segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Rachel Sheherazade - Natal: O Aniversariante Faltou à Festa


Rachel Sheherazade - Natal - O Aniversariante Faltou à Festa


O Guarani (Carlos Gomes)


HEITOR VILLA LOBOS - O Trenzinho do Caipira


Bezerra da Silva - É ladrão que não acaba mais


Nitiren Daishonin e a Grande Invasão Mongólia


José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado no Jô (3/5)


domingo, 29 de dezembro de 2013

Apresentação de Catira - IFTM Campus Uberaba


APRESENTAÇÃO DE CATIRA EM GABRIEL MONTEIRO SP


Mulher que se faz de difícil


Maiores mentiras que as mulheres contam


O que é sensual pra você?


Coisas que os homens deveriam aprender com as mulheres


Piauí, A VOZ E A CARA DO POVO BRASILEIRO...


O HOMEM QUE CALOU O GOVERNO E O BRASIL (VALE MUITO A PENA ASSISTIR)


Deputado recebe ameaças de morte após denunciar que urnas brasileiras sã...


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

2 Chopes com Luciana Gimenez

2 Chopes com Márcia Imperator

Nelson Gonçalves & Milton Nascimento - A Saudade Mata A Gente (LP/1987) ...

AS 10 MUSICAS INTERNACIONAIS QUE NINGUEM CONSEGUE ESQUECER

Sertanejo antigo....só modão


O fim do João Revolta (+playlist)


REVOLTA RE: O rei do camarote (+playlist)


A FAZENDA E BIG BROTHER - Não Faz Sentido


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O jeitinho brasileiro (31/05/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


Melhor É Cair Na Gandaia ✰ Luiz Carlos Prates ✰ 05.02.2013


Drogas, festas e amigos (06/06/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


Drogas: Falta de caráter (08/11/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


A polícia tem razão! (21/08/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


O jovem é o futuro. É isso? (27/09/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


Povo burro! (07/10/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


Roubo por vaidade (26/11/2013) - Comentário de Luiz Carlos Prates


Legião Urbana Vento no Litoral ao vivo


Sinead O'Connor-Nothing Compares To You-Traduçao-Legendado em Portugues-...


domingo, 15 de dezembro de 2013

Snap - Exterminate


Snap! - Oops up


Snap - Believe The Hype(Extended Version)


Snap - See the light (Extended Version)



 

O Direito está nas ruas, na lei ou na consciência?


 


Da voz das ruas à consciência e assim por diante: as falsas “ditricotomias”
Durante o affair “Embargos Infringentes”, forjou-se uma falsa “ditricotomia”: ouvir a voz das ruas ou a voz da lei (ou a consciência individual, do tipo “faço o que acho o certo”). Nada mais ficcional do que isso. Além do fato de que os ministros do STF por vezes sustentam uma tese e, em outras, a tese inversa. Veja-se, nesse sentido, o voto do ministro Roberto Barroso no MS 32.326 (caso Donadon), em que apelou textualmente, como motivo para não chancelar a existência de um Deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 anos, em regime inicial fechado: “A indignação cívica, a perplexidade jurídica, o abalo às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação imediata do Judiciário”.

Dias depois, ao aceitar os Embargos Infringentes, disse o contrário: “A verdade não tem dono. A única coisa que um juiz pode fazer, em meio ao vendaval, é ser leal a si mesmo e ao Direito tal como ele o compreende. À sua consciência.” Ou seja: antes, a indignação cívica é fundamento; logo depois, não mais o é.

Só por aí já poderia desenvolver páginas e páginas. Veja-se que o ministro Celso de Mello, por exemplo, para sustentar seu voto de desempate e, com isso, “anunciar” a vitória da lei sobre a voz das ruas, disse que o STF deve ficar imune às pressões das ruas e ater-se apenas à tecnicidade da lei. OK, mas, o que é isto, a tecnicidade da lei? A lei tem vida própria? O Direito é feito de “normas gerais” que contém de antemão todas as respostas?

Vários artigos foram publicados nas redes sociais, contendo argumentos com perguntas do estilo “o STF deve julgar pela consciência, pelas ruas ou pela lei?”. Por que essa “ditricotomia” (ou contraposição) é falsa? O professor Marcelo Cattoni, da UFMG, e eu vimos discutindo isso há muito tempo. Com efeito.

As oposições “voz da lei versus voz das ruas” ou “voz da consciência versus voz das ruas”, ou ainda, “voz da lei versus voz da consciência”, são reducionistas e fragilizam o Direito. É como discutir se a legitimidade vem do pluralismo das ruas ou simplesmente do direito posto pelo parlamento (ou pelo STF, no seu Regimento Interno) ou pelas consciências dos intérpretes autênticos (ou inautênticos). Com efeito, se é certo que o Direito não deve ser reduzido à vontade não-mediada institucionalmente de maiorias e/ou minorias conjunturais, por outro não pode ser reduzido à mera estatalidade político-burocrática, muito menos àquilo que dizem que ele é (Realismo Jurídico). Afinal, as decisões estatais no Estado Democrático de Direito só são válidas se garantirem suas pretensões democrático-constitucionais.

É claro que todo o Direito é público, não resta dúvida quanto a isso. Mas o público não se reduz ao estatal, no Estado Democrático de Direito, e está numa relação pública de complementaridade e interdependência entre público e privado.

Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no direito é de princípios (exigências do hoje), e não meramente de regras (convenções do passado). Disso se pode dizer que, se o Direito não nascer na(s) rua(s), se a legalidade não nascer também das reinvindicações populares, a partir de demandas sociais diversas, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos, pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizada, instaurada pelas lutas por reconhecimento e por inclusão social e econômica, não ganhar os fóruns oficiais do Estado, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar em legitimidade democrática?

