Aquivo Café com Prosa | História e Contra-História | Carlos Guilherme Mota

A Historiografia Revisitada
  “História e Contra-História – Perfis e Contrapontos”, de Carlos Guilherme Mota, reúne ensaios, artigos e entrevistas que ajudam a contar os caminhos percorridos pela crítica historiográfica no Brasil

Em junho de 1973, o renomado historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda publicava no Suplemento Literário do jornal O Estado de S.Paulo um artigo no qual atacava ferozmente um jovem historiador da Universidade de São Paulo (USP) por sua revisão historiográfica do período da independência, publicada pouco antes na forma do texto “1822: dimensões”. Para muitos, aquela crítica poderia ser o ponto final em qualquer carreira acadêmica promissora. Mas naquele caso não foi. Carlos Guilherme Mota, o autor do artigo revisionista, não só publicou um artigo resposta a Sérgio Buarque como se transformou hoje em um dos maiores historiadores brasileiros. A história desse artigo-réplica e a leitura do próprio artigo são apenas duas das atrações do livro “História e Contra-História – Perfis e contrapontos”, recém-publicado pela Editora Globo.

“História e Contra-História” é o segundo volume das obras reunidas de Carlos Guilherme Motta (previstas para quatro volumes) que a Editora Globo está lançando. O livro traz textos de difícil acesso, publicados entre 1973 e 2007, nos mais variados meios e formatos, dentre os quais artigos e entrevistas em livros, revistas, conferências, capítulos de livros, pesquisas e ensaios. Os textos foram selecionados pelo próprio autor, com colaboração de Ronald Polito e por Candido Malta Campos. Além disso, a orelha do livro traz um breve texto do já saudoso historiador e professor Manoel Luiz Salgado Guimarães, professor da UFRJ,da UERJ e ex-presidente da ANPUH Nacional, recém-falecido no Rio de Janeiro.

Carlos Guilherme Mota é talvez o maior nome de sua geração de historiadores. Graduou-se em história pela USP, da qual é professor titular aposentado de história contemporânea. Leciona atualmente na Universidade Mackenzie e na Fundação Getúlio Vargas, possuindo mestrado, doutorado e pós-doutorado nas áreas de história moderna e contemporânea. Em “História e Contra-História”, é possível ver uma boa parte dessa trajetória acadêmica, como o episódio polêmico envolvendo Mota e Sérgio Buarque, mais tarde entendido como uma espécie de revisão crítica das ideologias historiográficas. Aliás, esse é o mote do livro. Mota faz uma decupagem das idéias e obras dos chamados “intérpretes do Brasil”, nomes como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire. O livro é dividido em duas partes: na primeira, chamada “Contrapontos: interpretações do Brasil”, o autor revisita os clássicos que pretensamente explicariam a “civilização brasileira”, bem os termos consagrados por esses clássicos, tais como o “homem cordial” (Holanda) ou a “democracia racial” (Freire). Para Mota, essas leituras da formação do Brasil são extremamente problemáticas. Ainda segundo o autor, não é possível falar do Brasil dessa forma genérica, a partir uma “cultura brasileira”, sobretudo dentro deste escopo ideológico e monolítico de “sociedade harmônico” já há muito tempo superado. Para Mota, é preciso repensar não só essa via explicadora do Brasil como também o próprio conceito de cultura. Segundo Mota, no livro, romper com este aspecto totalizante dos pais explicadores do Brasil foi, na época de sua entrada na USP, como a “ruptura de um silencioso pacto historiográfico”.

Já na segunda parte do livro, intitulada “Encontros: conversações e perfis”, há uma reunião de coletâneas de breves notas sobre alguns intelectuais que o autor considera exemplares, que nunca teriam se deixar categorizar ideologicamente. São eles: Antônio Cândido, Charles Boxer, Fernand Braudel, Florestan Fernandes e muitos outros. No fundo, tanto nessa quanto na primeira parte, fica evidenciada não só o caminho de um historiador dentro de seu campo, mas também do próprio caminho trilhado pela Universidade de São Paulo, ponto de convergência de vários desses intelectuais e suas causas no último século. Um dos capítulos mais interessantes desta segunda parte do livro é a entrevista de Mota com José Honório Rodrigues e J.R. do Amaral Lapa, uma verdadeira rodada de livre discussão sobre o trabalho de revisão da história do Brasil.

“História e Contra-História” como o próprio nome sugere lembra aos seus leitores que a história é um campo de disputa simbólico em constante transformação, onde idéias e paradigmas se alternam na tentativa de explicar a realidade. É um lembrete ainda da importância da crítica historiográfica e filosófica da intelectualidade brasileira, campo que parece mais uma vez, no momento em que vivemos, carecer de representantes prontos a romper coma bolha acadêmica e colocar à prova os emaranhados teóricos produzidos pela inteligência do campo histórico. Nesse sentido, ficamos com as palavras de Manoel Luiz Salgado Guimarães: “o livro contribui não só para o balanço de uma geração – aquela da qual se ocupa Carlos Guilherme –, mas também para o de sua própria geração igualmente empenhada em explicar o Brasil e seus dilemas. Com este livro afirma-se o melhor de nossa tradição como recriação incessante do legado herdado”.

Por Bruno Leal

Páginas: 405

Editora: Globo

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