O
propósito deste estudo é ampliar o conhecimento dos leitores sobre as
semelhanças e dessemelhanças entre estes dois caminhos de
espiritualidade: budismo e cristianismo, possibilitando alargar as
possibilidades de diálogo e entendimento.
Pretende-se
também, sem maiores pretensões, contribuir para o grande debate sobre o
que é bom para o homem, não só de forma pragmática ou positivista, mas
fundamentalmente; não só de maneira filosófica ou abstrata, mas
existencial e concreta; não só de forma psicopedagógica, mas num sentido
incondicionalmente obrigatório e universal.
Neste sentido, a religião não deve ser analisada a
partir do critério de verdade que afasta, que separa, que divide. A
religião, no contexto atual, deve ser pensada a partir do critério ético
geral do humano. Daí não podermos prescindir dos resultados da
Psicologia, da Pedagogia, da Filosofia, da Sociologia e da Ciência
Jurídica.
As diferenças são profundas
Do
ponto de vista religioso, budismo e cristianismo são, inegavelmente,
duas tradições mundiais, completamente diferentes. É impossível alguém
ser cristão e, ao mesmo tempo, budista, ou vice-versa. Seria misturar
fogo com água. São caminhos de espiritualidade radicalmente diferentes,
principalmente quando se tem em mente os paradigmas vigentes do
cristianismo.
Na sua essência, o cristianismo,
juntamente com o judaísmo e o islamismo, são classificados como
religiões reveladas: em que Deus fala aos homens. Uma religião revelada é
caracterizada pela livre comunicação salvadora que Deus faz de si mesmo
ao homem pecador, em Cristo, pela comunicação pessoal e, ao mesmo
tempo, comunitária (Igreja).
Já o budismo
situa-se no grupo das religiões classificadas como salvíficas. São
aquelas religiões portadoras dos meios de que o homem precisa para
salvar-se dos sofrimentos presentes e conseguir a felicidade. Neste
grupo encontram-se, além do budismo, o confucionismo, o taoísmo, o
hinduísmo. Estas religiões, como o fizeram Zaratustra, alguns filósofos
gregos e profetas judeus, que, espiritualizando e aprofundando o
pensamento, abriram caminho a uma religiosidade, ao mesmo tempo pessoal e
universal.
Seguindo a trilha da pesquisa junguiana
O
cristianismo, fiel à tradição do pensamento religioso ocidental,
considera o homem inteiramente dependente da graça de Deus ou da Igreja,
na sua qualidade de instrumento terreno exclusivo da obra da redenção
sancionado por Deus.
O homem é infinitamente
pequeno, um quase nada, enquanto a graça de Deus é tudo. E esta graça
vem de fora. Provém de uma outra fonte: Deus.
“O homem está sempre em falta diante de Deus”, como dizia Kierkegaard.
No
cristianismo, o homem procura conciliar os favores de Deus mediante o
temor, a penitência, as promessas, a submissão, a auto-humilhação, as
boas obras e os louvores.
Deus é um totaliter alter, o totalmente outro, absolutamente perfeito e exterior, a única realidade existente.
“Se
modificarmos um pouco a fórmula e em lugar de Deus colocarmos outra
grandeza, como, por exemplo, o mundo, o dinheiro, teremos o quadro
completo do homem ocidental zeloso, temente a Deus, piedoso, humilde,
empreendedor, cobiçoso, ávido de acumular apaixonada e rapidamente toda a
espécie de bens deste mundo tais como riqueza, saúde, conhecimentos,
domínio técnico, prosperidade pública, bem-estar, poder político,
conquistas etc. Quais são os grandes movimentos propulsores de nossa
época? Justamente as tentativas de nos apoderarmos do dinheiro ou dos
bens dos outros e de defendermos o que é nosso. A inteligência se ocupa
principalmente em inventar ’ismos’ adequados para ocultar seus
verdadeiros motivos ou para conquistar o maior número possível de
presas.”
O budismo, seguindo a tradição oriental,
sublinha o fato de que o homem é a única causa eficiente de sua própria
evolução superior. Ao contrário do cristianismo, acredita na
“auto-redenção”, ou seja, o homem é Buda e se salva por si próprio.
O
budismo se baseia na realidade psíquica enquanto condição única e
fundamental da existência. A psique é o elemento mais importante, é o
sopro que tudo penetra, ou seja, a natureza de Buda; é o espírito de
Buda, o Uno, o Dharma-kaya. Toda vida jorra da psique e todas as suas
diferentes formas de manifestação se reduzem a ela. É a condição
psicológica prévia e fundamental que impregna o homem em todas as fases
de seu ser, determinando todos os seus pensamentos, ações e sentimentos.