Dito de outro modo: é na mediação discursiva entre a informalidade e a formalidade, garantida num nível institucional pelos processos deliberativos constitucional e democraticamente institucionalizados, legislativos, administrativos e jurisdicionais, que o poder político/jurídico é gerado comunicativamente e a legitimidade é gerada através da legalidade...

Portanto, já de pronto afasto essa “ditricotomia”, pela incindibilidade entre direito e fatos e entre interpretação e aplicação. Mas, quero avançar. E enfrentar outra questão que corre paralela.

Legalistas versus pragmatistas?
Leio em O Globo artigo de Eduardo Jordão e Diego Werneck Arguelles, intitulado O STF observado. O artigo é interessante, porque critica o modo como as votações são conduzidas, como, por exemplo, ocorre a incidência da pressão da opinião pública. Os articulistas mostram a instabilidade dos compromissos dos membros do STF, verbis: “Legalistas convictos buscam soluções muito além do texto da lei. Históricos pragmáticos, orgulhosos de sua flexibilidade e bom senso, tratam as palavras da lei como se delas não pudessem se desvencilhar”.

Tenho “batido” nessa tecla de há muito. Tenho denunciado essas “idas e vindas” nas posições dos ministros (e não só deles). Por vezes, a letra da lei... em outras, os limites semânticos são implodidos... Em todos os meus livros denuncio essa problemática. Mas não se trata apenas de opor, como de certo modo fizeram os dois articulistas, “legalismo versus pragmatismo”, até porque não há dados consistentes acerca de quem são os “legalistas” e quem seriam os “pragmatistas”. Isso seria simplificar a discussão. Seguramente, há munição para os dois lados, afinal, o decisionismo é um animal camaleônico e imprevisível. Ele usa o Anel de Giges (quando quer, desaparece sem deixar rastros). É o predador implacável da integridade e coerência do Direito. E sem integridade e coerência dos intérpretes, de nada serve a Constituição. Talvez fosse isso que os articulistas quisessem dizer. O que deve ser frisado é que há algo mais profundo e que esconde essas falsas “ditricotomias” “consciência versus voz das ruas versus lei.

Refiro-me à ausência da discussão acerca de uma teoria da decisão. Ou seja, para além do problema de “como se interpreta”, que por si já é um problema (basta ver o uso abundante da metodologia de Savigny misturada com componentes da jurisprudência dos valores e dos interesses), tem-se a questão de “como se decide”. Dessa arte, quero registrar, de novo, que toda essa problemática da fragmentação das decisões — e, portanto, da falta de coerencia e integridade detectável nessas idas e vindas entre “legalismos e pragmatismos” — advém do fato de que recepcionamos equivocadamente (no mínimo) cinco teses ou posturas, conforme explitei na coluna passada (clique aqui para ler).

Mas é a quinta recepção que me parece a mais perigosa, porque demonstra uma algaravia mais explícita, uma espécie de “flambagem transteorética”. Refiro-me à mera tentativa de superação do tal “legalismo” exatamente por posturas pragmáticas ou proto-pragmáticas, algumas delas envernizadas sob o rótulo de neoconstitucionalismo, em que simplesmente se (re)coloca a moral no direito a partir dos princípios entendidos como...valores. Bingo. E o resultado é desastroso, ou seja, na medida em que a moral é contingente, cada juiz ou membro de tribunal “repõe” a moral no Direito a partir de seus pressupostos pessoais (donde a minha crítica à questão da “consciência”...!). Despiciendo lembrar que há centenas de dissertações, teses e livros que caem nessa armadilha.

Veja-se que para além da operacionalidade stricto sensu, a doutrina indica “o caminho” para a interpretação, colocando a consciência ou a convicção pessoal como norteadores do juiz, perfectibilizando essa “metodologia” de vários modos. Ou seja, criou-se uma falácia naturalizada, pela qual é “normal” que o judiciário decida conforme o que cada membro pensa a respeito do direito... E isso “aparecerá” de várias maneiras, como na direta aposta na: a) interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio “sentença como sentire”; b) interpretação como fruto da subjetividade judicial; c) interpretação como produto da consciência do julgador; d) crença de que o juiz deve fazer a “ponderação de valores” a partir de seus “valores”; e) razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador; f) crença de que “os casos difíceis se resolvem discricionariamente”; g) cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma “abertura se sentido” que deverá ser preenchida e/ou produzida pelo intérprete.

Sigo, então. Por vezes, parece — e isso me preocupa sobremodo — que pesquisadores do Direito resvalam na aceitação-institucionalização da “vontade” como fundamento da decisão (por exemplo, quando se coloca frente a frente “legalismo e pragmatismo”, já se está, inexoravelmente, no olho do furacão). Algo do tipo “já-que-os-ministros-decidem-como-querem, segundo-e-seguindo-suas-ideologias-e/ou-preferencias-pessoais-ou-as-respectivas-consciências (seja lá o que isso quer dizer)”, temos (nós, a doutrina) que estudar essas suas preferencias para argumentarmos estrategicamente... Ou, ainda, “devemos nos limitar a produzir as melhores condições para a livre emanação da vontade do intérprete, ou entender os momentos inoportunos para sua manifestação...”. Assim, se o juiz ou ministro gosta de estrogonofe, devemos fazer de tudo para que a ele seja servido esse prato no dia do julgamento. Se ele torce para o Flamengo, não devemos pedir liminar no dia seguinte à demissão do Mano Menezes... Peço que me incluam fora dessa. Se a aplicação do Direito é um ato de vontade, ele não é mais Direito. É um jogo de poder. E nesse banquete, a choldra fica de fora. Só participam os do andar de cima, os que tem acesso à katchanga (real). Como somos paradoxais no Brasil, pois não? Falamos tanto em democracia e, no entanto, ao fim e ao cabo, jogamos tudo nos braços da moral, da política e da economia. Do Direito, nada resta. Aliás, para quem não entendeu isso ainda: quem sustenta que a interpretação jurídica é um ato de vontade ou coisa do tipo “a decisão está na consciência do intérprete”, está dando um tiro no pé... a não ser que o defensor da ideia tenha o poder de decidir. Se, por exemplo, um advogado pensa assim, a pergunta que deve ser feita ao causídico é: para que você serve, afinal? O mesmo se deve perguntar a quem escreve ou tem pretensões doutrinárias... Afinal, se tudo se resolve na consciência ou na vontade do sujeito-intérprete, tudo o que você fizer será supérfluo. Peço perdão pela minha rudeza. Não quero retirar a ilusão de tanta gente...

