sábado, 28 de abril de 2012

PROPOSTA DE PAZ/2012 7ª PARTE



Restaurar o coração


    Dos três aspectos da Tese de Nitiren Daishonin que discutimos, creio que o do empoderamento é fundamental para a recuperação do equilíbrio psíquico e físico, a “restauração do coração”. A reconstrução mental e espiritual é um dos desafios mais difíceis e demorados que enfrentamos.


    Como já fiz antes, lembro a afirmação da Comissão da ONU que trata desta importante questão, quando considera que a segurança humana deva ser “construída com a força das pessoas e suas aspirações”. É um desafio difícil, senão impossível, para que o indivíduo dê o primeiro passo sozinho; e muito mais para sustentar até o ponto onde toda a vida será iluminada pela luz da sua esperança. Metaforicamente, as pessoas precisam de cordas seguras ligando coração a coração e dos ganchos do encorajamento para que continuem sua escalada pelos íngremes caminhos da vida.


    Exemplos luminosos são a vida de três figuras históricas, Emerson, Saint-Exupéry e Tada.


    Além da trágica perda do seu filho, a vida de Emerson foi marcada pela morte da sua primeira esposa e dos seus dois irmãos. Tempos depois, ele reflete sobre estas perdas e conclui que assumiram “o aspecto de um guia ou de um gênio”, dando-lhe o ímpeto para transformar o seu modo de viver.
Saint-Exupéry escreveria mais tarde: "O que salva um homem é dar um passo e depois outro. É sempre o mesmo passo, mas você tem de dar... O que assusta o homem é o desconhe­cido. Mas, quando tem de enfrentar o desconhecido, passa a conhecê-lo e perde o  medo."


    Tomio Tada, imunologista, finalmente foi capaz de voltar a escrever e, citando a Divina Comédia de Dante, gravou estas palavras: “Se estou numa condição infernal, então me deixe descrever o meu inferno”. E acrescentou: “Não sei o que me espera, mas estou aqui pelo que eu passei”. Ele estava preparado para recuperar o sentido da sua vida.


    Em cada um desses momentos dramáticos, foi indispensável o apoio dos outros. O filósofo William James (1842-1910), ao estudar a situa­ção dos sobreviventes do terremoto de São Francisco em 1906, concluiu que as pessoas que trocam experiências sentem uma mudança perceptível no senso de sofrimento e de perda. Mesmo que esta troca não leve a um avanço imediato, incentiva pessoas mergulhadas na dor a olhar o futuro sem esperança.


    Devemos dar atenção às palavras que fluem de outra alma. Nosso coração estremece com o sofrimento do outro e, pacientemente, sopra vida nas pequenas brasas que ainda restam no outro coração.


    O filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969) reconhece que o conjunto de ensinamentos deixado por Sakyamuni — os sutras que contêm 80 mil ensinamentos — nasceu de diálogos que ele manteve com uma pessoa ou com pequenos grupos. Sakyamuni acreditava que, “para falar com todos, é preciso falar com cada um”.  Seus ensinamentos são respostas às preocupações e aos sofrimentos das pessoas.


    Chamando os outros de “amigo”, Sakyamuni se esforçava para penetrar no coração e na mente de cada um deles, esclarecer a natureza real do sofrimento e ajudá-los a despertar a forma de superá-los. A parábola da flecha envenenada — na qual um homem é morto ao ser atingido por ela — conduz ao entendimento da sabedoria do Budismo de não se ater a conceitos metafísicos ou a debates filosóficos. Em vez disso, o Budismo aprofunda o desejo de aliviar o sofrimento de toda pessoa.


    Este cuidado se vê nos ensinamentos de Nitiren Daishonin. Nas cartas que enviou aos seus discípulos, ele abraça cada um deles, lamentando-lhe as dificuldades como se fossem suas. As palavras de Daishonin nos chegam até hoje como diretrizes para a vida porque são a cristalização de sua oração solidária e determinação para orientar os discípulos a superar as provações.


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Muito bom né?


Só lembrando de uma parte que me tocou profundamente:


"O filósofo William James (1842-1910) (...) concluiu que: as pessoas que trocam experiências sentem uma mudança perceptível no senso de sofrimento e de perda. Mesmo que esta troca não leve a um avanço imediato, incentiva pessoas mergulhadas na dor a olhar o futuro sem esperança."


Vamos pensar nisso quando estivermos realizando uma atividade, um incentivo, um diálogo, uma ligação telefônica.


Fechou gente?
Abração à todos!!
Sayonara!


Kouiti Kikuta

(66) 9998-4645 / 8101-1663



"Tudo que existe guarda um resplandecente diamante que, se for polido, torna-se brilhante."
(Thomas Alva Edson)

  “Nunca mais quero ver a palavra ‘miséria’ usada para se referir ao mundo, a um país ou a qualquer indivíduo."
(Jossei Toda)

quinta-feira, 26 de abril de 2012


O sujeito em Foucault: estética da existência ou experimento moral? [1]


JURANDIR FREIRE COSTA


Os últimos trabalhos de Foucault sobre a ética do sujeito despertaram várias objeções. Penso em retomar uma delas, procurando analisar os argumentos que a sustentam. A objeção é a seguinte: Foucault defende a idéia de uma estética da existência voltada para a auto-perfeição e auto-afirmação do sujeito. Esta estética dispensaria o compromisso com valores universais ou com os princípios humanitários das democracias liberais. Os críticos universalistas, entre os quais, Charles Taylor, Rainer Hochlitz e Pierre Hadot, enfatizam o primeiro aspecto. Alegam que Foucault se auto-engana ou se equivoca. Engana-se quando assume tacitamente valores universais que desacredita; equivoca-se quando interpreta erroneamente textos histórico-filosóficos que justificam sua teoria. Richard Rorty, representante do neo-pragmatismo, chama a atenção para o segundo aspecto, criticando a insensibilidade de Foucault para com os princípios e ganhos das sociedades liberais.
[início da pág. 122]
1. A crítica universalista
Foucault, diz Taylor, admite, com Nietzsche, que “não existe uma ordem da vida humana, ou de nossa maneira de ser, ou da natureza humana à qual possamos nos referir para julgar ou avaliar os modos de vida. Existem apenas diferentes ordens impostas pelos homens ao caos primitivo, segundo sua vontade de potência” (Taylor, 1989, p. 113). Esta tese, para o autor, se auto-refuta nos dois postulados centrais, o relativismo e a onipresença do poder. Se Foucault aceita que é “impossível fazer um julgamento sobre as diferentes formas de vida”- tese relativista – e se aceita que todas formas de vida “colocam em jogo uma imposição de poder” (p. 113), como justificar, diz Taylor, suas opções éticas? . Por que considerar a dominação e a sujeição como coisas más? Por que não se limitar meramente a constatar a vigência deste regime de ordem, sem entrar em considerações valorativas? Das duas uma: ou Foucault enuncia coisas sem sentido ou utiliza implicitamente uma moral cujos pressupostos desconhece ou tenta esconder.
Para Taylor, o segundo pólo da alternativa é o verdadeiro. Foucault não traz à superfície os fundamentos morais responsáveis por suas escolhas teóricas. Combater o poder, a dominação e a sujeição exigem a contrapartida da liberdade de recriar novos modos de subjetividade. Mas, se isto é verdadeiro, então, existem ou não valores universais na teoria foucaultiana? Pressupor que a liberdade de auto-criação é melhor do que a dominação e a sujeição, implica ou não na admissão de noções morais universalmente válidas? Taylor vai além. Afirma que Foucault quer situar-se no lugar metafísico de crítico atemporal da cultura. Isto, porém, choca-se com suas intenções genealógicas. Não se pode “adotar o ponto de vista de um observador completamente estrangeiro, como se estivesse em Sirius ou como se fosse uma alma no mito platônico da caverna: a mim de decidir se quero ser um chinês da dinastia Song, um sujeito do Hamurabi, na Babilônia, ou um americano do século vinte” (Taylor, 1989, p. 118). “Sem uma identidade prévia, continua Taylor, ninguém poderia sequer pensar em escolher” (p. 118).
Foucault, portanto, ilude-se, imaginando que é um zero identitário, flutuando acima da história ou da cultura. Sem a idéia de “vontade” como algo produzido por nossa autonomia “interior”, sem os valores do humanitarismo moderno, como o desejo de preservar a vida, de satisfazer as necessidades do homem e de aliviar seus sofrimentos, sem a idéia de satisfação emotiva ou a de que “nossos sentimentos são uma das chaves para uma vida de qualidade”, enfim, sem a preocupação com a “vida ordinária”, e não com a contemplação, as virtudes cívicas, a honra de casta, os valores espirituais, etc., das sociedades antigas, será que Foucault poderia pensar em sua estética da existência ou ética dos prazeres? Taylor responde pela negativa, concluindo que Foucault é filho da ética ocidental, cuja genealogia quer fazer e cuja legitimidade quer negar. Uma coisa, argumenta ele, é dizer, por exemplo, [início da pág. 123] que a burocracia, as práticas disciplinares de sujeição, a importância desmesurada do sexo no Ocidente, etc., são itens indesejáveis na constituição de nossas identidades e moralidades. Outra coisa é negar a validade do quadro ético geral que permitiu a emergência de tais fenômenos mas também do pensamento de Foucault. Sem esta base ética, o pensador Foucault seria impensável, improvável ou impossível.
Os argumentos de Rochlitz são semelhantes, mas variam ligeiramente de rumo. Para o autor, a teoria e a prática política de Foucault “possuem um conteúdo normativo e mesmo uma normatividade virtualmente universalista, quando se referem a uma exigência de autonomia da pessoa e opõem-se ao sofrimento injusto” (Rochlitz, 1989, p. 290). Mas ele não só nega isto como não pode admitir que “as qualidades que lhe permitem escapar aos poderes tenham uma existência independente dele, inscrevendo-se na estrutura mesma da sociedade moderna, como crítica institucionalizada, espaço de liberdade e de discussão, irredutível ao sistema de poder” (p. 296). Ou seja, Foucault além de possuir uma ética virtualmente universalista condena uma estrutura social de que depende e sem a qual não teria como pensar o que pensou. A estética da existência, prossegue Rochlitz, não se opõe ao bio-poder como algo que lhe é exterior. “A idéia de um prazer partilhado sem dominação é tributária das idéias modernas de igualdade, reciprocidade e não-violência que se desenvolveram simultaneamente ao bio-poder” (Rochlitz, 1989, p. 293) posto na mira das críticas foucaultianas.
Portanto, diz Rochlitz, a reinvenção de modos individuais de existência só é possível porque a ordem criticada permite e incentiva a diversidade, a singularidade e a pluralidade de pensamentos e estilos de vida. Foucault não vê que sua proposta de novas formas de vida é um tópico do universalismo ético da cultura a que pertence. O que significa querer fazer da “vida uma obra de arte”, senão estender o projeto das elites das sociedades antigas para toda sociedade? Na Grécia e em Roma, a tarefa da estética da existência cabia às “minorias privilegiadas, liberadas de toda função na reprodução material da sociedade e que podiam empregar todas suas forças para realizar o refinamento de seus estilos de vida” (Rochlitz, 1989, p. 297); no programa de Foucault, deve estar ao alcance de todos. Nos dois casos, a pretensão ao universalismo é evidente, consideradas as diferenças nas imagens do sujeito. No entender de Rochlitz, Foucault propõe “um equivalente anarquizante da ética pós-convencional” como substituto do universalismo ético. Mas esta ética é somente um caso particular do universalismo (cf. Rochlitz, 1989, p. 297).
Quanto à interiorização, pergunta ele, como Foucault poderia romper com as intuições morais correntes, sem “um exame crítico da norma denunciada como um elemento no dispositivo de poder” (Rochlitz, 1989, p. 297). Ou seja, nos termos de Taylor, como fugir da idéia de autonomia, vontade interior, reflexão crítica, etc., como motor da transformação das subjetividades? Foucault, em sua formulação, não se subtrai à “exigência de interiorização”. Querendo, ou não, está na órbita do sujeito cristão do desejo, do qual afirma ter-se libertado.
[início da pág. 124] Para um outro autor, Hadot, Foucault utiliza indevidamente o material histórico da antigüidade, na pressa de fundamentar suas próprias crenças. Não é verdade que o pensamento estóico caucione a idéia de uma ética sem universais, assim como é incorreto ou discutível dizer que sujeito moderno está presente no pensamento cristão das origens, na figura da interiorização individualizante ou da hermenêutica do desejo. Ao utilizar a idéia de ética dos prazeres dos estóicos, Foucault oculta a distinção entre prazer e alegria, central naquele pensamento. Os estóicos elegeram a palavra alegria como foco de suas reflexões, justamente porque “recusavam-se a introduzir o princípio do prazer na vida moral” (Hadot, 1989, p. 262). Esta distinção é fundamental. A ética da alegria, e não dos prazeres, não se centrava no “eu” singular de cada sujeito. Era expressão da “melhor parte do eu”, daquela orientada pelo “bem verdadeiro”, de acordo com a “razão e a natureza universais”. Havia, segundo este autor, um apelo ao universalismo moral nos estóicos que Foucault desprezou, em benefício de suas concepções.
No que diz respeito ao pensamento cristão, o procedimento intelectual foi quase o mesmo. De fato, os exercícios espirituais visavam à interiorização do sujeito ou à hermenêutica do desejo individual. Mas a interiorização era vista como “superação de si em direção da universalização” (Hadot, 1989, p. 267). Hadot pensa que uma estética da existência descolada de qualquer referência a valores transcendentais, poderia ser nada mais, nada menos, do que “uma nova forma de dandismo, versão fim do século XX” ( p. 267). Este é seu temor. Uma cultura de si, sem vínculos com valores universais, pode tornar-se uma questão de preferência de um ou de poucos, mas nunca recomendação moral para todos.

