29/09/2012 - 15h00

O culto a Hugo Chávez acabou

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FRANCISCO TORO
DO "GUARDIAN"
Enquanto os venezuelanos se preparam para ir às urnas na mais disputada eleição presidencial dos últimos 14 anos, há uma questão que ocupa as atenções de todos: será que Hugo Chávez ainda é o homem? Será que ele ainda tem sua lendária, intensa e emocional conexão com os pobres --um vínculo que, para muitos, tem algo de fervor religioso, de fé?
"Chávez é o único que já se preocupou de verdade com os pobres", dizem os partidários do presidente, repetidamente, com emoção real, e essa mensagem se tornou o apelo central de sua comunicação com o eleitorado.

Hugo Chávez

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Kimberly White - 24.mai.00/Reuters
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O presidente da Venezuela Hugo Chávez durante campanha pela reeleição em 2006
"Chávez: o coração de minha pátria" --o slogan está em toda parte, até mesmo em garrafas de água distribuídas para manter os partidários do presidente hidratados nos comícios.
Mas passados 14 anos, como até mesmo seus mais fervorosos partidários reconhecem, a experiência de Chávez com o socialismo do século 21 não está realmente funcionando. Depois da caótica estatização da maior parte da cadeia agroindustrial --das fazendas aos supermercados--, a escassez de alimentos se tornou crônica, e muitos alimentos básicos desapareceram das prateleiras das lojas.
As filas nas lojas de mantimentos subsidiadas pelo governo são longas, e as mercadorias mais escassas praticamente desaparecem assim que são entregues ao varejo.
De perto, a única coisa no socialismo do século 21 de Chávez que parece relacionada ao século 21 é a conta do presidente no Twitter. A economia continua a operar sob as mesmas linhas rígidas que aleijaram as economias do bloco oriental por boa parte do século 20. Uma a uma, indústrias foram nacionalizadas e se tornaram poços sem fundo nos quais dinheiro é despejado sem que elas consigam produzir os bens necessários.
Os setores siderúrgico e de cimento não são capazes de produzir o suficiente para atender às necessidades do país, e a estatal de telefonia não consegue prover acesso adequado à internet. Os venezuelanos brincam dizendo que Julian Assange recusou uma oferta venezuelana de asilo porque a internet é lenta demais em seu país.
ATOLEIRO ECONÔMICO
A economia venezuelana só não trava completamente, ao modo do Zimbábue, devido à corrupção, desperdício e incompetência do planejamento central, por conta de um único fator: o petróleo. O governo controla as maiores reservas mundiais de petróleo em um período de preços extraordinariamente elevados, e por isso consegue ficar à tona com a ajuda dos petrodólares, que permitem remendar precariamente as rachaduras.
Quando a produção de aço cai em dois terços como resultado de uma estatização incompetente, o governo simplesmente reorienta parte do dinheiro provido pelo petróleo para financiar importações de aço. Quando as fazendas estatizadas sofrem destino semelhante, o governo eleva as importações de alimentos.
A riqueza petroleira é um elixir mágico que permite manter uma aparência de normalidade enquanto o país afunda mais e mais no atoleiro econômico.
De muitas maneiras, a conexão quase mística com os pobres é o mais importante dos ativos bancados pelo petróleo. Chávez se esforçou por manter as torneiras abertas, canalizando uma corrente constante de presentes populistas para os seus partidários. Um acordo com a China para trocar petróleo por eletrodomésticos serve como exemplo, permitindo que a Venezuela importasse mais de três milhões de fornos, geladeiras, máquinas de lavar, ar condicionados e televisores de tela plana distribuídos diretamente aos partidários do governo como parte do programa "Minha Casa Bem Abastecida", um programa social do governo cujo logotipo inclui o rosto do presidente.
O princípio que orienta a política social de Chávez é simples: as pessoas jamais devem formar a impressão de que devem gratidão ao Estado pelo acesso a todos esses bens financiados pelo petróleo - a gratidão e lealdade devem se concentrar pessoalmente em Chávez. O culto de personalidade resultante é capturado perfeitamente pelo slogan de campanha mencionado acima. Os venezuelanos devem acreditar que Chávez não é um político comum; ele é "o coração de minha pátria", e o pronome possessivo serve para cimentar a dupla lealdade do eleitor ao país e ao líder. O avesso da moeda é evidente: quem não apoia o líder, trai a pátria.
O sofrido movimento oposicionista venezuelano precisou de 14 anos para decodificar o apelo embriagante de Chávez e formular uma alternativa convincente. Este ano, a oposição por fim se uniu e cerrou fileiras em torno de Henrique Capriles, um jovem e enérgico governador de Estado que dá ao pragmatismo e à solução de problemas posição central em sua campanha. Capriles não tem carisma comparável ao de Chávez, e nem tenta ter.
Mas depois de 14 anos de problemas econômicos cada vez mais graves, caos administrativo e dependência quanto ao petróleo, ele percebeu uma oportunidade para uma campanha sensata cujo cerne é institucionalizar os avanços sociais da revolução mas varrer seu legado de sectarismo político, rigidez ideológica e incompetência administrativa.
"Ninguém mais terá de exibir uma carteira do Partido Socialista para ter acesso a um programa social", diz Capriles em seus discursos, e isso invariavelmente causa aplausos. A frase conquista apoio porque todos os espectadores conhecem alguém que foi excluído da mais recente bonança petroleira em função de desvios ideológicos.
Capriles percebeu que a Venezuela está ansiosa por deixar para trás a política do culto à personalidade de Chávez; e que para muitos antigos adeptos do presidente, a atração exercida pelo carisma do caudilho se desfez diante dos imensos problemas ainda não resolvidos; que os venezuelanos anseiam por um governo minimamente competente, algo que lhes falta há anos; e que estão prontos para apostar na mudança.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.



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