Sigo. E o faço para dizer que, pensar que a decisão judicial é (ou não passa de) um ato de vontade (de poder), é, sem tirar nem por, dar razão à Kelsen (na parte da aplicação do direito, ou seja, no “andar de baixo” de sua teoria — peço, encarecidamente, que os leitores leiam as poucas páginas do famoso 8º capítulo da Teoria Pura do Direito). E é também dar razão a juristas como Richard Posner, um pragmati(ci)sta da cepa, que odeia princípios e acha que a autonomia do Direito não serve para nada. Só que isso transforma o Direito em uma mera racionalidade instrumental, algo à disposição do intérprete. Mais do que isso, trata-se da derrota da teoria do direito e a vitória da retórica (ou da mera retórica). O direito se transforma em um jogo de cartas marcadas, como já denunciava Warat há décadas.

Decisão é, mesmo, um ato de vontade?
Vou tentar mostrar isso de outro modo. Há algum tempo, fiz um debate com o penalista da escola crítica do Direito Penal brasileiro, o estimado Paulo Queiroz. Ele havia publicado um artigo (O que é direito? — clique aqui para ler) que me assustou sobremodo, em que dizia: sempre que condenamos ou absolvemos, fazemo-lo porque queremos fazê-lo, de sorte que, nesse sentido, a condenação ou a absolvição não são atos de verdade, mas atos de vontade”.

E disse mais o penalista baiano: “parece evidente que, ordinariamente, por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para condenar, condenamos porque queremos condenar e porque julgamos importante fazê-lo; inversamente: por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para absolver, absolvemos porque queremos absolver e julgamos importante fazê-lo”.

Veja-se: embora substancialmente a contribuição crítica de Queiroz seja inegável, neste ponto corre o risco de provocar retrocessos democráticos nas manifestações processuais de Promotores, Juízes e Ministros do STF. No livro O Que é isto – decido conforme minha consciência, rebato essa tese de Queiroz, que, aliás, não difere daquilo que o ministro Marco Aurélio tem dito acerca do interpretação do Direito (a de que a interpretação é um ato de vontade — por exemplo AI 252.347 e AI 218.668, ou seja, nem mais, nem menos do que diz Kelsen no 8º Capitulo de sua TPD).

Como contraponto, sustento que acreditar que a decisão judicial é produto de um ato de vontade (de poder) nos conduz inexoravelmente a um fatalismo. Ou seja, tudo depende(ria) da vontade pessoal (algo do tipo “se-o-juiz-quer-fazer,-faz; se-não-quer, não-faz...!). Logo, a própria democracia não depende(ria) de nada para além do querer de alguém...!

Eis o meu repto, meio solitário, bem sei. Tudo o que venho escrevendo serve para dizer: “Fujamos disso”! Aliás, a hermenêutica surgiu exatamente para superar o “assujeitamento” que o sujeito faz do objeto (aliás, isso é o que é a filosofia da consciência... – ou a sua vulgata voluntarista!). Toda a minha aula de terça-feira à noite foi sobre isso: sobre o paradoxo que representa o Direito. Se se achar que a decisão é um ato de vontade de poder, então não deveríamos apostar no Direito. Deveríamos apostar na política, na sociologia, nas estratégias, na guerra, em qualquer coisa. Ora, o Direito foi feito justamente para se opor e controlar o poder, a política, etc. Se ele for um instrumento de poder, pessoal ou coletivo, ele não é Direito... Ele é arbítrio. E arbítrio é o contrário de Direito. Por isso, ser jurista é ser otimista. Meu amigo Paulo Queiroz e os que pensam como ele (por exemplo, o ministro Marco Aurélio), são pessimistas. Fatalistas. Kelsen também foi um pessimista. Por isso ele relegou a aplicação do direito a um ato de segundo nível, a mera “política jurídica”. Não penso que deva ser assim. Ou sejamos todos políticos. Azar será daqueles que não tem poder... Se me entendem o que quero dizer!

Por que o Direito é, hoje, a soma de todos os nossos medos?
Ao longo dos anos, minha preocupação tem sido exatamente com o debate contemporâneo “democracia-constitucionalismo”. São compatíveis? Orgulhosamente, digo: Sim! Porque sou um otimista. Mas disso exsurge um dilema: para impedir que a jurisdição constitucional, pelo qual se controla a constitucionalidade, seja transformada em uma judiciariocracia, é fundamental que controlemos as decisões judiciais. Isso implica abandonar as teses que sustentam o poder discricionário (que não passa de um ato de vontade). Democracia e discricionariedade são incompatíveis. Daí que é espantoso — mas muito espantoso — que os projetos dos Códigos Processuais mantenham esses anacronismos (como, por exemplo, a livre apreciação da prova). É espantoso que se queira commonlizar o direito brasileiro sem uma adequada teoria que trate da decisão judicial.

Para ser mais claro e simples: de que adianta (ou de que adiantou) colocar na Constituição (e na legislação) as conquistas de todos os matizes se, no momento da concretização, dependemos da vontade individual ou de uma dada vontade individual (ou do que diz a consciência)?