2. A crítica neo-pragmática
A crítica neo-pragmática de Rorty é de outro teor. Como os autores precedentes, ele acredita que o esteticismo de Foucault acaba indo de encontro aos objetivos da comunidade. Mas não acha que a garantia de compromisso com o bem coletivo seja a crença em valores universalmente válidos. A obra de Rorty dirigiu-se, em grande parte, à crítica do universalismo como fundamento racional das moralidades. Os argumentos que emprega podem, deste modo, servir de réplica ao que foi objetado à Foucault. Brevemente, Rorty, como Foucault, não acredita na existência de valores universais, se pela expressão se entende um conjunto de postulados morais apriorísticos e invulneráveis à revisão histórica. Mesmo concedendo que tais valores existissem, restaria aos universalistas provarem como o acesso epistêmico às entidades transhistóricas pode estar ao alcance de sujeitos históricos. Por este motivo, a seu ver, os valores tidos como necessários e atemporais, pelos universalistas, nada mais são do que os valores do humanitarismo democrático moderno metafisicamente transferidos para o domínio das entidades transcendentais.
[início da pág. 125] Para o neo-pragmatismo, nenhum procedimento racional consistente pode afirmar a permanência empírica ou conceitual de uma mesma identidade essencial do mundo, do sujeito e da linguagem. Conhecemos contingências e não necessidades. Buscar a identidade do sujeito ou de valores morais no que é perene é uma tarefa fútil. Nenhuma de nossas crenças vem de uma fonte de sentido prévia à ação humana. A história mostrou que inúmeros candidatos ao papel fundacional não resistiram ao teste do tempo. Ou perderam completamente a plausibilidade intelectual ou retraíram-se e converteram-se em crenças opcionais, de grupos ou pessoas, como no caso das convicções religiosas. Podemos tratar certas imagens do mundo e do sujeito como universais. Mas isto quer dizer, simplesmente, que certas formas de vida nos são de tal modo familiares que não conseguimos pensar em descrições alternativas do que consideramos natural e universal. Os universais mudam quando mudam as formas de vida. Por conseguinte, tudo o que podemos fazer é aceitar a tradição ética que herdamos, procurar transformá-la ou abandoná-la por outra tradição. Não temos saída: falamos de crenças sempre do interior de outras crenças. A preferência atual é um simples produto da persuasão cultural tornada convicção. Justificamos nossas crenças porque acreditamos que são superiores à outras. Superioridade que não se funda na maior ou menor racionalidade da crença aceita – todas são racionais – mas na força performativa dos meios de transmissão da cultura de cada um.
Assim sendo, a crítica universalista a Foucault perde o sentido. Liberdade, autonomia, respeito à vida, etc., são vocábulos da prática lingüística das democracias liberais, individualistas e humanitárias e não verdades atemporais plantadas no céu das idéias desde sempre e para sempre. Quanto ao sujeito da interioridade, Rorty também dá pouca importância à esta disputa. O sujeito, no neo-pragmatismo, nada mais é do que “a rede de crenças e desejos postulada como causa interior dos atos lingüísticos”. As redes são múltiplas, mutáveis, e saber quando e como teve início o “sujeito da autonomia, da vontade e da interioridade” só tem interesse, se se trata de conservar ou alterar esta descrição, em função de propósitos éticos. O problema, portanto, não é o de saber se Foucault repete, inadvertidamente, as aspirações do sujeito do desejo e da interioridade. Esta questão é secundária. Mais importante do que isto é saber se sua ética do sujeito atende ou não aos requisitos da moral liberal e democrática defendida pelo neo-pragmatismo. Rorty acha que não, e este é o centro de sua crítica. Foucault e seu sujeito levam-nos a ver os princípios da democracia liberal não só como datados, o que faz sentido, mas como caducos e opressivos, o que lhe parece inaceitável. Neste aspecto, concorda com os universalistas. Acredita, como eles, que Foucault participa da cultura do “ressentimento”, ou seja, da corrente intelectual que procura negar, subestimar ou minimizar o progresso moral alcançado pelas democracias liberais do Ocidente.
Para fundar seu ponto de vista, Rorty procura retificar Foucault de [início da pág. 126] forma parecida à que utilizou para corrigir, num dado momento, seu próprio trajeto teórico1. Resumidamente, para ele, as grandes mudanças na vida política e na moralidade social coincidem com as inovações culturais. Inovação cultural é uma expressão que deve ser entendida segundo os postulados da teoria da linguagem de Donald Davidson2. Em Davidson, tanto palavras, frases e enunciados quanto crenças e desejos são teias lingüísticas causadas por fatos lingüísticos e não-lingüísticos. Os fatos não-lingüísticos são aqueles descritos como fatos físicos e os lingüísticos como palavras, enunciados ou crenças que promovam transformações nos estados mentais anteriores dos organismos humanos. A conseqüência desta afirmação, à primeira vista obscura e enigmática, é a de que nem toda causa de mudança em nossas crenças provém de outras crenças e, ainda menos, de crenças fundadas em argumentos racionais com pretensão à universalidade. Em síntese, todas nossas crenças são causadas, mas nem toda causa de alterações de crenças são razões ou justificativas.
Davidson distingue, assim, causas de razões. Uma razão, ou seja, um conjunto de enunciados ou de argumentos com sentido familiar, pode ser causa de alteração de crenças. Mas um fato físico também pode ser causa de mudanças, assim como fatos lingüísticos sem sentido. É o caso do que denomina de “metáfora viva” ou simplesmente metáfora. Uma metáfora é um termo, expressão ou enunciado cujo uso ainda não foi “literalizado”, ou seja, regularizado pelo hábito lingüístico corrente. É, portanto, um ato lingüístico novo, até ser usado convencionalmente, com extensão e significação familiares à comunidade competente de falantes. Não tendo sentido convencional, a metáfora sugere, solicita ou, como prefere Davidson, “intima” os sujeitos renovarem a descrição de si ou do mundo. Age, por isto mesmo, como uma causa lingüística de mudança de crenças que ainda não se tornou “justificação” aceitável da mudança.
Rorty rebate a concepção de Davidson sobre sua filosofia moral. As metáforas mais inventivas, diz ele, podem redescrever o sujeito de maneira imprevisível. E quando são historicamente felizes, funcionam como justificativas para a recriação de novos modos de vida e sistemas morais. Rorty vê na reinvenção da língua e dos estilos de vida correlatos, o principal motor da transformação cultural, ética e política das sociedades. Donde o papel que reserva aos artistas. Os artistas em geral, e os ficcionistas em particular, poetas e novelistas, são os experimentadores culturais por excelência. Em vista disso, tornaram-se os grandes artífices das subjetividades modernas. “Revolucionários utópicos, ironistas liberais” e “poetas fortes” formam a tríade dos heróis da narrativa rortyana. Todos são agentes capazes de criar novas metáforas sobre o sujeito e o mundo. Mas o ironista liberal, além disto, duvida de seus próprios vocabulários finais, comparando suas crenças e valores a outras formas de vida, e tentando produzir novos experimentos morais que possam enriquecer sua existência e a dos outros. Em outras palavras, a metaforização constante das imagens do sujeito amplia seu espectro de escolhas éticas e suas [início da pág. 127] oportunidades de bem-estar e felicidade. Este objetivo, em sua opinião, é um efeito do Romantismo sobre a cultura ocidental. O desejo romântico de singularização do indivíduo faz com que ele deseje permanentemente redescrever-se e, nesta atividade, pode vir a criar novos valores e subjetividades, até então inexistentes.
Mas, chegado a este termo, Rorty deu-se conta de que o experimentalismo romântico tinha “um lado escuro”. Quando a idiossincrasia do inventor era levada a ponto de “usar outros como o propósito de gratificações privadas; ou a utilizar mais do que permite uma justa repartição de recursos; ou quando o montante de tempo despendido na auto-criação exclui todo exercício no suporte da justiça pública; ou quando o self que criamos é um cabeça-dura embotado ou um esteta arrogante, insensível à dor e à humilhação dos outros”(Hall, 1994, p. 111), nestes casos, a auto-realização tornava-se ilegítima e condenável. Propôs, então, um limite à criatividade pessoal. A atividade metafórica do poeta forte e do revolucionário utópico deveria parar onde começavam a dor e a humilhação do outro. Desprezando a distinção formal entre ético e estético, sugere uma divisão dos discursos entre os que visam a auto-perfeição e os que visam à justiça e a decência. Os enunciados dirigidos a auto-realização buscam proteger e enriquecer as experiências pessoais; os dirigidos ao bem comum, procuram atingir um justo equilíbrio entre as aspirações à vida e à liberdade de todos. A democracia liberal é a forma de vida que possibilitou e fez coexistir os dois tipos de jogos de linguagem, pela divisão do espaço social entre uma esfera pública e uma esfera privada. As duas áreas da práxis do sujeito podem, deste modo, expandir-se sem que uma venha atropelar a outra. Podemos ser, diz Rorty, “tão irracionalistas, esteticistas quanto nos agrade, desde que não venhamos a causar mal aos outros” (Rorty, 1989, p. XIV). Inversamente, podemos criar tantas formas políticas de governo quantas sejamos capazes de imaginar, contanto que não impeçam as aspirações a auto-realização dos indivíduos. Esta a posição do ironista liberal rortyano, diante das novas metáforas.
A crítica a Foucault tem origem nesta premissa. Em seu entender, a estética da existência foucaultiana é alheia ou avessa a estes princípios. Entretanto, pergunta ele, sem os valores ou instituições da democracia liberal, Foucault teria podido criar livremente as metáforas que exprimem suas necessidades de auto-perfeição, auto-afirmação ou auto-realização? O que Foucault diz, continua, não parece endereçar-se à nenhum “nós”. Ele quer “servir à liberdade humana, mas, no interesse de sua autonomia privada, tenta ser um sem-face, sem-raízes e sem-teto. Um estranho à humanidade e à história” (Rorty, 1991a, p. 195). Foucault, em suma, seria ou tenderia a ser um esteticista em busca do sublime e não do puramente belo. Ora, o êxtase do sublime pode facilmente tornar-se cego e surdo à dor do outro. Dito de outra forma, Foucault quis derivar de uma única narrativa o que é bom para um e o que é bom para todos. Conciliar numa só recomendação os dois objetivos, é, a seu ver, impossível. A noção de estética da existência hipertrofia o valor da [início da pág. 128] experimentação individual. Rorty rejeita esta posição. Melhor seria, portanto, propor experimentos morais que respeitem o equilíbrio entre necessidades privadas e necessidades públicas, ao modo do ironista liberal. Só assim, acredita ele, a felicidade de um não compromete a justiça devida a todos. Por desconhecer este risco, Foucault nega os avanços morais da democracia liberal, tornando-se um potencial aspirante a sacrificar a solidariedade em benefício da auto-perfeição. Cabe investigar o que de pertinente ou não existe nestas afirmações.

