Arquivo Café com Prosa | As Fronteiras do Terror | Artur Bernardes do Amaral

As Fronteiras do Terror


Em livro instigante, cientista social discute a Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) dentro da perspectiva da agenda de segurança dos Estados Unidos nos últimos anos e mostra que a geopolítica também é feito de estereótipos cuidadosamente pensados


Quando no dia 11 de setembro de 2001 o mundo assistiu estarrecido aos ataques ao Pentágono e ao World Trade Center, símbolos, respectivamente, da política e da economia americana, muitos analistas já confirmavam uma mudança de paradigmas na geopolítica mundial, o que logo foi confirmado com a invasão do Afeganistão (2002) e com a guerra do Iraque (2003). O que poucos entenderam naquele momento, entretanto, era que aquela mudança de paradigmas teria um raio muito mais amplo, impactando em países geograficamente distantes do epicentro da chamada “Guerra do Terror”, como é o caso do Brasil e da região que faz fronteira com Argentina e Paraguai, a “Tríplice Fronteira”. É com essa perspectiva que o cientista político Arthur Bernardes do Amaral constrói o seu “A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror”, obra na qual discute a política do Cone Sul e a política externa norte-americana da última década para a região.

O livro, recém-publicado pela editora Apicuri, é uma versão adaptada, atualizada e expandida da dissertação de mestrado em Relações Internacionais do autor, defendida em setembro de 2008 na PUC-RJ. Dividido em três capítulos, possui uma seqüência típica das obras acadêmicas. No primeiro capítulo, o autor aborda a história da tríplice fronteira, a caracterização de um espaço peculiar no que tange a disputa de poder e que nos últimos anos vem sendo descrito pela mídia e órgãos governamentais como ponto de encontro de células terroristas. É nesse capítulo também que o autor esclarece a sua metodologia, a justificativa e os objetivos para o seu tema de estudo. “Meu principal objetivo é entender como a Tríplice Fronteira foi inserida pelo governo norte-americano na agenda de segurança dos Estados Unidos”.

Mas se engana quem acha que a “tríplice fronteira” (uma das nove tríplices fronteiras que o Brasil possui) começou a ser uma questão para os atores globais apenas após os atentados de 11 de setembro. Bernardes explica que no campo particular dos estudos sobre segurança internacional, a Tríplice Fronteira tem sido associada desde o início do século XX, pelo menos, a uma série de imagens e discursos pejorativos, caracterizada como uma “área sem lei onde inexistem controles estatais e o crime organizado prospera explorando o livro fluxo de ilícitos transnacionais de variadas naturezas. O autor não nega, evidentemente, os diversos problemas políticos da região, muito menos os vácuos de poder que favorecem atividades ilícitas, mas expõe como a versão caricatural é a que predomina na mente dos governantes e na agenda de segurança das autoridades regionais.

Já no segundo capítulo, Bernardes aprofunda-se nos valores e projetos de política externa construídos ao longo do governo George W. Bush, indo das promessas e profecias anteriores ao 11 de setembro até a reorganização das esquerdas e das direitas em relação a América Latina. Conceitualmente, o segundo capítulo não traz muitas inovações, mas sua importância é enorme, uma vez que evidencia uma mudança na maneira que os Estados Unidos compreendem a América Latina. Para tanto, o autor faz uma retrospectiva das políticas externas para a região, com destaque para a Doutrina Monroe e os planos de combate às drogas, que monopolizaram os noticiários ao longo da década de 1990.

Por fim, o terceiro capítulo é o que há de melhor no livro. É nele que Bernardes mergulha fundo em sua análise da “Tríplice Fronteira” e o seu lugar na agenda de segurança dos Estados Unidos. No final dos anos 1990, a região já era vista como uma zona de ameaça terrorista, segundo importantes dirigentes do FBI. Mas o foco alternava para questão do crime organizado. O foco no terrorismo só sairia vitorioso no início após os atentados de 2001, quando foram renovados os ímpetos de securitização da Tríplice Fronteira. Em matéria de 27 de setembro do The New York Times, o polêmico jornalista americano no Brasil, Larry Rother, por exemplo, tratava diretamente da suspeita de atuação de terroristas na região, algo que só era feito efetivamente por jornais de Brasil, Argentina e Paraguai. Segundo Rother, a região era “a capital do contrabando da América do Sul” e, mais importante, como pontencial refúgio ou santuário para células terroristas.

No terceiro capítulo, Bernardes mostra sobretudo o quão importante é desmistificar vários dogmas da política externa americana durante a Era Bush sobre a região, demonstrando com elegância que este discurso, reproduzido não raro pela mídia, atendia a fins específicos de um plano maior da política externa dos Estados Unidos. No capítulo de análise, o autor também aproveita para esmiuçar a política externa de Brasil, Argentina e Paraguai para a região, que ora parecem convergir, ora divergir.

Obra multidisciplinar de grande importância para o campo da história, “A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror” vem preencher um vazio bibliográfico no Brasil. Além disso, é leitura obrigatória para aqueles que pretendem compreender as difíceis relações internacionais em uma época cujas fronteiras parecem ser algo cada vez mais dissipadas no mundo tecnológico. No entanto, no fundo, as fronteiras são reajustes diários que envolver política, poder e projetos nem sempre claros e coerentes.

Por Bruno Leal



E Leia também: “Educando Corpos e Criando a Nação”, de Maurício Parada, Doutor em história pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As cerimônias cívicas promovidas pelo Estado Novo realizavam uma síntese cultural em monumentais rituais comemorativos de eventos cívicos históricos importantes. Dia de Tiradentes, Dia do Trabalho, Semana da Pátria, Dia da Juventude, Hora da Independência, cada qual com seus temas e público específicos, sua trajetória e pedagogia próprias, construindo uma nova cultura política, guia para a nação em direção à modernidade, soberania e ordem. Tudo isso é tema para Parada, que faz uma importante contribuição a História Social, em particular aquela feita no Brasil.

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