Pergunto: tem sentido o país parar e ficar em suspenso esperando que um ministro desempate uma votação e não sabermos o que ele irá dizer? Suspense!

Pergunto: que Direito é esse que não nos fornece o mínimo de previsibilidade? Quer dizer que, se estivéssemos discutindo o aborto e o placar estivesse em 5x5, teríamos que ficar torcendo — dependendo de que lado estivéssemos — pelas crenças pessoais de sua excelência? Ou torcer para que seu almoço ou seu dia tenham sido do seu agrado? Torcer pela bondade dos bons?

Demo-cracia é isto? Mas, então, o que é isto, a democracia?

PS: se me perguntarem o que é isto, a dogmática jurídica dominante, respondo, em uma linha: é a soma de todos os nossos medos!

Felicidades. E boa sorte. De novo!

 

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.

Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2013

Redução Da Maioridade Penal

Gustavo Bregalda[1]

Particularidade própria de países compostos de instituições em fase de

desenvolvimento é a discussão de temas que em tempos de normalidade social ficam

esquecidos. Esses temas acabam eclodindo com determinados acontecimentos que

atingem fulminantemente o senso comum e exigem do Estado justificativas e respostas

imediatas. Assim, é objeto de diversos debates a redução da maioridade penal como

solução para a epidemia de práticas criminosas envolvendo menores.

Os defensores da tese em questão apresentam fundamentos que, por mais que

acalentem a animosidade social com discursos politicamente corretos, se apresentam

ineficazes. Não se pode partir da análise da conseqüência antes de passar pela gênese do

problema. Deve-se apresentar uma solução para a origem da questão e, posteriormente,

criar soluções para os atos subseqüentes.

A redução da maioridade não é a resposta adequada para a onda de violência

crescente que assola os grandes centros nacionais. A ineficácia da solução apresentada

pode ser visualizada por meio do estudo de algumas legislações alienígenas, cuja

maioridade varia de acordo com os valores sociais adotados. No contexto social, verificase

que a redução da maioridade não seria uma saída consistente para os fins a que essa

proposição é destinada. A violência não se aquietará, mesmo se a maioridade fosse fixada

no limite inicial da existência humana. A posição pela redução alicerça-se mais em um

viés político do que, necessariamente, na resolução do problema social de criminalidade.

A diminuição da violência na sociedade não ocorrerá com a simples redução da

maioridade penal. É necessário que haja o fortalecimento de instituições fundamentais à

implementação do mínimo existencial garantido constitucionalmente ao cidadão. A

Constituição Federal (CF) de 1988 confere ao Estado, por intermédio de normas

programáticas, o dever de implementar direitos por ela estabelecidos, materializando-se

por meio de atos de gestão administrativa e elaboração de normas infraconstitucionais

como meio regulador de seu exercício.

A violência, dentre outros motivos, está ligada à pobreza, à miséria cultural e ao

enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Sabe-se de antemão que a maioria

dos internos de instituições que visam à reeducação de menores é habitante de regiões

marginalizadas socialmente e de alta periculosidade criminosa. Regiões essas que

ultrapassam os limites temporais da história.

A redução da maioridade penal em nada vai modificar a nossa realidade atual.

Sabemos que o sistema prisional não vem contribuindo muito para a ressocialização do

criminoso adulto, tendo, muitas vezes, efeito contrário a esse intento. Ao adolescente, os

efeitos serão ainda mais danosos, uma vez que ele não possui o mesmo poder de

discernimento de um adulto, por se constituir pessoa em formação, em estágio de

desenvolvimento físico e mental.

Para tanto, faz-se necessária uma boa aplicação dos institutos e das leis já existentes,

como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Vale esclarecer, ainda, que são

indispensáveis a promoção e a efetivação dos direitos fundamentais e sociais previstos na

Constituição, fortalecendo-se, assim, o Estado Democrático de Direito, e também garantir

o mínimo existencial ao cidadão. Isso pode ser feito por meio de políticas públicas,

conseguindo-se, desse modo, atingir o desígnio, esperado pelos cidadãos, de habitar uma

sociedade mais justa e, conseqüentemente, menos violenta.

Dessa forma, não basta a simples redução da maioridade como o remédio de todos os

males. Deve haver sim uma influência positiva na formação cultural de cada cidadão, em

especial dos marginalizados, promovendo o seu desenvolvimento e a sua integração

social.

A imputação criminosa ao adolescente não é a melhor saída para que se promova o

recuo dos números da violência em nosso País. Além de ineficaz aos fins a que se propõe,

pode ser vislumbrada a inconstitucionalidade do ato legislativo o qual traga em seu bojo

esse específico conteúdo de redução.

Ninguém nasce criminoso. O meio amolda seus integrantes de acordo com as

circunstâncias de vida que lhes são proporcionadas. Essas circunstâncias, no entanto, não

compõem motivo legítimo para justificar práticas delituosas, mas também não podemos

olvidar o fato de que a maior parte dos adolescentes que têm ou já tiveram passagens

criminosas é a mesma que ocupa os quadros da indigência, da injustiça social.

Ao Estado, foi imposto o dever de zelar pelo cidadão, em especial por intermédio das

políticas públicas, geralmente elencadas nas inúmeras normas programáticas transcritas

no corpo da Constituição, cuja efetividade está pendente da edição de atos

infraconstitucionais, e também da gestão administrativa. Todas essas normas e deveres

previstos no diploma constitucional têm por escopo impor ao Estado o dever de

materialização do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esse

fundamento da nossa República (art. 1.º, III, da CF).

O valor implícito do princípio da dignidade da pessoa humana consiste na imposição

ao Estado do dever de abstenção (não violar ou restringir injustificadamente direitos

fundamentais) e do dever de práticas positivas (complementação das normas

programáticas de modo a garantir o mínimo existencial).