3. A resposta de Foucault
Relendo os Ditos e Escritos de Foucault sobre a genealogia da ética e a ética do sujeito, muitas das questões levantadas por seus interlocutores se esclarecem. Como afirmei antes, deixo de lado as objeções dos universalistas. Penso que a argumentação de Rorty contra a transcendentalidade dos valores é suficiente para arbitrar o litígio. Retenho a idéia do descompromisso de Foucault em relação à sua comunidade. Este, parece-me, é o denominador comum entre a crítica rortyana neo-pragmática e a crítica dos universalistas. Pergunto, de início: em que sentido pode-se falar, com propriedade, de alheamento de Foucault para com a comunidade de seus pares e seu presente histórico? Acho que Foucault, de fato, é reticente quando se trata de conceder qualquer mérito aos ideais humanitários das democracias liberais. Mas sugiro que isto se deve, em primeiro lugar, à forma como vê a complexidade das relações humanas e, em segundo lugar, aos temas que aborda. Antes de examinar com cuidado estes aspectos, qualquer alusão à pretensa omissão política ou insensibilidade de Foucault à dor e à humilhação dos outros é precipitada. Vejamos cada um dos itens em separado.
No que diz respeito às relações humanas, Foucault foi, sem dúvida, um pessimista. Embora tenha revisado a idéia de que os dispositivos disciplinares são a única matriz das subjetividades modernas, continuou a ver o impulso de dominação como uma disposição, por assim dizer, instituinte da interação entre sujeitos. Sua visão do que somos capazes de fazer uns aos outros sempre vai no sentido do pior. Em alguns trechos de entrevistas ou artigos, isto aparece de maneira inequívoca. Na entrevista Da amizade como modo de vida, dizia: “Mas a idéia de um programa e de proposições é perigosa. Desde que um programa se apresenta, ele faz a lei, é uma proibição de inventar” (Foucault, 1994b, p. 167). Em A propósito da genealogia da ética: um resumo do trabalho em curso, afirmava: “Não procuro dizer que tudo é mau, mas que tudo é perigoso(...). Se tudo é perigoso, então temos sempre qualquer coisa a fazer. Assim, minha posição não conduz à apatia, mas ao contrário à um hiper-militantismo pessimista” (Foucault, 1994b, p. 386).
O pessimismo foucaultiano, como se vê, não tem meias medidas. Mas, pergunto, isto basta para torná-lo alguém neutro quanto a valores, indiferente à comunidade de seus fellows ou virtualmente insensível à dor e à humilhação do outro? Penso que não. Freud, por exemplo, tido por Rorty [início da pág. 129] como um “experimentador” exemplar da vida privada, era mais ou menos pessimista do que Foucault? E o próprio Rorty? Como qualificar sua hipótese sobre nossas atitudes frente ao sofrimento dos outros? Rorty não hesita em dizer que a solidariedade, a compaixão, a simpatia, etc., que podemos manifestar ao nosso próximo nem são constantes morais universais, nem estão inscritas no coração ou na razão dos humanos. Pelo contrário, reafirma a todo instante que tais atitudes éticas são instáveis e recentes. Formaram-se, no Ocidente, à duras penas, após séculos de violências e atrocidades cometidas contra os mais frágeis. Na sua ótica, sempre podemos voltar a redescrever nosso próximo como um estranho e, em virtude disto, submetê-lo às piores brutalidades, se dispusermos dos instrumentos de força ou coerção adequados. Isto é pessimismo ou otimismo? Onde começa e termina a linha que separa um do outro?
Dependendo de quem julga, Rorty poderia ser perfeitamente etiquetado de pessimista! No entanto, seus receios quanto à crueldade latente em todos nós, não o tornam, a seus olhos, indiferente aos valores democráticos, liberais e humanitários. Por que o pessimismo de Foucault seria diferente? Por que emprega a categoria de “poder” e não a de “disposição para humilhar e ferir o outro”? Mas se Rorty define humilhação como “redescrição forçada”, em que isto se distingue substancialmente dos efeitos de poder sobre os indivíduos analisados por Foucault? E, afinal, se o critério pragmático para saber o que é ou não eticamente aceitável, são os resultados morais práticos e não um acordo sobre princípios transcendentais ou racionais, como ignorar o papel de Foucault na sensibilização intelectual moderna para com a dor e a humilhação do outro? Como notou Hall, poucos pensadores atuais denunciaram com tanto vigor quanto Foucault o que existe de cruel e moralmente abusivo nas relações humanas. O fato de não procurar justificar sua prática teórico-política por meio de princípios definitórios, por acaso invalida o mérito do que disse, pensou ou fez? Seus estudos sobre presídios, hospitais, hospícios, escolas, casernas, indústrias, etc., são exemplos de indiferença ou relativismo axiológico ou de engajamento na luta em favor dos humilhados e ofendidos? Foucault, considerado tudo isto, é um faceless, um homeless, ou alguém que fala por um “nós” e empresta sua voz a um “nós”?
Mas o que Rorty reprova em Foucault, principalmente, não é propriamente sua pretensa impermeabilidade à dor do outro. É seu laconismo quando se trata de elogiar as instituições liberais das democracias modernas. Também neste nível, creio, a atitude de Foucault é explicável, quando se observa os problemas por ele estudados. Foucault não pensava, como Rorty, que todos os enunciados morais reduzem-se à dicotomia do público e do privado. Certos problemas, seguramente, cabem nesta classificação; outros, não. O excessivo classicismo político de Rorty não lhe deixou ver o que, na cultura, rompe com estas fronteiras. É verdade, como observou Berten, que Rorty nunca pretendeu definir o público e o privado, como se fossem “essências”. Sua intenção era a de utilizar uma classificação pragmaticamente operante, capaz [início da pág. 130] de diferenciar as aspirações individuais legítimas das ilegítimas, no que diz respeito às aspirações do outro (cf. Berten, 1994). No entanto, mesmo feita a reserva, discussões culturais recentes mostraram que fatos tidos como exclusivos da vida privada podem ter relevância pública e vice-versa. Fraser notou, por exemplo, que aquilo que Hannah Arendt chamou de social tem, ao mesmo tempo, uma dimensão privada e uma pública. A vida familiar, a sexualidade, a questão da mulher, a educação sentimental das crianças, as tecnologias de saúde, as práticas de cuidado do corpo, etc., são casos deste tipo. Aliás, o próprio Rorty, respondendo à Alexander Nehamas, dizia que “público” e “privado” podem ter significações variáveis (Rorty,1992, p. 211-212). Citando duas situações conflitivas, apontava a família como sendo o referente do “privado” em um caso e o referente do “público”, em outro.
Mas se é assim, por que não considerar que a especificidade dos assuntos discutidos por Foucault pode dispensar tal divisão, sem prejuízo do respeito ao sofrimento do outro? Em última instância, penso que o que Rorty não aceita é a redescrição do sujeito e da vida relacional proposta por Foucault. Esta redescrição, em minha opinião, não afeta em nada a “mínima moral” defendida por Rorty. Porém, pode parecer uma “redescrição forçada” para quem acredita que as instituições e os problemas com que lidamos estão em ordem, bastando alterar, aqui e ali, o que anda enferrujado ou fazendo muito barulho. Como exemplo, dou o caso da sexualidade. Foucault acreditava que só uma virada radical na imagem de sujeito e dos modos de vida relacional poderia desfazer certos impasses criados pela atual hierarquia moral das sexualidades. Para efeito de exposição, tomo as duas questões em separado – a da imagem do sujeito e a da imagem da vida relacional – para analisá-las em detalhes.
A mudança na imagem do sujeito defendida por Foucault é conhecida. Corresponde à noção de estilo de vida ou estética da existência baseada numa ética dos prazeres e não do sexo. Dando ênfase aos prazeres e não ao sexo, os sujeitos poderiam reinventar-se, sem recorrer às identidades criadas pelo sistema de nominação preconceituoso. Sexo, hermenêutica do desejo, obsessão pela verdade de si, identidades sócio-sexuais fixas, etc., são termos do mesmo vocabulário moral articulado aos dispositivos de sexualidade. A este propósito, Foucault dizia: “ Outra coisa de que é preciso desconfiar é da tendência para trazer a questão da homossexualidade para o problema do “Quem sou eu?”, “Qual o segredo de meu desejo?”. Talvez fosse melhor perguntar: “Que relações podem ser estabelecidas, inventadas, multiplicadas, moduladas, por meio da homossexualidade”. O problema não é o de descobrir em si a verdade de seu sexo, mas o de usar, de agora em diante, de sua sexualidade para chegar à multiplicidade de relações. É, sem dúvida, aí que está a verdadeira razão pela qual a homossexualidade não é uma forma de desejo mas alguma coisa de desejável. Nós devemos, então, dedicar-nos a tornarmo-nos homossexuais e não a nos obstinar em reconhecer que somos homossexuais” (Foucault, 1994b, p. 163). Mais adiante, na mesma entrevista, reiterava: [início da pág. 131] “Cabe a nós avançar numa ascese homossexual que nos fizesse trabalhar sobre nós mesmos e inventar, não digo descobrir, uma maneira de ser ainda improvável” (p. 165).
Em outra entrevista, comentando os livros de John Boswell e Karl Dover sobre o homossexualismo, afirmava: “É preciso usar de sua sexualidade para descobrir, inventar novas relações. Ser gay é ser se tornando [c'est être en devenir] e, para responder à sua questão, acrescentaria que é preciso não ser homossexual mas insistir em ser gay” (Foucault, 1994b, p 295). Depois, na entrevista intitulada O triunfo social do prazer sexual: uma conversação com Michel Foucault, dizia: “Fazer escapar o prazer da relação sexual do campo normativo da sexualidade e suas categorias; fazer, por esta mesma razão, do prazer o ponto de cristalização de uma nova cultura, é, acredito uma abordagem interessante”(p. 309). Por fim, em Entrevista de Michel Foucault confirmava os pontos de vista anteriores: “ Foi só a partir do momento em que o dispositivo de sexualidade implantou-se efetivamente, quer dizer, no momento em que um conjunto de práticas, instituições e conhecimentos fez da sexualidade um domínio coerente e uma dimensão absolutamente fundamental do indivíduo, foi neste momento preciso, sim, que a questão “Que ser sexual você é? “tornou-se inevitável(...) Se bem que do ponto de vista tático importa num dado momento poder dizer 'Eu sou homossexual', é preciso, a meu ver, a longo prazo e no quadro de uma estratégia mais vasta colocar questões sobre a identidade sexual. Não se trata, então, de confirmar sua identidade sexual, mas de recusar a injunção de identificação à sexualidade, às diferentes formas de sexualidade. É preciso recusar satisfazer a obrigação da identificação por intermédio e com a ajuda de uma certa forma de sexualidade” (Foucault, 1994b, p. 662).
Nas entrevistas fica claro o objetivo de Foucault. Só uma redescrição inédita das subjetividades poderia destronar o sexo-rei e sua corte de identidades sexuais. Enquanto a auto-realização ou a auto-perfeição privada curvarem-se ao sujeito sexual dominante, poucas chances existem de que venhamos a imaginar um modo de vida sem a violência do preconceito. Ora, este modelo do sujeito sexualmente descentrado e voltado para uma ética ou estética dos prazeres, não tem lugar no imaginário de Rorty. O ironismo por ele recomendado parece assustar-se com as metáforas de Foucault. Em sua ética, não obstante seus protestos, tudo o que deve ser feito é o que vem sendo feito. Assim, falando a respeito do tema das escolhas morais privadas, afirma que “intelectuais românticos, religiosos místicos, fetichistas sexuais” (Rorty, 1991a, p. 197) podem ter direito a buscar sua auto-realização, desde que respeitem o limite do público. Em outro artigo, mostrando a meta liberal de convívio humano diz: “para tornar os Brancos mais amáveis com os Negros, os machos com as mulheres, (...) ou os heterossexuais com os homossexuais...” etc. (Rorty, 1994, p. 27). Ou seja, quando fala de conflitos, Rorty deixa de lado a contingência do sujeito e da linguagem e toma como perenes as identidades instituídas de raça, sexo, gênero etc.
[início da pág. 132] Ora, é justamente isto que Foucault procura redescrever. Mas, em sua ficção de um mundo novo, a vida relacional transborda o quadro institucional estabelecido. Foucault não cansa de repetir: não basta “liberar” o que se supõe sufocado ou reprimido. O próprio reprimido e sufocado foi produzido pelos dispositivos disciplinares. A miséria sexual, dizia ele, é produzida como o capitalismo produz miséria econômica. Ou seja, não basta dar pão sexual aos famintos; é preciso que deixemos de produzir um mesmo tipo de fome. Na famosa entrevista Não ao sexo rei, Foucault observava: “Um movimento se desenha hoje que parece subir a ladeira do 'sempre mais sexo', 'sempre mais verdade do sexo' à qual séculos nos haviam fadado; trata-se, não digo de redescobrir, mas simplesmente de fabricar outras formas de prazeres, de relações, de coexistências, de ligações, de amores, de intensidades” (Foucault, 1994a, p. 261). Na entrevista mencionada, Da amizade como modo de vida, volta ao tema: “Aquilo para o que se orienta os desenvolvimentos do problema da homossexualidade é o problema da amizade. (...) Homens de idade notavelmente diferentes, que código terão eles para se comunicarem entre si? Eles estão um em face do outro sem armas, sem palavras convencionais, sem nada que possa reassegurá-los sobre o sentido do movimento que os leva um para o outro. Terão que inventar de A a Z uma relação ainda sem forma e que é a amizade: quer dizer a soma de todas as coisa pelas quais pode-se dar prazer um ao outro” (Foucault, 1994b, p.163-164). Em outra passagem da mesma entrevista é dito: “Esta noção de modo de vida me parece importante. Será que não seria preciso introduzir uma diversificação outra que não aquela devida às classes sociais, diferenças de profissão, de níveis culturais, uma diversificação que seria também uma forma de relação e que seria “o modo de vida”. Um modo de vida pode ser partilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar à relações intensas que não se parecem a nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética. Ser gay é, creio, não se identificar aos traços psicológicos e às máscaras visíveis do homossexual, mas buscar a definir e a desenvolver um modo de vida” (Foucault, 1994b, p. 165).
