão a
respeito da problemática relação do marxismo com a cultura e a política,
um tema ainda candente em nosso tempo. Mariátegui viveu o alvorecer do
século XX. Naquele momento predominava o liberalismo econômico com
paradigma de organização para todas as sociedades em âmbito mundial. No
contexto da crise daquele liberalismo, Mariátegui buscava um “novo
mundo” e, em especial, um lugar para a (nossa) América. Caso
ultrapassasse toda a estruturação colonial e oligárquica que a oprimia e
estancava, a América “ao sul do mundo” poderia ser a grande novidade
dessa nova civilização mundial. Mariátegui não pôde nem estimular nem
dirigir essa construção. Os homens dessa América que, como ele, sonharam
com essa perspectiva viram-se de frente com a catástrofe da guerra
mundial uma década depois de sua morte.
Hoje essa mesma América - quiçá sob a liderança do Brasil -
sonha na busca de uma saída para esse mundo complexo, desafiador e
terrível. Pelos sinais ameaçadores que nos chegam, se a guerra se
impuser no cenário mundial, a história certamente não se repetirá como
farsa, mas poderá ser, quase certamente, uma tragédia imensamente maior
do que sequer puderam imaginar Mariátegui e seus contemporâneos.
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Alberto Aggio é professor de História e coordenador da área de Ciências Humanas da Unesp, campus de Franca.
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