Tem-se, de longa data, a omissão do Estado no que se refere à prática de atos de

viabilização das normas constitucionais garantidoras de direitos fundamentais. Grande

parte da população é excluída do digno convívio social, criando, assim, o desnivelamento

de classes e ferindo, por via conseqüencial, o objetivo estampado no art. 3.º, III, da CF.

Diante desse quadro, surgiu, na camada marginalizada da população, um núcleo de

violência que atinge toda a coletividade. Esse fenômeno é a reação promovida pelos

esquecidos perante o desprezo a eles manifestado pelo Estado.

Com efeito, a redução da maioridade penal, em contraponto com a Constituição

Brasileira, configura uma restrição ao direito fundamental da liberdade, previsto no art.

5.º da Lei Suprema. Cumpre ressaltar, também, que é direito fundamental do cidadão,

além de todos aqueles arrolados no art. 5.º da CF, outros decorrentes de princípios e

regras por ela adotados.

O Prof. René Ariel Dotti manifesta-se pela inconstitucionalidade da redução da

maioridade, uma vez que, para ele, a previsão da inimputabilidade prevista na CF

constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente

não esteja incluída no respectivo Título II do diploma constitucional. Incabível, portanto,

ser objeto de emenda, pois constitui cláusula pétrea, visto que o § 4.º do art. 60 prescreve

não ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as

garantias individuais.

Nesse sentido, ensina-nos o Prof. Damásio de Jesus que a menoridade penal constitui

causa de exclusão da imputabilidade, estando abrangida pela expressão “desenvolvimento

mental incompleto”. Assevera ainda que “[...] se a imputabilidade consiste na capacidade

de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão de idade, não

alcançou determinado grau de desenvolvimento físico ou psíquico, ou porque existe em

concreto uma circunstância que a exclui”.

Para alguns doutrinadores, em que pese a existência de texto expresso de nossa

Constituição referente à maioridade penal, esse fato não impede, caso haja vontade

política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o art. 228 da Carta

Política não trata de matéria considerada irreformável por meio de Emenda

Constitucional, pois não se amoldaria ao rol de cláusulas pétreas dispostas nos incs. I a

IV do § 4.º do art. 60 da CF.

Ocorre, no entanto, que o rol de direitos e garantias individuais previstos, em

especial, no art. 5.º da CF, e, conseqüentemente, abrangido como cláusula pétrea pelo art.

60, § 4.º, é meramente exemplificativo. Qualquer ato antagônico ao princípio da

dignidade da pessoa humana consiste na violação a um direito fundamental, esteja ele

topograficamente descrito ou não no art. 5.º ou mesmo na própria Constituição do Brasil.

José Afonso da Silva trata a dignidade da pessoa humana como o valor supremo que atrai

o conteúdo de todos os Direitos Fundamentais do Homem.

O recuo nos números da criminalidade envolvendo menores infratores, seja nos

grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a eficaz implantação das

políticas que promovam a valorização do indivíduo como um verdadeiro cidadão. A

redução da maioridade em nada influenciará no sistema com o qual nos deparamos

hodiernamente. Pelo contrário, pessoas em desenvolvimento psíquico terão o mesmo

tratamento penitenciário dispensado àqueles com capacidade de discernimento pleno e

com personalidade já maculada, proporcionando certa confusão de valores e gerando um

círculo vicioso de erros e conseqüências futuras. É notório que o sistema penitenciário

brasileiro tem um baixo índice de ressocialização. Verifica-se que, caso seja adotada a

aludida medida, teremos um verdadeiro retrocesso em relação aos direitos e às garantias

conferidos ao menor pela Constituição, destacando-se, dentre eles, o art. 227, o que

produzirá um específico grau de invalidade da norma perante o sistema constitucional.

A solução das mazelas sociais e, em especial, dos atos criminosos praticados por

menores de 18 anos envolve um conjunto de atos efetivos de alçada, simultaneamente, do

poder público e da sociedade em geral. A precipitação e a discussão infundada,

enfatizada por argumentos desarrazoados, podem desestruturar ainda mais a sociedade. A

redução da maioridade penal pode consistir em um verdadeiro retrocesso na política

penitenciária brasileira. Ao menor, cabe a aplicação do ECA, que prevê regras

específicas, proporcionais e adequadas à reeducação de pessoas em estágio de

desenvolvimento mental personalíssimo incompleto.

[1] Juiz Federal em São Paulo e Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.


Acesso em: 23 de agosto de 2007

Senso Incomum

Juiz não é gestor nem gerente. Ele deve julgar. E bem!


 


Um pouco de história
Como pensávamos antes de 1988? O que mudou no imaginário dos juristas desde então? Esta é uma pergunta que os alunos costumam fazer. Veja-se que, por exemplo, promulgada a nova Constituição em 1988, a composição do Supremo Tribunal Federal continuou a mesma. Repetimos o que já havíamos feito na Constituição de 1824, recepcionando os conselheiros da Casa de Suplicação. E repetimos o que fizemos em 1891, quando, já na República, sob a égide da nova Constituição constituímos o Supremo Tribunal com os antigos conselheiros do velho Superior Tribunal de Justiça. Com isso, tornaram-se ministros do STF republicano dois “nobres”, com título e tudo.

Na verdade, nunca tivemos grandes rupturas. Acostumamo-nos a ver o novo com os olhos do velho. Imaginemos os velhos conselheiros, novéis ministros do STF da República, julgando inconstitucionalidades, coisa que não existia no Império. Pouco pode nos surpreender, quando falamos em “questões paradigmáticas”.