Este modo de vida, contudo, pede uma rede institucional outra que não a conhecida. Na entrevista O triunfo social do prazer sexual: uma conversação com Michel Foucault indícios deste modo de vida são sugeridos: “Vivemos em um mundo relacional que as instituições empobreceram consideravelmente. A sociedade e as instituições que constituem sua ossatura limitaram a possibilidade de relações porque um mundo relacional rico seria extremamente complicado de gerir. Devemos bater-nos contra este empobrecimento do tecido relacional. (...) Tomemos, por exemplo, as relações de amizade. (...) Elas desempenhavam um papel considerável, mas havia toda uma espécie de enquadramento institucional flexível – mesmo se, por vezes, era coercitivo – com um sistema de obrigações, de tarefas, de deveres recíprocos, uma hierarquia entre amigos, e assim por diante. (...) Quando você lê [início da pág. 133]um testemunho de dois amigos desta época, você se pergunta sempre o que acontecia realmente. Faziam eles amor juntos? Tinham uma comunidade de interesses? Nenhuma das duas coisas ou as duas?” (Foucault, 1994b, p. 309-310). Continuando, diz Foucault: “Em realidade, a vida de solidão à qual é condenado o celibatário é, freqüentemente, o efeito do empobrecimento das possibilidades relacionais em nossa sociedade, onde as instituições tornam exangues e necessariamente raras todas as relações que se poderia ter com um outro e que poderia ser intensas, ricas, mesmo se fossem provisórias, mesmo e sobretudo se não tivessem lugar nos laços do casamento” (Foucault, 1994b, p. 311).
Em outra passagem de suas intervenções, diz: “Que em nome do respeito aos direitos do indivíduo, deixemos que ele faça o que quiser, tudo bem. Mas se o que se quer fazer é criar um novo modo de vida, então a questão dos direitos do indivíduo não é pertinente. Com efeito, vivemos num mundo legal, social, institucional, onde as únicas relações possíveis são extremamente pouco numerosas, extremamente esquematizadas, extremamente pobres. Existe, evidentemente, a relação de casamento e as relações de família, mas quantas outras relações poderiam existir, poderiam encontrar seus códigos não nas instituições mas em suportes eventuais? Isto não acontece em absoluto” (Foucault, 1994b, p. 309).
Resta perguntar em que o desejo de criar um tecido relacional mais rico, intenso, plural, que ofereça novas possibilidades de satisfação emocional pode ser contrário à consideração pela dor e sofrimento do outro? Em nada, penso. Obviamente, Rorty poderia replicar que esta crítica aos espaços institucionais poderia violentar as convicções dos que aceitam os limites morais do estado de coisas existentes. Como observou Visker, ele crê que “a maioria das pessoas não deseja ser redescrita” e “quer ser levada à sério nos seus próprios termos, ou seja, na maneira como é como fala” (Visker, 1994, p. 281-282). A “redescrição freqüentemente humilha”, “sugerindo que o eu e o mundo” de quem está sendo redescrito “é fútil, obsoleto e vão” (Rorty, 1989, p. 89-90). Mas isto aplica-se ao próprio Rorty! A distinção entre o “ironista” indiferente ao outro e o “ironista liberal rortyano” atento ao outro, não pode ser feita com base nos riscos de “humilhação”, presentes em toda redescrição. A distinção entre o indiferente e o sensível ao sofrimento do outro, passa pela defesa que o segundo faz do “valor do respeito ao sofrimento alheio”. Porém, em que sentido pode-se dizer que Foucault mostrou-se indiferente à idéia de sofrimento? Em nenhum, sugiro. Como prova, tomo seus depoimentos sobre o sado-masoquismo, figura da sexualidade, onde o sofrimento é, mais do que em outras, problematizado.
Falando a respeito do sado-masoquismo dizia: “Eu vou arriscar a hipótese seguinte: numa civilização que, durante séculos, considerou que a essência da relação entre duas pessoas residia no fato de saber se, sim ou não, uma das duas partes ia ceder à outra, todo o interesse e toda a curiosidade, toda audácia e a manipulação de que dão prova as partes em questão sempre visaram [início da pág. 134] à submissão do parceiro afim de dormir com ele. (...) O sado-masoquismo não é uma relação entre aquele (ou aquela) que sofre e aquele (ou aquela) que infringe sofrimento, mas entre um senhor e a pessoa sobre a qual se exerce sua autoridade. O que interessa aos adeptos do sado-masoquismo é o fato de que a relação é, ao mesmo tempo, submetida às regras e aberta. Ela parece um jogo de xadrez, onde um pode perder e outro ganhar. O senhor pode perder (...) se se revela incapaz de satisfazer as necessidades e as exigências de sofrimento de sua vítima. Do mesmo modo, o escravo pode perder se não consegue superar ou se não suporta superar o desafio lançado pelo seu mestre. Esta mistura de regras e abertura tem por efeito uma intensificação das relações sexuais, introduzindo uma novidade, uma tensão e uma incerteza perpétuas, de que é exemplo a consumação do ato. O objetivo é assim de utilizar cada parte do corpo como um instrumento sexual” (Foucault, 1994b, p. 331-332).
Em outro lugar, voltando ao assunto, diz ele: “O sexo não é uma fatalidade; é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa. (...) Eu não penso que este movimento [a chamada cultura sado-masoquista] de práticas sexuais tenha nada a ver com a atualização ou a descoberta de tendências sado-masoquistas profundamente enterradas em nosso inconsciente. Penso que o s/m é muito mais do que isso. É a criação de novas possibilidades de prazer, que não tínhamos imaginado antes. A idéia de que o s/m está ligado a uma violência profunda; que sua prática é um meio de liberar esta violência, de dar livre curso à agressão é uma idéia estúpida. Sabemos muito bem que o que estas pessoas fazem não é agressivo; que elas inventam novas possibilidades de prazer, utilizando certas partes bizarras de seus corpos – erotizando este corpo. Penso que temos neste caso uma espécie de criação, da qual uma das principais características é o que chamo a dessexualização do prazer. A idéia de que o prazer físico provém sempre do prazer sexual e a idéia de que o prazer sexual é a base de todos os prazeres possíveis, isto, penso, é verdadeiramente qualquer coisa de falso. O que as prática s/m nos mostram é que podemos produzir prazer a partir de objetos muito estranhos, utilizando certas partes bizarras de nosso corpo, em situações muito inabituais (...). A possibilidade de usar nosso corpo como fonte de prazer possível de uma multidão de prazeres é algo de muito importante. Se consideramos, por exemplo, a construção tradicional do prazer, constatamos que os prazeres físicos, ou prazeres da carne, são sempre a bebida, a comida e o sexo. É aí que se limita nossa compreensão dos corpos, dos prazeres. (...) O jogo s/m é muito interessante porque, embora seja uma relação estratégica, é sempre fluido. Existem papéis, é claro, mas cada um sabe que estes papéis podem ser invertidos. Por vezes, quando o jogo começa, um é o mestre e o outro o escravo e, no fim, quem era escravo tornou-se mestre. (...) Este jogo estratégico é muito interessante, enquanto fonte de prazer físico. Mas não diria que constitui uma reprodução, no interior da relação erótica, da estrutura de poder. É uma encenação das estruturas de poder por um jogo estratégico capaz de [início da pág. 135] produzir um prazer sexual e físico” (Foucault, 1994b, p. 735-746).
Com a longa citação, não penso em caucionar, ponto por ponto, a explicação dada por Foucault ao sado-masoquismo. Concordo, no entanto, com sua tentativa de desmantelar uma categoria pretensamente homogênea de “seres sexuais” inventadas no século XIX, que teriam algo em comum que seria a “sado-masoquistidade” de todos os sado-masoquistas. A citação visa mostrar que, para ele, a condição de aceitação do sado-masoquismo é sua total redescrição. Redescrição que rompe com imagem oitocentista que temos do fenômeno e que o aproxima das práticas dos prazeres ou práticas sexuais correntes na nossa cultura. Em primeiro lugar, nesta interpretação, o fundamento do sado-masoquismo não é o sofrimento e sim o prazer físico que pode ser sexual ou não. Em segundo lugar, o deslocamento do prazer, do exclusivo campo da sexualidade, permite a encenação do que Foucault entende como sendo desmontagem das relações fixas de dominação e sujeição, presentes no ato sexual. Quem manda e quem obedece; quem é passivo e quem é ativo, são papéis reversíveis na versão foucaultiana do sado-masoquismo.
É possível que, para muitos, psicanalistas inclusive, o sado-masoquismo de Foucault tenha algo de angelical. Mas este é o coração do problema. Um metafísico, na terminologia de Rorty, diria que existe uma verdadeira natureza do sado-masoquismo que Foucault tenta mascarar, dourando a pílula, em favor da própria teoria. Um ironista descomprometido com sua comunidade, limitar-se-ia a defender o direito de cidade do sado-masoquismo, sem maiores preocupações com a imagem que a maioria das pessoas tem do que representa gozar com a humilhação moral ou com sofrimentos físicos. Foucault, entretanto, justifica sua opinião, criando uma versão compatível com as exigências éticas de respeito à dor e ao sofrimento do outro. Procura fazer dos adeptos do sado-masoquismo não só “um de nós”, mas “alguns dos melhores dentre nós”. Ao condenar. por exemplo, o estupro, a necrofilia e a moral grega dos eros e afrodisia, deixa claro que o sofrimento e a dominação dos sujeitos é aquilo reprova e que não imagina que possa ser aceito.
Onde estaria, então, seu descompromisso com credo moral básico de seu tempo e de sua comunidade? O que ele faz, por exemplo, no caso do sado-masoquismo, é desconstruir a descrição médico-sexológica do século XIX, propondo uma outra. O que ele faz é criar uma nova metáfora que nos leva a duvidar de nossas crenças e a perguntar: por que acreditar na versão de Kraft-Ebing e não na sua? Será que existe, de fato, um “sado-masoquismo comum” à todos os sado-masoquistas? E se, em vez de carimbar pessoas com este rótulo infame, pudéssemos redescrever esta prática como uma “encenação reversível” do jogo da dominação/submissão, passividade/atividade, deslocando o sofrimento físico de seu papel de fim para o de meios com vistas a outros fins? Neste caso, por que horrorizar-se com o sado-masoquismo, nós que convivemos, entre bocejos e risadas, com lutas de boxe, viciados em exercícios físicos, pancadarias em estádios de futebol, programas de calouros em domingos televisivos, etc. Em todos estes casos, e em muitos outros, a excitação [início da pág. 136] física com o sofrimento é patente. Mas nem por isso construímos identidades sócio-sexuais ou sócio-físicas dos praticantes “destes esportes”! O escândalo do sado-masoquismo não é o sofrimento; é sua vinculação ao sexo. Foucault não só procura desvincular a relação de necessidade entre um e outro, como mostra que, deixando de acreditar na verdade do sujeito sexual, podemos pensar em relações humanas onde o “referente do pronome nós”, como exige Rorty, seja sensivelmente ampliado.
Finalizando, penso que Rorty entendeu mal ou intimidou-se com a imaginação de Foucault. Não pôde ver que, num certo sentido, a démarche foucaultiana é mais rortyana do que Rorty poderia prever. Foucault não me parece nenhum candidato à crueldade. Parece-me, isto sim, um dos últimos revolucionários utópicos de nosso presente histórico. Pertence a linhagem dos Marcuses, sem a crença ingênua “na boa natureza do sexo” e nas virtudes universais da “razão estética”. Não por acaso, respondendo à questão de um entrevistador – qual é a solução? – disse: “Devemos começar por reinventar o futuro, mergulhando em um presente mais criativo. Deixemos cair a Disneylândia e pensemos em Marcuse”(Foucault, 1994a, p. 678).
Nada mais pragmático; nada mais “humanamente útil”.
Notas:
1. Nosso objetivo não é o de apresentar sistemá-ticamente o pensamento de Richard Rorty. Limito-me, aqui, a enviar o leitor aos estudos que mais diretamente dizem respeito ao te-ma discutido neste texto. Além de alguns textos do próprio Rorty, citados no trabalho, ver Murphy, 1990 e Hall, 1994;
2. Sobre Davidson, ver: Davidson, 1982, 1990, 1991a, 1991; Evnine, 1991; Ramberg, 1989; Engel, 1989.
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[1] Costa, Jurandir Freire. O sujeito em Foucault: estética da existência ou experimento moral in Revista Tempo Social – Revista de Sociologia da USP, Nº 7, V. 1-2, São Paulo, Outubro de 1995, p. 121-138. Entre colchetes, a referência originalmente na revista. Imprimir esta página Imprime 
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Foucault na USP