Apesar das diferenças, é imperativo o diálogo inter–religioso
Não
obstante a radicalidade das diferenças, budismo e cristianismo são dois
grandes caminhos de salvação que levam ao mesmo fim: a felicidade
eterna. São dois caminhos que, muitas vezes, cruzam-se e sempre podem se
enriquecer mutuamente.
Todos sabem que a relação
de fraternidade é o primeiro e mais profundo dos laços existentes entre
homens e mulheres, e que por isso a concórdia entre as religiões é
condição prévia para a paz entre as nações. E não há concórdia entre as
religiões se cada membro de uma religião trilha o seu próprio caminho de
forma obstinadamente dogmática, fundamentalista, afirmando que a sua
religião é a única verdadeira, que a fé que professa é superior às
outras.
Budismo e cristianismo, ainda, nas suas
diferenças e, consideradas em sua multidimensionalidade e
universalidade, carregam imensurável riqueza histórica, filosófica e
cultural. São parte e parcela da grande empresa coletiva de construção
da sociedade humana. Ambas têm tentado levar os povos, cada uma com seus
próprios métodos, a encontrar a distinção fundamentada entre verdadeiro
e falso, amor, compaixão e ódio, solidariedade e egoísmo, tolerância e
intolerância, moral e imoral, em todos os campos do pensar e do agir
humanos.
No limiar do terceiro milênio, quem
pratica uma religião com esta mentalidade, impregnada deste tipo de
sentimento de intolerância, são pessoas desinformadas em relação a
outros caminhos e sem compreensão, benevolência e amor para com os
outros. A capacidade de diálogo é possibilidade de paz.
O primeiro colóquio inter–religioso
Abrindo
perspectivas para o diálogo entre as grandes tradições religiosas, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) deu um importante passo, entre 8 e 10 de fevereiro de 1989,
quando realizou o que chamou de colóquio inter–religioso entre
hinduísmo, confucionismo, budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo e
religiões da África. O critério fundamental adotado foi o humanum — a
dignidade humana, os verdadeiros valores humanos como critério
universal, a interação dialética entre religião e humanidade, a
possibilidade do consenso inter–religioso.
Foram as seguintes as conclusões daquele significativo diálogo:
a)
A verdadeira humanidade é uma condição prévia da verdadeira religião.
Ou seja, o humanum (o respeito pela dignidade humana e pelos seus
valores fundamentais) é um requisito mínimo relativamente a qualquer
religião; no mínimo, deve existir humanidade (é um critério mínimo),
quando se pretende pôr em prática a verdadeira religião.
b)
A religião verdadeira é a perfeição da verdadeira humanidade. Ou seja: a
religião (enquanto expressão de um sentido transcendente, de valores
elevados, de uma vinculação incondicional) constitui a condição prévia
ideal para a realização do humanum: a religião (trata-se de um critério
máximo) tem justamente de estar presente, sempre que se pretender pôr em
prática os valores humanos como verdadeira forma de vinculação
universal absoluta.
Religião e paradigma
“Todo esforço é produtivo, quando metódico e continuado!”, canta o excelente Renato Russo.
A
presente exposição seguirá a perspectiva ontogenético-descritiva, com
uma abordagem tópico-temática, visando-se realizar uma rápida análise da
atual situação religiosa do budismo e do cristianismo, aplicando-se,
como o fez, eficazmente, o filósofo e teólogo Hans Küng, no domínio da
História das Religiões, a teoria dos paradigmas desenvolvida por Thomas
S. Kuhn, no campo das Ciências Naturais.
Na
definição de Thomas Kuhn, paradigma é uma “constelação de convicções,
valores e técnicas. Uma constelação universal, una,
consciente-inconsciente”.
Os paradigmas determinam a economia, o direito, a política, a ciência, a arte, a cultura, toda a sociedade.
No
caso da religião, por exemplo, o budismo primitivo da Índia, o
cristianismo medieval, o Budismo Mahayana e suas diversas escolas são
paradigmas.
Para tornar clara a distinção entre
paradigma e religião, eis alguns exemplos: uma pessoa, por exemplo, é
adepta do BudismoTibetano e converte-se ao Budismo de Nitiren Daishonin.
Neste caso, essa pessoa mudou de paradigma, não de religião. Outra, era
católica e converteu-se à Igreja Evangélica Luterana, também não mudou
de religião, apenas de paradigma. Outra, ainda, era membro da Igreja
Presbiteriana e converteu-se ao Budismo de Nitiren Daishonin. Neste
caso, mudou de religião.
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