Antes da CF 88, a não democracia. A ditadura. O regime autoritário. A luta do jurista crítico era contra essa estrutura jurídica “que aí estava”. Se ele não fosse para a política (ou para outro tipo de luta), tinha que lutar dentro da institucionalidade. Ou seja, nas brechas da institucionalidade, o jurista “de oposição” (não partidária, mas de oposição ao autoritarismo) tinha que se desdobrar para levar adiante e ter êxito nos seus pleitos (habeas corpus, mandados de segurança etc.). Correntes críticas de várias tendências se formaram. O realismo jurídico deu azo às posturas ditas alternativas. Um certo marxismo concebeu o “direito achado na rua”. As correntes linguísticas buscavam nas brechas do texto legal, repleto de vaguezas e ambiguidades, o direito de seus clientes. Outras posturas, sem maior filiação epistêmica, faziam do axiologismo um modo de ultrapassar as barreiras ônticas da estrutura autoritária do sistema implantado pelo regime militar. Veja-se, por exemplo, a importância (até) de um positivista-axiologista como Recasens Siches, para mostrar as insuficiências do positivismo formal(ista). No fundo, qualquer um que se colocasse contra o formalismo legal era considerado aliado, desde que, teleologicamente, suas posições fossem contra o establishment.

E chegamos à democracia
E assim conquistou-se a democracia. E construímos a Constituição, que albergou a expressiva maioria de nossos pleitos. Na dúvida, emplacamos tudo no texto da Constituição. Afinal, se nem a lei se respeitava, quem sabe o novo regime pós/88 respeitaria o texto da Constituição? Veja-se que, já então, apostava-se em uma nova textualidade. Claro que não uma textualidade exegética, e, sim, uma nova, daquelas que fizeram com que, na Europa, os juristas progressistas que se forjaram no direito pós-bélico (pós 1945) passassem a apostar em um certo objetivismo do texto constitucional, aquilo que Elias Diaz chamará, depois, de “legalidade constitucional”.

Passados 25 anos, como estamos? Continuamos com o velho Código Penal, que tantas vítimas já fez e vem fazendo. Sim, esse mesmo CP que privilegia a propriedade em detrimento da vida e que pune com mais rigor os crimes interindividuais do que os crimes metaindividuais. O velho CPC, que sempre apostou no protagonismo judicial (ah, o dano causado pelo instrumentalismo processual!), depois de todo o estrago já causado, agora será substituído por um novo código, repristinando os velhos defeitos, com a agravante de querer a duras penas “commonlizar” nosso sistema — tido ainda como da família romano-germânica. O novo texto não conseguiu se livrar, por exemplo, do livre convencimento e dos embargos declaratórios, só para falar desses dois sintomas do “problema paradigmático” que aflige nosso direito. Já o velho Código de Processo Penal não tem jeito mesmo. Nos últimos tempos, a grande inovação (positiva) não vem sendo cumprida pelo Judiciário. Ou seja, o artigo 212, ao institucionalizar o sistema acusatório, acabou letra morta, com os juízes continuando a produzir prova, como no tempo de Abrantes. O projeto do novo CPP? Repete os mesmo erros do velho, como se o tempo não tivesse passado... Nem vou falar do Código Civil, paraíso das cláusulas abertas, espaço privilegiado da discricionariedade. Nem vou falar do Código do Consumidor, que “colocou” o call center dentro do Poder Judiciário (palavras do ministro Luis Salomão, do STJ). E o Direito Tributário? Virou o paraíso das invenções hermenêuticas. Tem até “ponderação de regras”, postulados, “normas-regras” (o que seria isso?), para dizer o mínimo.

A ressaca teorética
Isso tudo porque, promulgada a Constituição, passamos por uma ressaca. Ainda inseridos no antigo imaginário (formalismo versus “qualquer postura apta a derrotar esse inimigo comum), demoramos a perceber a necessidade de uma (nova) teoria das fontes, uma (nova) teoria da norma, uma nova teoria que desse conta da interpretação da Constituição e, finalmente, uma teoria da decisão, para impedir que, nesse novo patamar, passássemos a decidir de qualquer modo, ainda com o olho nos velhos dilemas.

Nesse contexto, importamos, de forma equivocada (porque descontextualizada), a jurisprudência dos valores, a teoria da argumentação jurídica (cuja vulgata possibilitou o uso indiscriminado da ponderação, essa doença contemporânea da interpretação) e o ativismo judicial de origem norte-americana (como se os ativismos de lá fossem “sentimentos constitucionais” e não meramente contingenciais em face das composições da US Supreme Court).

Resultado disso: uma aplicação do direito fragmentada, dando vazão aos “sentimentos pessoais” de cada julgador. No STF, não é difícil perceber isso, a partir da tese, repetida ad nauseam, de que “o juiz primeiro decide e depois busca o fundamento” ou que “a interpretação da lei é um ato de vontade”, como se isso fosse uma novidade e não fosse algo dito por Kelsen em contexto totalmente diferente (com efeitos colaterais desastrosos!).

Claro que o establishment deu uma resposta darwiniana a esse estado de natureza interpretativo, em que uma portaria ainda vale mais do que a Constituição e em que não é difícil ver decisões que, em um dia, negam a insignificância em R$ 80 e, dias depois, a deferem em valores superiores a R$ 1 mil. E qual foi ou tem sido a resposta? Súmulas vinculantes, repercussão geral, recursos repetitivos, “commonlização” do sistema e criação sistemática de mecanismos conhecidos como “jurisprudência defensiva”, como alertado recentemente por José Miguel Garcia Medina aqui mesmo na ConJur (clique aqui para ler), para evitar que a malta leve seus pleitos aos Tribunais Superiores.