Embora recebido com apreço pela intelligentsia local, pensador causou ruído no Departamento de Filosofia da instituição, então de linha marxista



Caio Liudvik

“Era encantador, com um enorme senso do espetáculo. Ele e [Gérard] Lebrun formavam uma dupla espetacular, ambos jogaram com suas vidas além da prudência.” Assim José Arthur Giannotti, professor emérito do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, resume sua impressão acerca de Michel Foucault, de quem foi um dos principais interlocutores quando das visitas que o pensador francês fez a São Paulo, entre os anos 1960 e 70.

“Foucault esteve entre nós em 1966”, como lembra outro expoente do Departamento de Filosofia da USP que esteve próximo a Foucault em São Paulo, Victor Knoll. A Faculdade de Filosofia ainda ficava no prédio da Rua Maria Antônia, antes de se transferir para a atual Cidade Universitária.

“A vinda dele foi promovida por Lebrun, que fora aluno de Foucault e depois passou a manter relação bastante próxima com ele. Lebrun já estava entre nós – no Departamento de Filosofia – desde 1960, graças ao programa que o governo francês mantinha desde a fundação da Faculdade de Filosofia, em 1934. Trata-se do mesmo programa pelo qual vieram Lévi-Strauss, [Roger] Bastide e outros.”

O Foucault trazido por Lebrun em 1966 era já autor de um livro de grande repercussão, a História da Loucura, mas ainda não estava no epicentro do cenário intelectual francês. Isso só ocorreria com a publicação de As Palavras e as Coisas, em 1966, pouco depois do curso que, baseado nos materiais desse livro ainda inédito, ministrara na USP.

“[Em As Palavras e as Coisas,] Foucault já propunha uma arqueologia do saber, mas era evidente para nós que essa linha era, antes de tudo, o próprio Foucault”, afirma Giannotti. Ou seja, não se tratava do marco inaugural de uma nova “escola” de pensamento e pesquisa, mas expressões cintilantes da pujança de um grande pensador em particular.

“Foucault teve muitos seguidores, mas não creio que ‘tenha revolucionado a história’ ou aberto um caminho que possa ser trilhado por uma geração. São ex-?traordinários seus escritos porque mostram, antes de tudo, um autor extraordinário. Ele representa, de maneira muito peculiar, esta indecisão em que se encontra a filosofia atual, quando tudo parece que pode ser escrito”, complementa.

As ressalvas de Giannotti, aliás, podem ser sintomáticas quanto à relativa resistência inicial do pensamento uspiano, então impregnado de marxismo.

Como aponta a professora de história da Unicamp Margareth Rago, “a imprensa tentou explorar um conflito latente entre Foucault e os intelectuais marxistas nesse momento, em São Paulo. Numa entrevista ao Jornal da Tarde, porém, o filósofo, numa atitude de grande respeito à intelectualidade brasileira, foi taxativo: ‘Não critico quem não tem direito à defesa’, disse, referindo-se aos intelectuais marxistas que não teriam condições de responder às suas críticas em virtude da repressão política instaurada no país”.

Fora da ordem

Parece que houve certo desencontro entre o que Foucault tinha a contar e o que sua plateia esperava ouvir. Uma distância que talvez fique mais flagrante se comparada com o entusiasmo imediato por Foucault por parte dos estudantes e intelectuais do Rio de Janeiro. Ele esteve naquela cidade no mesmo período, que lhe agradou pela beleza, informalidade e pelo calor humano. Foi acompanhado de perto por nomes como Roberto Machado, professor da UFRJ e um dos principais divulgadores de Foucault no país.

Vladimir Safatle (USP) pondera que o conflito é sensível especialmente junto ao público uspiano, mas, “se você pegar a PUC de São Paulo, há uma influência foucaultiana muito forte.

Mas no Brasil, em geral, os departamentos de filosofia demoraram, salvo raras exceções, para assimilá-lo. Por quê? Porque a gente fazia filosofia de uma maneira muito diferente do que se fazia naquele momento; mesmo a pauta das questões era totalmente diferente. Qual era a pauta de Foucault naquele momento? Eram estruturas institucionais e a sexualidade. Já no Departamento de Filosofia da USP, trabalhava-se outro tipo de problema: a história tradicional da filosofia, e segundo a tradição marxista – e uma tradição marxista muito diferente da tradição marxista que era hegemônica na França”.

Renato Janine Ribeiro, também da USP, conta que estava estudando na França quando das visitas de Foucault a São Paulo. Mas diz que a repercussão delas chegava até ele e a colegas como Olgária Matos.

Uma das passagens mais marcantes, relembra Janine, teria sido o elogio, não sem uma possível pitada de ironia, de Foucault ao “bom departamento francês de ultramar” com que ele deparou na USP. A expressão foi depois utilizada – mas sem o adjetivo – pelo professor Paulo Arantes num ensaio célebre.

Janine acha que até poderia ter havido alguma conotação crítica por parte de Foucault, mas não crê nisso. “Não faria parte da delicadeza, da maneira como ele foi recebido”. Tratar-se-ia antes de um reconhecimento do nível intelectual de seus interlocutores. Por exemplo, “ele se impressionou muito com o Antonio Candido”, diz Janine.

Mas Safatle pondera: “Não se sabe se era bem um elogio. [Foucault] queria dizer que era um departamento que seguia a tradição da historiografia universitária francesa, e a seguia de maneira bastante correta, mas também que não tinha grande voo próprio”.

Paulo Arantes, em entrevista nos anos 1990, assim comentou a colocação de Foucault:

“Trata-se de fato de uma tirada atribuída a Foucault quando passou por aqui em 1965 e fomos apresentados à ideologia francesa em pessoa, para surpresa nossa, filha natural do dia a dia das certezas de empréstimo de que sempre vivêramos. Todo mundo costumava citar com legítima satisfação uma observação de Goldschmidt segundo a qual já éramos de fato um departamento de filosofia tão bom quanto qualquer outro similar francês de província. Ainda estávamos esperando a promoção para Paris quando Foucault completou a deixa, por certo elogiando, mas com leve intenção escarninha, pois departamento de ultramar também poderia ser alguma ilha do Caribe, e nós sabíamos muito bem (mas ele não) que por lá andava a existencialista Chiquita Bacana.”

“Homem infame”

Essa citação é só um fragmento da extensa documentação coligida por Heliana Conde, que é referência obrigatória para a compreensão dos fatos – e lendas – que marcaram as duas visitas de Foucault a São Paulo. Professora no Departamento de Psicologia Social da Uerj, ela atualmente realiza pesquisa intitulada “Michel Foucault no Brasil – Presença, Efeitos e Ressonâncias”.

