Uma Olimpíada que já entrou para a História
Depois
das populares "Olimpíadas de Astronomia" e "Olimpíadas de Matemática",
chegou a vez da História entrar nesse estimulante circuito
Em
dezembro de 2009, mais de 900 alunos e professores encontraram-se em
Campinas (SP), na UNICAMP, para encarar diversos desafios no campo da
História. Era a etapa final da I Olimpíada de História do Brasil
realizada no país, organizada pelo Museu Exploratório de Ciência da
UNICAMP e com o apoio de vários outras instâncias, como a Revista de
História, o CNPQ e a Azul linhas Aéreas. Em entrevista ao Conversa
Cappuccino, a diretora do Museu e coordenadora da Olimpíada, Cristina
Meneguello, conta como surgiu essa idéia, seus objetivos e o
funcionamento do evento. Ela ainda é historiadora e professora da
UNICAMP. Quer saber como ela deu conta de tanta coisa com maestria?
Confira nossa entrevista!
CAFÉ
HISTÓRIA - Seja bem-vinda ao Café História, professora Cristina
Meneguello. É um prazer imenso tê-la como entrevistada. Comecemos nossa
conversa do início: como surgiu a ideia de realizar uma Olimpíada de
História do Brasil? Qual a dimensão que esse trabalho ocupou e ocupa em
sua vida pessoal e profissional?
PORTAL DA OLIMPÍADA DE HISTORIA DO BRASIL - MUSEU EXPLORATÓRIO DE CIÊNCIAS
CRISTINA MENEGUELLO -
A idéia surgiu da percepção que as ciências humanas não têm uma real
inserção dentro da divulgação científica em larga escala, e a partir da
proposta do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp de contemplar as
ciências humanas não como “paralelas” ou “decorativas”, mas como
centrais dentro das preocupações de seus programas educativos. De
início, imaginávamos uma espécie de gincana pela internet, e com o tempo
fomos amadurecendo a idéia de uma Olimpíada Científica. Pensávamos: se
há olimpíadas de matemática, de química, de astronomia, por que não uma
de História? Montamos o projeto, tivemos o aceite do CNPq e demos
prosseguimento à idéia. A equipe de colegas que me acompanhou foi
fundamental nesse processo.
Posso
dizer que na minha vida pessoa e profissional o projeto tomou um enorme
vulto e exigiu uma dedicação enorme, com sacrifícios evidentes. Estou
feliz que tenha sido assim, mesmo sabendo que não é simples trabalhar de
dentro da Universidade e com a comunidade de forma geral, numa dimensão
ampla. Existe resistência dentro e fora da Universidade com esse tipo
de projeto, resistência que se explica por falta de compreensão, ou
simplesmente porque, de fato, essas coisas dão um trabalho enorme e não
acrescentam tantas linhas assim no currículo lattes, não é mesmo?
Felizmente, há quem goste de fomentar coisas diferentes, principalmente
as que parecem dificilmente executáveis, e, nesse sentido, a Olimpíada
só me trouxe realizações, pessoais e profissionais.
CAFÉ HISTÓRIA - Professora, qual a metodologia e os objetivos por trás da Olimpíada de História?
CRISTINA MENEGUELLO -
A metodologia é, basicamente, o trabalho em equipe, o tempo concedido
para a reflexão e estudo a partir das perguntas apresentadas, a
utilização do arcabouço metodológico do historiador (uso de documentos,
de imagens, de mapas, de artigos acadêmicos) e as atividades online. O
objetivo é proporcionar estudo e reflexão sobre história. Estamos muito
mais interessados em alimentar essa reflexão do que em premiações ou na
performance das equipes, embora reconheçamos que isso também seja uma
faceta importante, que fomenta a auto-estima dos participantes e seu
crescimento intelectual.
CAFÉ
HISTÓRIA - A Olimpíada de História é uma iniciativa do Museu
Exploratório de Ciências da Unicamp. Por que não do departamento de
história da Unicamp? Ele teve participação no evento? Qual?
CRISTINA MENEGUELLO -
O departamento de história da Unicamp apoiou a idéia desde a primeira
vez que a apresentei, e vários de seus docentes e doutorandos
participaram da elaboração das provas e, posteriormente, do curso de
formação de professores. Porém, o Museu, do qual sou Diretora Associada,
tinha a real possibilidade de realizar o programa em nível nacional,
por suas experiências anteriores, pela prática de sua equipe e por sua
vocação nesse tipo de iniciativa.