A crise da Justiça é questão de “gestão”? Não! Juiz não é gestor!
Esse terreno é fértil para o surgimento de soluções no plano das neoteorias jurídicas, como por exemplo, apostar na “indústria” das efetividades quantitativas. Tudo para que se julgue teses e não mais causas. Tudo para que se julgue por atacado. Eis o campo para o florescimento das teorias da “gestão”. Solução mágica que “vende muito por aí”. Sim, a solução é a gestão dos processos. Há problemas na aplicação do Direito? Bingo: venha estudar gestão em pós-graduação. Tem agora até MBA. “Juiz deve ser gestor”, como tenho lido em muitos textos e folders propagandeando novos cursos de especialização e mestrados profissionalizantes.

Nesse sentido, li na Folha de S.Paulo do último dia 3 de agosto, que juízes devem investir em gestão para agilizar processos. O ilustre professor Pablo Cerdeira, da FGV, considera que a saída para o problema da morosidade da Justiça é os juízes aprenderem “gestão”. Como ninguém tinha pensado nisso antes? Para que estudar Teoria do Direito, saber jurisdição constitucional, a diferença entre regras e princípios, se a saída está em saber gerenciar os processos? Claro que as neoteorias que apostam na gestão não se restringem à “questão da agilização”. Na verdade, a onda é colocar a gestão para além disso, ou seja, a aposta na gestão vem assumindo um caráter substancial. E nisso mora o perigo. O meio se transforma em fim...

E isso “pega”. O CNJ gosta dessas coisas. E estipula metas. Tudo vira estatística. Ouvi falar que um juiz estadual precisa preencher todo mês nada menos que 13 relatórios! E os cursos de pós-graduação em gestão aproveitam para vender seu peixe. Ao invés de estudar Konrad Hesse e Gadamer, estudemos formas de fazer o processo ir de estagiário a estagiário, passando por um gerenciamento por temas. E como já há decisões padronizadas, basta que se gerencie esse modelo aplicativo. Por exemplo, como diz o professor Cerdeira, protagonista da matéria, na medida em que o TJ do Amazonas não alcançou as metas do CNJ, isso foi assim porque não adotou processos integralmente digitais. Pronto. Eis a solução para o Amazonas. E para todo o Brasil. Somando processos totalmente digitais com gestão, teremos o nirvana processual. Nas Faculdades, nem precisaremos mais estudar processos civil ou penal. Direitos fundamentais, nem falar... O lema é: “Não precisamos mais de um bom juiz: precisamos de um bom gestor”. Promotor de Justiça, defensor, procurador? Para quê? Basta um bom “juiz gestor”! E se ele tiver pós-graduação em gestão, melhor ainda. Estará treinado.

O que quero dizer é que não estou dispensando ou menosprezando a importância de que alguém faça uma otimização dos modos como se distribuem tarefas em um determinado gabinete. Ninguém pode trabalhar de forma desorganizada. Não sou ingênuo para não reconhecer a utilidade das novas tecnologias. Mas colocar esses instrumentos como um fim é, exatamente, deslocar a discussão da qualidade para a quantidade.

De há muito perdemos o sentido do que seja “uma decisão jurídica adequada”. E já vejo dissertações de mestrado e até teses de doutorado encantadas com esse deslocamento. No fundo, mal sabem os adeptos dessas neoteorias que esses modelos são meramente procedimentais. Kelsen era melhor que eles. A ele não importava a qualidade da decisões. Aliás, para ele juízes não faziam ciência. Faziam política jurídica. Então, para Kelsen — que ninguém mais estuda, porque o melhor é, pós-modernamente (sem que saiba o que é essa palavra), estudar coisas como “gestão” — não importa o acerto ou o erro ou o “justo ou o injusto”.[1] Cada juiz, em Kelsen, produz uma norma individual. Que vale, porque ele está autorizado para isso. E se o sistema não corrigir, vale até mesmo a sentença mais absurda. Qual é a diferença dessa cisão kelseniana (entre direito e ciência do direito) com a total procedimentalização das decisões judiciais?

Aliás, essa questão da ênfase na gestão assume ares de dramaticidade, se colocarmos a discussão face aos recentes problemas do Exame de Ordem da OAB. Pergunto: Como ficaria a tese da gestão aplicada à falta de qualidade das questões do Exame de Ordem? Ou a tese da gestão não se aplica ao “sistema” de elaboração das perguntas feitas à malta que quer ser advogado? Pergunto isso porque a mesma instituição que aplica o Exame de Ordem é a instituição que mais aposta na “questão da gestão”, como se pode ver na matéria assinada pelo professor Cerdeira.

Fico pensando na Medicina. O aluno, em vez de fazer uma tese sobre as complexidades de uma operação cardíaca, é instado pelo seu professor-orientador a fazer uma coisa mais gerencial, ou seja, escrever sobre o bisturi e sua eficácia (ou sobre a entrada e saída de pacientes da UTI). Capítulo primeiro, a história do aço; capítulo segundo, a sua invenção; capítulo terceiro, sua função; capítulo final (conclusão genial): “sem bisturi não dá para operar”. Bingo!

A crise do (e no) Direito decorre de falta de gestão ou falta de reflexão?
Em conversas com magistrados por todo o Brasil, os mais atentos já perceberam que esse discurso de juiz gestor é para anestesiá-los, para desfocar o real problema: a concentração de recursos nas cúpulas e o abandono, em especial, da Justiça de primeira instância. Na verdade, a Reforma do Judiciário só ajeitou o reboco do edifício. Não mexeu nas estruturas. E sem essa mexida não haverá resultados significativos. Transformar o juiz em gerente de entreposto judiciário, sem enfrentar a questão hermenêutica, é engodo. Serve para o exercício da vontade de poder das cúpulas e em benefício do estamento sempre próximo.