Mas nem só de questões dessa gravidade se fez a visita de Foucault a São Paulo nos anos 1970. Um episódio no mínimo pitoresco teria marcado a aula na USP, segundo conta Heliana Conde:

“Entrevistadas de minha pesquisa referem-se, de forma um tanto distinta – a memória tem suas (in)fidelidades singulares –, a uma curiosa ocorrência durante a primeira aula (única? – permanece a dúvida) do curso de 1975. Concordam que certo aluno – personagem conhecido, que vivia na própria universidade sob os cuidados dos colegas – entrou no auditório onde Foucault estava lecionando e interrompeu o discurso do filósofo. A partir daí, contudo, os relatos divergem: algumas falam de uma cena explícita de masturbação, que teria durado um tempo enorme; outras concordam ter havido algo análogo, embora de caráter menos ‘sensacional’; outras ainda limitam-se a registrar que Foucault foi interrompido pela entrada de um ‘homem infame’ – usando conhecida expressão do próprio Foucault. As diferenças nas lembranças não param por aí: segundo uma entrevistada, muitos e muitos encontros no bar onde os alunos da USP costumavam beber cerveja foram gastos debatendo a atitude de Foucault, que teria, severamente, convidado o rapaz a se retirar do auditório. Conforme recorda outra, o filósofo, elegantemente, apenas propôs que se fizesse um intervalo, e os colegas do aluno que entrara intempestivamente é que tomaram providências para que este saísse do local. Finalmente, outra evoca um Foucault que permitiu que o ‘infame’ falasse, sem adotar qualquer medida restritiva – ao contrário, teria coerentemente encerrado a própria aula aproveitando o propício incidente.”

Apesar de interromper o curso na USP, Foucault aceitou o convite para falar aos estudantes da Unicamp, “desde que” – explica Rago, que também investiga a presença de Foucault no Brasil e escreveu a respeito um capítulo de El Foucault Desconocido, livro que será lançado na Espanha – “o encontro se realizasse em outro espaço que não o da própria universidade. Era sua recusa e sua forma de manifestação. O evento teve lugar na antiga sede do Centro Acadêmico, situado no centro da cidade”.

Em relato a Rago, o professor de filosofia da Unicamp Luiz Orlandi, que fez a tradução simultânea, afirma ter sido uma experiência inesquecível, “pois Foucault dizia muitas coisas sem que seu rosto perdesse o ar de exuberante alegria e o humor de sua cortante inteligência. Não me era fácil acompanhar sua fluência discursiva, de modo que eu me sentia livre para incluir algumas improvisações, mas sempre no sentido buscado pelas suas frases”.

Nesse contexto, a antropóloga Marisa Correa, prossegue Rago, “convidou Foucault para um jantar em sua casa, junto com seu amigo Peter Fry [...]. Uma das cenas hilárias que se destaca é a reação da empregada, quando Foucault cortesmente se levantou da almofada, à sua passagem, e fez uma espécie de mesura para ela. Dona Lola nunca mais se esqueceu da gentileza do professor estrangeiro!”.

Livro disseca “fascínio” pela Revolução Iraniana

Um dos episódios mais polêmicos da trajetória de Michel Foucault foi seu apoio inicial à revolução urbana e de massas que sob, a batuta do aiatolá Khomeini, entre 1978 e 1979, deu fim ao regime autoritário de Mohammad Reza Pahlavi.

Comparado pelos detratores a alguns outros “erros” políticos ou seduções totalitárias de grandes intelectuais do século 20 – como o apoio de Heidegger ao nazismo e de Sartre à União Soviética –, o episódio é extensamente investigado em Foucault e a Revolução Iraniana – As Relações de Gênero e as Seduções do Islamismo (É Editora, trad. Fabio Faria, 480 págs., R$ 89).

O livro foi escrito por Janet Afary, professora associada de história e estudos femininos na Universidade Purdue (EUA), e Kevin B. Anderson, professor associado de ciência política e sociologia na mesma instituição.

Ele reproduz todos os artigos de Foucault sobre a Revolução Iraniana. Em sua primeira parte, tenta articular o “fascínio” do filósofo pela insurreição islâmica com seus anseios acerca de uma nova “espiritualidade política”, sua posição ambígua em movimentos como o feminista e o pró-homossexuais e a antipatia recorrente que suas obras teóricas anteriores já teriam manifestado com relação aos princípios e instituições da modernidade ocidental.
A importância do empoderamento


    O terceiro aspecto da Tese de Nitiren Daishonin é o que atualmente chamamos empoderamento (em inglês, empowerment). Empoderamento é quando numa situação difícil, por meio do diálogo, incentivamos outra pessoa a manifestar o seu poder inerente para mudar a realidade. E, uma vez que ela decide mudar, juntos, avançamos compartilhando o juramento de alcançar a resolução daquela situação.
   
    Como em muitas escrituras budistas, a Tese de Daishonin toma a forma de diálogo entre o viajante, que representa a autoridade secular, e o hospedeiro, as perspectivas do Budismo.

   

    Na abertura do texto, o viajante para na morada do hospedeiro onde ambos discutem e expressam sua profunda aflição pela sucessão de desastres que atingiu a nação. As preocupações dos dois, de alguma forma, lhes permite enxergar além das diferenças de suas posições.

    O diálogo se desenvolve e tanto o anfitrião como o viajante expõem suas convicções. Em resposta à raiva e à confusão do viajante, o hospedeiro, cuidadosamente, explica e resolve cada uma das suas dúvidas. Pelo enfrentamento e confrontação de alma a alma, o viajante finalmente se convence da veracidade das afirmações do hospedeiro. Ele resgata o juramento que fizeram quando da preocupação inicial: “Mas não basta que somente eu aceite e tenha fé em suas palavras —, devemos trabalhar para que os outros se deem conta dos seus erros” (END, v. 1, p. 62).


    Por fim, ambos concordam que o poderoso reconhecimento da necessidade de se acreditar nas possibilidades ilimitadas do ser humano — a mensagem do Sutra de Lótus — constitui a essência do Budismo. É a fé na certeza de que toda pessoa possui um potencial infinito: a capacidade de dar luz à sua dignidade.


    Despertar para essa grandeza da condição humana acende a chama da esperança na vida de quem está perdido na angústia. Essa pessoa, por sua vez, tem o poder de inflamar a esperança no outro. O impulso resultante da renovação tem o poder de afastar a tenebrosa confusão que envolve a sociedade.


    As palavras da Comissão de Segurança Humana estão em sintonia com as ideias desse antigo texto. Por exemplo, segurança humana deve ser “construí­da com a força das pessoas e suas aspirações”. A chave está na “capacidade das pessoas para agir por conta própria a favor dos outros”.


    A questão principal de toda a atividade relacionada à segurança humana não deve ser: o que podemos fazer? Mas sim: como a ação poderá apoiar o esforço e a capacidade da pessoa afetada?


    Descrevendo o caos de seu tempo, Daishonin lamentou a perda do empoderamento. As calamidades afetaram o ânimo das pessoas, e muitas pareciam ter perdido a vontade de viver. Além disso, a ética predominante da sociedade foi um dos fatores que as incentivaram a evitar a realidade e procurar tranquilidade apenas no reino de sua vida interior.


    Nitiren Daishonin considerava “malignos” os ensinamentos que estimulam a resignação ou o escapismo como um caminho para a salvação: algo que turva a visão das pessoas, cegando-as para o potencial ilimitado que elas possuem. Para Daishonin, o único caminho viável para superar o impasse que a sociedade enfrenta é cada pessoa acreditar nas suas próprias possibilidades e trabalhar de mãos dadas para que todos se fortaleçam.


    Neste contexto, lembro-me do episódio narrado pelo filósofo austríaco Ivan Illich (1926-­2002). Ele disse que jamais devemos ter medo de ser uma “vela na escuridão”. Illich descreve sua amizade com o bispo Dom Hélder Câmara (1909-1999), que lutava contra as brutalidades desumanas do regime militar brasileiro na década de 1960.


    Dom Hélder tentou dissuadir o general que mais tarde se tornaria conhecido como um dos mais cruéis torturadores do Brasil. A tentativa do diálogo fracassou. Depois que o militar partiu, Dom Hélder caiu num silêncio profundo, virou-se para Illich e disse: "Não desanime nunca. Enquanto uma pessoa estiver viva, em algum lugar ainda há brasa sob as cinzas, e toda a nossa tarefa é... soprar... devagarinho, com cuidado soprar... e soprar... e você vai ver que ela se acende. Não se preocupe em atear fogo de novo. Tudo o que tem a fazer é soprar."


    As palavras de Dom Hélder, “não desanime nunca” representam o esforço de renovar a própria decisão e, ao mesmo tempo, a importância do encorajamento aos que estão à beira do desespero.

   

    O espírito do empoderamento encontra-se no ato cuidadoso de assoprar a “brasa que resta” na alma humana, tanto daqueles que nos apoiam como dos que estão contra. Acredito que a fé e a perseverança são a força motriz das lutas de Mahatma Gandhi (1869-1948) e de Martin Luther King Jr. (1929-1968) pelos direitos humanos. E daqueles que lideraram as revoluções populares do leste europeu que pôs fim à guerra fria e, mais recentemente, do movimento conhecido como a “Primavera Árabe”.


    Durante os sombrios anos dos confrontos da guerra fria, visitei países comunistas — a antiga União Soviética, a China — para realizar intercâmbios com o objetivo de amenizar as tensões e aprofundar a compreensão mútua. Empenho-me também para dialogar com líderes políticos e intelectuais do mundo de várias culturas e religiões. Estes esforços para promover a amizade, atravessando fronteiras, são frutos da convicção de que a única base duradoura para uma sociedade mundial pacífica reside na transformação do coração de cada indivíduo. Isso só poderá ser alcançado com um diálogo que desperte em cada um de nós a nossa humanidade.


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    Então, como podemos observar, a mudança das questões políticas, sociais, entre muitas outras, está no empoderamento, não no sentido de dar poder para que a pessoa realize o que der na telha, mas quando ela estiver "numa situação difícil, por meio do diálogo, incentivamos outra pessoa a manifestar o seu poder inerente para mudar a realidade. E, uma vez que ela decide mudar, juntos, avançamos compartilhando o juramento de alcançar a resolução daquela situação."
    Como vocês poderam ver, na minha concepção, este é uma das melhores partes da proposta de paz deste ano, pois diz uma coisa que muitos, independente de qual profissão executa, tem o poder de realizar. Este termo deve ser a base de nossa organização. Oferecer a oportunidade de manifestar este poder próprio para vencer as dificuldades.
    Agradeço à todos pela leitura de hoje e até breve!
    Sayonara!
    (Faltam 5 dias!)