CAFÉ
HISTÓRIA - A internet foi uma ferramenta chave na realização do evento.
Como essa tecnologia foi pensada no desenvolvimento do projeto?
CRISTINA MENEGUELLO -
A internet traz uma linguagem viva e ágil e possibilita virtualmente
que se atinjam os interessados em todo o território nacional, seja nas
escolas, ou nas casas, ou mesmo em lan houses (de onde muitos enviaram
as suas respostas). A internet traz interação e utilização contínua,
pois mesmo depois de terminada a Olimpíada qualquer um pode acessar as
perguntas ou o banco de dados de documentos. Assim a plataforma da
Olimpíada é multiplicadora de leituras e estudos em história do Brasil.
Além disso, fomentamos encontros e contatos entre os jovens
participantes que, de outro modo, jamais teriam acontecido. Há outra
característica importante da internet a mencionar: ela foi fundamental
na divulgação do Evento! Blogs de professores, blogs como o Café
História e outras redes entrelaçadas permitiram que a novidade chegasse a
um grande número de pessoas.
CAFÉ HISTÓRIA - No que a Olimpíada de História difere de outros eventos do gênero, como a Olimpíada de Matemática?
CRISTINA MENEGUELLO -
De muitas maneiras ela é diferente das outras Olimpíadas, até porque o
conhecimento de história deve ser “medido” de uma forma que compreenda
as nuances das diferentes interpretações e versões, evitando o simples
“certo” e “errado”. A Olimpíada de Matemática é um evento de enormes
proporções, que vai a cada escola, onde são realizadas as provas, em
horário de aula. Na Olimpíada de História a adesão é voluntária; as
equipes podem ser formadas entre interessados, de diferentes séries de
ensino, e que podem trabalhar em cada fase, ao longo de uma semana, da
forma como acharem conveniente. As questões têm formato de múltipla
escolha, mas admitem várias respostas corretas; há também “tarefas” que
são realizadas pelas equipes e enviadas pela internet, e essas tarefas
exigem pesquisa e escrita.
CAFÉ
HISTÓRIA - Professora, conte um pouco como foi o envolvimento dos
participantes. Há algum caso especial? Como a realização da Olimpíada
mexeu com as escolas e com os grupos participantes?
CRISTINA MENEGUELLO -
Essa é a parte que mais nos emocionou. Sabíamos que estávamos
realizando algo grande e importante, mas só lendo os mais de 6 mil
e-mails que recebemos e principalmente no contato com os mais de mil
alunos e professores que foram à Unicamp, na etapa final agora em
dezembro, compreendemos como havíamos desencadeado um processo
significativo para tantas pessoas. Alunos apaixonados por história que
antes lamentavam não ter uma oportunidade como uma Olimpíada para
exercitarem seu potencial; alunos não tão apaixonados por história
assim, mas que descobriram que estudar o tema podia ser igualmente
fascinante; professores que acompanharam suas equipes ao longo de
semanas, testemunhando o crescimento e superação de seus alunos...Muitos
nos contaram que as equipes participantes “agitaram” o cotidiano de
suas escolas! Na etapa final na Unicamp, recebemos estudantes que jamais
haviam deixado anteriormente suas cidades, estudantes de EJA (Educação
de Jovens e Adultos), de escolas públicas e particulares, e nos demos
conta que nos acostumamos a dizer que “ninguém se importa com nada nas
escolas” e que isso é uma grande mentira: conhecemos, efetivamente,
centenas e centenas de alunos e professores dedicados ao ensino e ao
estudo, e que não deixam de fazer aquilo em que acreditam por nada, nem
por falta de condições de trabalho e de estudo.
CAFÉ HISTÓRIA - A Olimpíada de História pode ser considerada um marco na divulgação da História, no Brasil? Por que?
CRISTINA MENEGUELLO -
Ah não, um “marco” é megalomania demais, não? Vamos dizer assim: foi
uma grande idéia, coordenada por uma pessoa com determinação e conduzida
por uma excelente equipe, que abriu muitas portas para esses jovens
participantes e que, nesse processo, ajudou na divulgação da História no
nosso país.
CAFÉ
HISTÓRIA - As questões propostas para a Olimpíada refletem não só a
respeito de conteúdos históricos, mas sobre a própria escrita da
história. Este é um objetivo da Olimpíada?