Não sei se tenho paciência para continuar a discutir “coisas republicanas”. Sinceramente, não sei. A cada semana, novas denúncias de uso de aviões, passagens etc. Até o vice-presidente da Câmara usa jatinhos do Projeto Bolsa FAB. E a desculpa: tem uma instrução normativa que autoriza (veja-se o modo como são usadas e criadas “cotas de passagens aéreas” para ministros do STJ). Ah, bom. Basta uma portaria ou uma resolução. Bingo! Feita por quem? E não há teoria das fontes? Não há controle de legalidade-constitucionalidade? Ainda é possível dizer que uma “norma” é legal, mas imoral? Para que serve o princípio da moralidade? Estamos, por acaso, na era em que direito e moral estão cindidos? Basta estar na lei que está “legal”? Então não serviu para nada a virada copernicana ocorrida no Direito após o segundo pós-guerra? Veja-se, pois, do que precisam saber nossos juízes e promotores... Estudar os grandes conceitos do direito. É disso que precisamos.

Claro: para que estudar isso? Parece que, segundo as neoteorias, melhor do que estudar a boa doutrina e aprofundar-se na reflexão jurídica é estudar a informática no Direito, novas formas de gerenciamento de processos, novas estatísticas e criar mecanismos para impedir a subida de recursos. É isso. Tudo se transforma em números: tenho um pé nas brasas e outro no gelo — na média, temperatura ideal... Por sinal, o brilhante Otavio Luiz Rodrigues Junior, na sua Coluna do dia 7 de agosto (clique aqui para ler), faz uma adequada crítica a uma espécie de neoteoria que está se proliferando no país, que ele chama de “onda da empiria”, isto é, feita por aqueles que pensam que só se pode falar do e sobre o Direito a partir de dados empírico-jurisprudenciais. No fundo, trata-se de um “gerenciamento de dados”, aproximando as teorias que apostam na gestão com aquilo que é o seu instrumento: dados numérico-estatísticos. Em meu novo Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica (RT, 2013, páginas 290-295), mostro como determinada pesquisa sobre os julgamentos do STF pode ser lida inversamente, ou seja, com os mesmos números provo o contrário do que a autora queria demonstrar. Esse problema também invade a ciência política, que, em muitos casos, vem adotando a tática de check list para tentar demonstrar determinadas teses (ou projeções).

Da série “há algo mais nos céus do que os aviões de carreira”, poderia perguntar se seria um problema de “gestão” ou “falta de gestão” a fragilidade com que foram aplicadas, no julgamento da Ação Penal 470, teses como do domínio do fato ou “o princípio da livre apreciação da prova”? Afinal, a crise do Direito é de que ordem?

Quando um banqueiro — que dá um “cano” de mais de R$ 3 bilhões — viaja para o exterior, com autorização judicial e vai esquiar estroinando da malta, isso é um problema de gestão ou um problema de decisão (ou decisão equivocada)? Juiz deve aprender a gerenciar processos ou a julgá-los de acordo com o direito? Eis a questão! Ainda: os mais de 8 mil homicídios por ano que não são sequer investigados são um problema de gestão ou um problema de falta de estrutura, desvirtuamento de função e incompetência individual? A humilhação daquele estagiário e o consequente arquivamento do feito é um problema de gestão?

Esse é o nosso país. Não estou, por óbvio, colocando “a culpa” da crise do e no Direito em quem aposta na “gestão”. É claro que não. O que quero dizer é que não devemos crer que, no meio de um grande tiroteio que é a crise da operacionalidade do Direito, apareça alguém com uma solução de caráter procedimental e queira “acabar com a discussão”. Se gestão resolvesse, a prova da Ordem não seria desse nível. Então, por favor, não me tirem de bobo com soluções mágicas. Perguntemos por aí como anda a operacionalidade do Direito...

O que temos de fazer é estudar. Mudar os cursos jurídicos. Parar de ensinar conceito prêt-à-porter, prêt-à-penser, prêt-à-parler. Chega de simplificar livros. Paremos com a ficção. O maior exemplo do fracasso disso tudo em terrae brasilis é o último exame de Ordem, em que, em um exemplo de furto, apareceu um comprador, paraguaio, terceiro de boa-fé (sic) e, em uma perseguição ininterrupta, a ladra teve tempo para esconder o carro cleptado, indo depois até a fronteira do Paraguai, para vender o carro... Nada mais precisa ser dito depois disso.

A crise em três dimensões
Uma palavra final: há muito tempo, li um texto do Diogo Figueiredo Moreira Neto, em que ele mostrava que uma crise deve ser analisada sob três âmbitos: estrutural, funcional e individual. Vamos trazer isso para o caos do trânsito. Não adianta construir rodovias ou abrir novas ruas, se não cuidarmos da função, isto é, semáforos inteligentes, passarelas, túneis etc; mas também não adianta tratarmos da estrutura e da função, se tivermos péssimos motoristas...

Isto é: não adianta abrir novos tribunais, contratar milhares de estagiários, novos computadores, se não tratarmos do problema da funcionalidade do processo. Mas, por favor, de nada adianta arrumarmos a estrutura e a função, se não tivermos bons “operadores” desse sistema. E isso, lamento dizer àqueles que apostam em “formulismos”, depende da ciência jurídica. Depende de um bom ensino jurídico. De bons concursos. De provas do exame da Ordem sem pegadinhas. Depende, pois, da reflexão. Depende da Teoria do Direito, da Constituição, do Processo... E não de “gestão”. Vamos parar com esse neodiscurso “eficientista”. Vejam até onde ele está nos levando. Juiz não é gerente. Juiz é julgador! Tem de aprender a decidir. E bem. Quem faz mapa é cartógrafo. Quem faz estatística é matemático (ou algo do gênero). Juiz tem de saber processo. Teoria. Tem de saber o que é isto: o Direito. É isso!

 

[1] Na verdade, para que estudar Kelsen, se ele era um positivista exegético, não? É o que se ensina por aí. Diz-se que Kelsen era um positivista porque ele queria que o direito fosse aplicado de forma pura... Não é de rir?

 

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2013