Kouiti Kikuta

(66) 9998-4645 / 8101-1663

sexta-feira, 20 de abril de 2012

HISTÓRIA e Estados d
o BRASIL
(Resumo)
Bandeirantes e Extracção de Minerais
Bandeiras e rebeliões
(da Restauração à Revolta de Vila Franca)
1640 a 1720
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro
gentilmente cedido à Só Karinho´s
Dezembro/2006


Bandeirantes

Durante o século XVI, algumas “entradas”, expedições armadas ao interior, foram ordenadas pelas autoridades coloniais e enviadas à procura de pedras e metais preciosos, que não foram encontrados.
Todavia, as “entradas” abriram os caminhos que, no século seguinte foram ampliadas pelas “bandeiras”. Estas, saídas em especial de São Paulo, eram de iniciativa particular e tinham como objectivo primordial a caça de índios, mão-de-obra mais barata que a dos negros, para trabalharem nas fazendas.
Bandeirantes:
Dos 8.500.000 Km2 do território brasileiro, nada menos de 5.000.000 devem-se à determinação de um grupo de exploradores que, actuando por conta própria e quase secretamente, enfrentaram os inúmeros perigos das selvas do recém-descoberto continente, em busca de riqueza.
A actuação continuada dos bandeirantes, e mesmo a sua ferocidade em estabelecer zonas em que exerciam o seu domínio sobre os índios, criou posteriormente o direito sobre as terras exploradas quando Portugal e a Espanha definiram, em 1777, os limites de seus territórios. A história desta epopeia é tão fascinante como uma lenda, pois, tal como nas lendas, muitas passagens não se alicerçam em relatos oficiais. Mas a história dos bandeirantes e das bandeiras, refere-se a um cometimento de tanta ousadia que poucos outros feitos poderão suplantá-lo.
Foram os bandeirantes os responsáveis pela ampliação do território brasileiro além do Tratado de Tordesilhas. Os bandeirantes penetram no território brasileiro, procurando índios para aprisionar e jazidas de ouro e diamantes. Foram os bandeirantes que encontraram as primeiras minas de ouro nas regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Dos 08,5 milhões de Km2 do território do Brasil, cerca de 5 milhões devem-se à determinação de um grupo de exploradores que, actuando por própria conta e risco e, quase secretamente, enfrentaram os inúmeros perigos das selvas do Brasil, em busca de riqueza – Os “Bandeirantes” que saíram de São Paulo e de Belém do Pará.
Bandeirante é entendido hoje em dia como um sinónimo de paulista, mas, as bandeiras foram um fenómeno geral de expansão e ocupação de todo o território brasileiro na época colonial. E, embora o fulcro principal do bandeirismo tenha sido o aglomerado que surgiu em torno do Colégio dos Jesuítas, no planalto de Piratininga, e que o padre Manuel da Nóbrega, seu fundador, dedicou ao apóstolo São Paulo, existiu, na verdade, um outro núcleo importante em Belém, no Norte do Brasil. Houve, portanto, um bandeirismo paulista e um bandeirismo amazónico. O de São Paulo foi mais característico e estável; o do Pará, após a expansão inicial, frustrou-se. O nome mais importante do bandeirismo paulista é, inegavelmente, António Raposo Tavares, português de nascimento, ao contrário dos restantes, que eram mestiços. No bandeirismo amazónico, a figura mais impressionante e quase única é Pedro Teixeira, que subiu o Rio Amazonas até ao Marañon, no Peru. Aos bandeirantes paulistas deve-se a descoberta de ouro em Mato Grosso e Minas Gerais, a ocupação das terras situadas na bacia do Rio São Francisco, a destruição de um Estado formado por escravos fugidos, o Quilombo dos Palmares, em Alagoas e Pernambuco, o desbravamento e ocupação das terras interiores do Nordeste brasileiro até ao Piauí. Ambos os ciclos bandeirantes expandiram os limites do território brasileiro para além dos fixados pelo Tratado de Tordesilhas, de 07 de Junho de 1494, no qual Portugal e a Espanha dividiam entre si as terras situadas no Atlântico Sul. Nos termos deste tratado, a linha de fronteira luso- espanhola passava pelas proximidades das cidades de Cananeia, no Sul e, Belém, no Norte, deixando à Espanha praticamente toda a bacia amazónica, além da totalidade do território do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, dois terços do território de São Paulo, Goiás e nove décimos do Pará e todo o Amazonas, e grande parte de Minas Gerais, totalizando de 5,5 a 6 milhões de quilómetros quadrados. Esta grande extensão de terra foi incorporada ao território brasileiro pelo esforço gigantesco das bandeiras paulistas e amazónica. No Norte, os bandeirantes amazónicos utilizaram exclusivamente o sistema fluvial, guiados pelos índios arauaques. No Sul, os bandeirantes paulistas percorreram as trilhas e caminhos indígenas, guiados pelos índios tupis e tribos tupinizadas. O principal caminho, o Piabiru, estendia-se por cerca de 200 léguas de sesmaria pelo interior do continente, por aproximadamente 1.400 Km, ligando São Paulo, no litoral, ao Paraguai. Este foi o caminho desbravado primeiramente pelos jesuítas do Colégio de São Paulo para alcançar o Peru, e, depois, o caminho de internamento das bandeiras que buscavam guaranis pacificados das missões dos Jesuítas e os índios das tribos guaranizadas para vendê-los como escravos. Os índios arauaques, aliados dos bandeirantes na Amazónia, ocupavam uma extensa área que ia desde o Orenoco, pelo vale dos rios Amazonas, Madeira-Mamoré e Guaporé, até ao Alto e Médio Paraguai. Os Tupis-Guaranis adensavam-se na bacia do Rio da Prata e estendiam-se, aparentemente sem solução de continuidade, até à vasta zona geográfica das florestas tropicais húmidas, alcançando já em tempos históricos, a Ilha de Tupinabarana, em águas amazónicas. Essa grande extensão geográfica das culturas tupi-guaranis acarretava relações muito intensas entre as tribos, das quais a colonização portuguesa soube sabiamente tirar partido. A expansão bandeirante não pode ser explicada sem a constatação do aproveitamento das relações intertribais das culturas tupi-guarani e arauaque. Os Índios forneceram o conhecimento dos caminhos por terra da navegação pelos rios, desvendando ao colonizador a rede fluvial do Rio da Prata e do Amazona.
Os dois núcleos principais das bandeiras – São Paulo e Belém do Pará – não constituíam centros económicos importantes na vida da Colónia. Ambas as localidades se caracterizavam por uma economia de colecta e apresamento de mão-de-obra, vivia da bateia de ouro nos rios, constituindo esse ouro aluvial, depois dos escravos índios, a sua principal riqueza.
O pequeno povoado paulista, apertado pela Serra do Mar, via os seus rios nascerem a pequena distância do litoral, porém com o curso dirigido para o interior do sertão. Ao invés de descerem serra abaixo e desaguarem no mar, eles corriam sertão adentro, como o Rio Tietê, indicando, deste modo, a direcção às bandeiras paulistas. Atravessando o sertão selvagem, esses rios iam desaguar na bacia do Rio da Prata. Este papel geográfico dos rios paulistas, indicando aos bandeirantes o sertão de índios e riquezas fabulosos, foi a condição natural para o desempenho histórico das bandeiras, que conduziram a fronteira política do Império Português na América aos limites da bacia pratina. Nos fins do século XVl, os índios do planalto paulista e da costa do lagamar santista foram vencidos pela superioridade da colonização lusitana, escravizados ou posto em fuga, internando-se no sertão. Partiram de São Paulo as chamadas protobandeiras do misterioso Aleixo Garcia em 1526, de Pêro Logo em 1531 e de Cabeza de Vaca, em 1541. A primeira notícia mais ou menos oficial de uma bandeira operando com colonos e índios vicentinos data de 1562, dirigida por Brás Cubas (*) e Luís Martins, mas ignora-se o seu itinerário. Acredita-se que tenha percorrido cerca de 300 léguas de sertão e que teve por objectivo a busca de ouro, cujos vestígios só foram encontrados em Jeraguá, nas proximidades de São Paulo. Em outras regiões do Brasil iniciavam-se as entradas no sertão. De Ilhéus partiu Luís Alves Espinha em direcção a Oeste, de Pernambuco saíram Francisco de Caldas, Gaspar Dias de Taíde e Francisco Barbosa em direcção ao sertão do São Francisco. Data de 1538 o chamado ciclo das esmeraldas. De Porto Seguro partiu para o sertão Filipe Guilherme. Outras entradas conhecidas são as de Miguel Henriques, em 1550, de Francisco Bruza de Espiñosa, em 1554, ao vale do Jequitinhonha, Vasco Rodrigues Caldas, em 1561 ao sertão do Paraguaçu, Martim Carvalho em 1567 ao Norte de Minas Gerais e Sebastião Fernandes Tourinho, em 1572, aos rios Doce e Jequitinhonha. Em fins do século XVl, João Coelho de Sousa morria nas selvas das cabeceiras do Paraguaçu. Belchior Dias Moreira atingiu com a sua expedição a Chapada Diamantina.
Mas o facto extraordinário é que os bandeirantes, no seu percurso da bacia do Rio da Prata à bacia amazónica, navegaram em onze meses, 3 mil léguas, o equivalente a quase meia volta ao Mundo ! Partindo de São Paulo, a expedição rumou para o Paraguai, daí acercou-se da Cordilheira dos Andes através do sistema orográfico chiquitano, de onde alcançou a região dos índios chiriguanos. Explorou as faldas orientais dos Andes, regressando, em seguida, pelo Guapaí até à planície crucenha, de onde iniciou o fantástico trajecto fluvial pelo Guapaí, Mamoré, Madeira e Amazonas, onde alcançou a Gurupá. Portanto, iniciada em São Paulo, a bandeira de António Raposo chegou à bacia do Rio da Prata e os Andes Orientais, cruzando o divisor de águas amazónico-pratino, navegando nas águas do Amazonas e seus afluentes até ao Arquipélago Marajoana, no grande delta.
Utilizavam como meio de transporte, canoas escavadas de árvores, tal como construíam os índios. O processo de fabricação durava vários meses, pois, além de ser necessário que o tronco estivesse completamente seco, a sua escavação fazia-se com fogo – para robustecer a madeira e evitar que viesse a empenar – e mediante a raspagem cuidada do interior com enxós.
Por acção dos Bandeirantes, a pouco e pouco, as linhas de demarcação da ocupação da terra iriam consolidar-se numa nova configuração geográfica, empurrando para a bacia do Rio da Prata e velha linha do Tratado de Tordesilhas, Dando à Colónia Lusitana na América o traçado de onde iria surgir uma nova nação – o Brasil moderno, nascido monárquico e independente, e que cobre uma extensão territorial de 8.500.000 quilómetros quadrados !
Brás Cubas
(*) Brás Cubas:
Nasceu no Porto em Dezembro de 1507; faleceu, também, no Porto em1592.
Foi um fidalgo e explorador português, fundador da Vila de Santos (hoje cidade). Filho de João Pires Cubas e Isabel Nunes, governou por duas vezes a Capitania de São Vicente (1545-1549 e 1555-1556).
Chegou ao Brasil no ano de 1531 com Martim Afonso de Sousa, o fundador da Capitania de São Vicente. A região de Santos já estava povoada, mas foi Brás Cubas quem oficialmente fundou a vila pois em 1543, fundou a primeira Santa Casa de Misericórdia, a qual chamou de Todos os Santos, nome que passaria à vila, cujo porto era mais bem localizado que o de São Vicente. Foi o responsável pela transferência do porto da Ponta da Praia para o centro, nas cercanias do Outeiro de Santa Catarina. Além de fundador de Santos, organizou entradas a serviço da Coroa e, por fim, foi governador da capitania de São Vicente.
Chegou a ser o maior proprietário de terras da zona litorânea. Em 1551, foi nomeado por D. João III provedor e contador das rendas e direitos da capitania; no ano seguinte, construiu o forte de São Felipe na ilha de Santo Amaro. Teve participação destacada na defesa da capitania contra os ataques dos Tamoios, aliados aos franceses. Mais tarde, por ordem do terceiro governador-geral Mem de Sá, realizou expedições pelo interior em busca de ouro e prata. Teria chegado até a chapada Diamantina no sertão da Bahia.
Suas tentativas de escravizar os indígenas resultou numa revolta que acabou por determinar o surgimento da Confederação dos Tamoios, que só pôde ser parcialmente contida pela actuação dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
Ao morrer, era fidalgo da Casa Real e um dos homens mais respeitados da capitania. O título de alcaide-mor da vila de Santos passou a seu filho, Pêro Cubas.
Em seu epitáfio, lê-se que descobrira «ouro e metais em 1560». Em 1578, aliás, era corrente a notícia da existência das minas de ouro e prata da capitania de São Paulo, segundo um súbdito inglês residente em Santos.
Os bandeirantes penetraram pelos sertões do Oeste, atingindo as margens do rio Paraguai, onde combateram as “reduções”, aldeamentos de índios em catequese, que os jesuítas haviam estabelecido ainda no século anterior. A partir dessas “reduções”, bandeirantes como António Raposo Tavares, Manuel Preto e Sebastião Preto, atacaram as “reduções” do Uruguai, alargando as fronteiras brasileiras.
António Raposo Tavares
Bandeira de António Raposo Tavares
http://www.geocities.com/bandeiras99/raposo.html
Além do apresamento de índios e da busca de ouro, as bandeiras tinham ainda outra função importante para a Metrópole: serviam de ponta de lança da conquista e povoamento do interior, numa época em que Espanha e Portugal estavam longe de ter definido a fronteira de seus domínios no coração da América do Sul. Em algumas expedições, essa função política e militar se destacou. Foi o caso da bandeira chefiada por António Raposo Tavares, que deixou São Paulo em 1648 para desbravar milhares de quilómetros do sertão até o Amazonas.
Português nascido em São Miguel da Beja em 1598, vindo para o Brasil aos vinte anos, António Raposo Tavares já era um experiente predador de índios quando se envolveu naquela que seria a maior façanha de sua vida. Consta que esteve em Portugal, traçando os planos da expedição, junto com altas autoridades do Reino. O objectivo era aumentar a área do interior sul-americano sob domínio português, descobrindo novos territórios e, se possível, reservas de metais preciosos. Já nessa época conhecia-se a rota de São Paulo ao Peru; pelo menos um bandeirante, António Castanho da Silva, chegara até lá em 1622. Acredita-se até que as reduções jesuíticas do Itatim foram formadas para bloquear essa via de acesso aos paulistas.
Mapa da Bandeira de António Raposo Tavares