CRISTINA MENEGUELLO -
Sem dúvida! O escrever da história e a historiografia em si, são temas
que podem ser abordados com estudantes dos ensinos fundamental e médio
sem perder o caráter de abstração e de compreensão necessários. A
Olimpíada provou que isso é possível; ao entender o “fazer” do
historiador, estudar conteúdos fica muito mais rico, e muito mais
interessante.
CAFÉ
HISTÓRIA - Alguns educadores são contra o espírito de competição que
uma Olimpíada pode provocar. O que você pensa sobre isso? É um exagero
ou faz sentido?
CRISTINA MENEGUELLO -
É um exagero ingênuo. É exagero porque a Olimpíada de história fomenta o
trabalho coletivo, a negociação e o debate para chegar a uma resposta, e
a participação do professor, que vem para enriquecer esse processo.
Numa equipe, as diferenças aparecem: um tem mais jeito para as leituras,
outro para sair em busca de documentos e fotografias, e todos
contribuem para o resultado final. Perceber essas diferenças é
fundamental para os participantes. Além disso, muitos alunos nos
contaram que nunca, antes da Olimpíada, haviam de verdade trabalhado em
equipe. E desta vez trabalharam em equipe porque queriam, não porque
havia alguém “mandando”... e que continuaram estudando juntos mesmo para
outras disciplinas que não a história. É ingenuidade não admitir a
dimensão competitiva que permeia os estudos e o trabalho em nossa
sociedade. Não ajuda em nada fingir que não existe competição; eu
acredito que o que ajuda a esses alunos é mostrar que existe competição
sadia que estimula, que revela talentos, que empurra para cima.
CAFÉ
HISTÓRIA - Uma Olimpíada pressupõe avaliação. Quais os critérios de
avaliação da Olimpíada? Como não frustrar os participantes?
CRISTINA MENEGUELLO -
Impossível não frustrar...uns vão se sair melhor, outros vão ser
eliminados. No entanto, estávamos muito atentos para não repetir a
experiência de frustração e fracasso que muitas dessas iniciativas
fomentam. Assim, por exemplo, entre a primeira e a segunda fase da
Olimpíada, “passamos” 90% dos participantes (aliás isso já estava
escrito nos regulamentos); depois, as fases foram ficando mais difíceis e
os participantes passavam em menor número para as fases seguintes. Os
nossos critérios de avaliação foram tão estudados e são tão complexos
que fizemos um documento explicando tudo! A nossa avaliação nasceu de um
trabalho enorme, e, digo com tranqüilidade, muito raciocinado e muito
justo. Quem quiser conhecer, o documento está online, no endereço:
http://www.mc.unicamp.br/files/rf4aeaf91d3ca9e/Sistema%20de%20Avali...
http://www.mc.unicamp.br/files/rf4aeaf91d3ca9e/Sistema%20de%20Avali...
CAFÉ HISTÓRIA - Qual o balanço que a senhora faz da Olimpíada? Há planos para uma nova edição em 2010?
CRISTINA MENEGUELLO -
O balanço é muito positivo. Acho que atendemos uma demanda ultra
represada, e abrimos perspectivas de muitos novos trabalhos na área de
História. A boa nova é que a
Olimpíada 2010 vai acontecer! Tivemos ontem a resposta do CNPq de que
vai apoiar a realização da 2ª Olimpíada Nacional em História do Brasil.
Agora, vamos de novo correr atrás de apoios e patrocínio e esperamos,
dessa vez, contar com o apoio efetivo das Secretarias de Educação na
divulgação do Evento.
CAFÉ
HISTÓRIA - O Café História possui diversos educadores, muitos dos quais
participaram da I Olimpíada de História. O que a senhora pode dizer a
todos esses professores de história?
CRISTINA MENEGUELLO -
Quero mesmo agradecer o apoio e o envolvimento desses profissionais,
que entenderam a proposta e que a abraçaram, ainda que isso envolvesse
mais horas de trabalho e mais tempo de estudo, tempo esse que muitos
dificilmente conseguiam ter. É nesses gestos que conhecemos os grandes
educadores. Uma professora participante, do Amapá, disse em um dos
eventos da fase final: “estou feliz em conhecer meus colegas professores
e em ver os estudantes brasileiros em tão boas mãos”. Concordo
inteiramente com as palavras dela. Esperamos reencontrar ou conhecer
todos esses professores, na 2ª Olimpíada!
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