Três anos pelo sertão: Preparado para enfrentar qualquer bloqueio, Raposo Tavares dividiu a bandeira em duas colunas. A primeira, chefiada por ele próprio, reunia 120 paulistas e 1 200 índios. A segunda, um pouco menor, era comandada por António Pereira de Azevedo. Viajando separadamente, os dois grupos desceram o Tietê até o rio Paraná, de onde atingiram o Aquidauana. Em Dezembro de 1648, reuniram-se às margens do rio Paraguai, ocupando a redução de Santa Bárbara. Depois de unificada, a bandeira prosseguiu viagem em Abril de 1649, alcançando o rio Guapaí (ou Grande), de onde avançou em direcção à cordilheira dos Andes. Estava em plena América espanhola, entre as cidades de Potosí e Santa Cruz de la Sierra (hoje território da Bolívia). Aí permaneceu até meados de 1650, explorando o mais possível a região. De Julho de 1650 a Fevereiro de 1651, já reduzida a algumas dezenas de homens, empreendeu a etapa final: seguiu pelo Guapaí até o rio Madeira e atingiu o rio Amazonas, chegando ao forte de Gurupá, nas proximidades de Belém. Diz a lenda que os remanescentes da grande expedição chegaram exaustos e doentes ao forte e que, voltando a São Paulo, Raposo Tavares estava tão desfigurado que nem seus parentes o reconheceram. Como resultado da aventura, vastas regiões desconhecidas entre o trópico de Capricórnio e o equador passavam a figurar nos mapas portugueses.
Manuel Preto http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Preto
foi um bandeirante paulista, nascido na segunda metade do século XVI e falecido em São Paulo em 1630. Filho de António Preto, que veio na armada de Diogo Flores de Valdez ou Valdés em 1582, e de Águeda Rodrigues, filha do reinol Gonçalo Madeira e Clara Parente, era irmão de Sebastião Preto. Herdou dos pais uma gleba de terras a noroeste do centro da vila, que daria origem ao actual bairro da Freguesia do Ó.
Dos maiores sertanistas de São Paulo no século XVII, desde 1602 (quando, adolescente, fez parte da bandeira de Nicolau Barreto) caçava índios para escravizar. Diz a «Genealogia Paulistana» que foi «destemido explorador , que penetrou o sertão do Rio Grande (rio Paraná nos mapas castelhanos), os do rio Paraguai e a sua província, chegando até o rio Uruguai em conquista de índios bravios, e chegou a prender tantos que em sua fazenda de cultura fundada em 1580 na capela de Nossa Senhora da Expectação do Ó contava com 999 índios de arco e flechas. Foi ele o fundador dessa capela, entre 1610 e 1615 (hoje freguesia do Ó).»
Levando 155 índios escravizados, saiu pelo rio Tamanduateí, entrando pelo rio Tietê, até o começo de suas terras. Em 1606 percorreu o Guairá e ao regressar de Vila Real do Espírito Santo, arrebanhou índios temiminós pacíficos, que trouxe para São Paulo. Nos anos seguintes continuou nas mesmas paragens.
Em 1610 requereu à autoridade religiosa da colónia a autorização para erguer uma capela em louvor de Nossa Senhora do Ó.
Em 1619 a bandeira da qual era mestre de campo assaltou as reduções jesuíticas de Jesus Maria, Santo Inácio e Loreto. Em 1623, com seu irmão Sebastião Preto, o mestre de campo Manuel Preto conduziria uma bandeira ao chamado Guairá, «sertão dos abueus», participando dela o já velho bandeirante Francisco de Alvarenga (ver 1602) e Pedro Vaz de Barros. Destruíram reduções jesuíticas e trouxeram numerosa escravaria indígena. Já mestre de campo, Manuel Preto em 1626 foi processado como cabeça de entradas ao sertão e violências no mister, impedido de exercer o cargo de vereador para o qual fora eleito.
No segundo semestre de 1628 saiu de São Paulo em sua maior bandeira, como mestre de campo e capitão-mor, com António Raposo Tavares como seu imediato. Aniquilaram as reduções do Guairá, diz o historiador Afonso E. Taunay, e algumas dos campos do Iguaçu, «recolhendo-se com avultado comboio» avaliado pelos autores jesuíticos em muitos milhares de cativos, o que nos parece inaceitável; seriam um milheiro, no máximo dois mil estes prisioneiros. Foi depois de inutilmente tentarem os jesuítas providências da Bahia que «resolveram operar a transmigração do que restava de suas grandes reduções guairenhas para muito ao Sul, na mesopotâmia parano-uruguaia. O donatário da capitania, D. Álvaro Pires de Castro e Sousa, Conde de Monsanto, considerou tão valiosos seus serviços que lhe deu patente de governador das ilhas de Santana e Santa Catarina.
Os moradores de São Paulo de Piratininga haviam concordado em invadir o Guairá (com o estranho argumento de que a região pertencia a Portugal e o gentio ali existente não podia ser monopolizado pelos espanhóis). A grande expedição da qual o chefe nominal foi Manuel Preto viajou dividida em quatro companhias, das quais foram capitães:
António Raposo Tavares (cuja companhia tinha por alferes Bernardo Sanches de Souza e como sargento Manuel Morato Coelho),
Pedro Vaz de Barros (sempre louvado pela audácia e infatigabilidade);
Brás Leme
e André Fernandes, da Parnaiba.
Em Maio de 1629 o mestre de campo Manuel Preto embarcou por mar para Santa Catarina e ali tomou posse das terras e fundou arraial. Retornou ao mesmo tempo a povoado a bandeira que acabava de arrasar as reduções no Guairá e logo foram organizadas outras expedições, que retornaram à região no mesmo ano e nos seguintes, invadindo o território ao Sul do rio Paranapanema e arrasando as demais reduções do Guairá, tendo mesmo que ser evacuadas pelos moradores as vilas espanholas de Vila Real e de Ciudad Real. Mas Manuel Preto, tranquilamente em Santa Catarina, em 15 de Julho de 1629 nomeava Manuel Homem da Costa sargento-mor das ilhas.
A morte de Preto no sertão foi noticiada em São Paulo em 22 de Julho de 1630, vítima de uma flecha em uma emboscada. Tinha-se internado nas brenhas, no início do ano.
O que se pensava dele? Homem de ação «minimamente violenta contra os índios e seus superiores, desconsiderando principalmente os jesuítas Simão Masseta, José Cataldino e Antônio Ruiz de Montoia. Mas contribuiu notavelmente para a expansão geográfica do Brasil ao destruir as reduções no Ivaí, no Tibagi e no Uruguai.
Era casado com Águeda Rodrigues, filha de Gonçalo Madeira, de Portugal, e de Clara Parente.
Sebastião Preto
Foi irmão de Manuel Preto, outro grande sertanista. Eram filhos de um António Preto, natural de Portugal, vindo na armada de D. Diogo Flores de Valdés a Santos com sua mulher Antónia Gonçalves, de Sevilha, morta em 1616.
António Preto chegou a São Vicente com seus filhos na segunda metade do século XVI e, segundo Silva Leme na «Genealogia Paulistana» , prestou relevantes serviços nas guerras contra os gentios e corsários. Foram seus seis filhos: João Preto, morto solteiro em 1638; José Preto; Sebastião Preto, objecto deste verbete; Manuel Preto; Inocêncio Preto, ouvidor da capitania de São Vicente, casado com Maria Moreira, filha do Governador Pedro Álvares Cabral e de Susana Moreira, que faleceu testado em 1647; e Domingas Antunes, morta em 1624, casada com Gaspar Fernandes morto em 1600. José Preto foi casado com Catarina Dias, filha de Gaspar Vaz Guedes e de Francisca Cardoso, sendo moradores de Mogi das Cruzes onde ele morreu em 1653.
Os bandeirantes também buscaram metais preciosos, em especial ouro. Todavia, somente no final do século XVII é que foram encontradas as primeiras jazidas de ouro.
Desencadeou-se, então, uma verdadeira “corrida” para o sertão, sendo descobertas muitas minas em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Das descobertas de bandeirantes como Fernão Dias Pais, António Dias Adorno, Manuel Borba Gato, Bartolomeu Bueno da Silva e Pascoal Moreira Cabral, decorreu uma transformação na vida económica do Brasil, pois, o primeiro plano passou a ser ocupado pela extracção deste precioso metal.
As minas de ouro, deslocaram o eixo económico e político do litoral nordestino para o centro-sul do Brasil, em especial para Minas Gerais, onde se desenvolveu uma verdadeira civilização do ouro, acompanhada de notável florescimento cultural.
No final do século XVII e início do XVIII são descobertas ricas jazidas de ouro nos actuais Estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso que atraem portugueses e aventureiros da metrópole e de todas as partes do Brasil. Muito trazem escravos. A Coroa autoriza a livre exportação de ouro, tributado no valor de um quinto da produção, e é instituída a Intendência de Minas, para fiscalizar a actividade da extracção do ouro.
Era permitido a alguns escravos conservar parte do ouro descoberto para comprar a sua liberdade.
O período de maior produção ocorre entre 1735 e 1754, quando a exportação anual chega à média de 14,5 mil quilos.
A exploração de diamantes cresce por volta de 1729, nas vilas de Diamantina e Serra do frio, no norte de Minas Gerais.
Em 1734 é criado o Distrito Diamantino, com uma intendência para administrar as lavras.
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(Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal)