Budismo esotérico e exotérico

Primeiro vamos verificar o significado literal dos termos esotérico e exotérico. Conforme o dicionário Aurélio:
Esotérico: 1) Diz-se do ensinamento que, em escolas filosóficas da Antiguidade grega, era reservado aos discípulos completamente instruídos. 2) Todo ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. 3) Compreensível apenas por poucos; obscuro, hermético.
Exotérico: 1) Diz-se de ensinamento que, em escolas da Antiguidade grega, era transmitido ao público sem restrição, dado o interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia ser exposto, por se tratar de ensinamento dialético, provável e verossímil.
Veremos cada um desses ensinos segundo a filosofia budista.
Os ensinos exotéricos (kenkyo, em japonês) correspondem aos que eram revelados explicitamente. A seita Shingon divide o budismo em ensinos exotéricos e esotéricos. Ela define o Budismo de Sakyamuni como exotéricos, por ser exposto de acordo com a capacidade das pessoas, e os ensinos do Buda Dainiti1 como esotéricos.
Os ensinos esotéricos (mikkyo, em japonês) correspondem aos que eram revelados secretamente e estavam além da compreensão das pessoas comuns. São o oposto dos ensinos exotéricos. De acordo com a seita Shingon, os ensinos esotéricos são aqueles que foram pregados pelo Buda Dainiti (Mahavairochana, em sânscrito) a Kongosatta (Vajrasattva), que os compilou e os selou numa torre de ferro no sul da Índia, onde foram, mais tarde, transferidos a Nagarjuna por Kongosatta. Afirma-se que a transmissão desses ensinos tenha, então, passado de Nagarjuna para Nagabodhi, Vajrabodhi e Amoghavajra. O budismo esotérico é uma forma de tantrismo que incorpora elementos de magia e rituais nativos tais como gestos simbólicos (mudras), encantamentos (mantras) e sílabas místicas (dharanis), bem como diagramas (mandalas) e a adoração de numerosas divindades. Os ensinos esotéricos atribuídos ao Buda Dainiti (tais como o Sutra Dainiti) são chamados “esoterismo puro”, enquanto os ensinos que apresentam ritos e fórmulas similares não relacionados com o Buda Dainiti são denominados “esoterismos diversos“. O esoterismo puro foi introduzido na China por Shubhakarasimha, Vajrabodhi e Amoghavajra.
No Japão, há duas grandes ramificações de budismo esotérico:
1) A seita Shingon, fundada por Kobo (774–835), que estudou com Hui-kuo, discípulo de Amoghavajra, na China. Sua sede era o templo Toji (templo do Leste) sendo, portanto, conhecida também como esoterismo do leste (Tomitsu, em japonês). De acordo com essa seita, os ensinos esotéricos são a mente, a boca e o corpo místicos (também conhecidos como três mistérios ou três segredos) do Buda Dainiti. Acreditava-se que Dainiti estivesse em todos os lugares do universo, expondo constantemente a Lei para seu próprio prazer, mas os mortais comuns não conseguiam entender seus ensinos a menos que fossem iniciados nos três mistérios. Portanto, seus ensinos são chamados esotéricos. Mas Buda Sakyamuni, que surgiu como ser humano, expôs seus ensinos conforme a capacidade das pessoas. A seita Shingon define que, como esses ensinos foram expostos explicitamente dentro do alcance da compreensão das pessoas, devem ser denominados exotéricos e são inferiores aos ensinos do Buda Dainiti.
2) O esoterismo Tendai (Taimitsu), ou ensinos esotéricos mantidos pela seita Tendai. Jikaku (794–866), o terceiro sacerdote-chefe da seita Tendai, estudou os ensinos esotéricos na China T’ang e os incorporou na doutrina Tendai quando retornou para o Japão. Divergindo da seita Shingon de Kobo, o esoterismo Tendai defende que Sakyamuni e Dainiti são dois aspectos do mesmo buda. Essa escola considera os três veículos como ensinos exotéricos e o veículo único, como ensino esotérico. Porém, pelo fato de não mencionarem mudras e mantras, que constituem a forma concreta da prática esotérica, são chamados ensinos esotéricos em teoria, ao passo que os sutras Dainiti e Kongotyo são chamados ensinos esotéricos tanto na teoria como na prática. Por essa razão, o esoterismo Tendai assevera que, embora o Sutra de Lótus e o Sutra Dainiti sejam iguais teoricamente, o Sutra Dainiti é superior em termos de prática.
Na escritura “Carta de Sado”, Nitiren Daishonin escreveu: “No tempo em que as pessoas confudem os ensinos Hinayana e o Mahayana, os ensinos provisório e o verdadeiro, ou as doutrinas exotéricas e esotéricas, como se fossem incapazes de distinguir as gemas das pedras ou o leite da vaca do leite da mula, deve-se distinguir esses ensinamentos seguindo o exemplo dos grandes mestre Tient’ai e Dengyo.” (The Writings of Nichiren Daishonin, pág. 302.)
Numa outra escritura, o Buda Original comenta: “Com a chegada de mais escrituras budistas à China, tornou-se evidente que algumas eram superiores em conteúdo ou mais profundas que as outras. Elas pertenciam a diferentes categorias, com o Hinayana e Mahayana, exotérica e esotérica, provisória e verdadeira. Exemplificando, todas as pedras são invariavelmente inferiores ao ouro, mas o próprio ouro pode ser classificado em várias categorias. Nenhum ouro encontrado no mundo humano pode se comparar ao ouro extraído do rio Jambu. Por sua vez, o ouro de Jambu vale bem menos que o ouro guardado no Céu Brahma. Semelhantemente, todos os sutras budistas são como ouro, mas alguns são mais elevados e profundos que os outros.” (Ibidem, pág. 612.)
Conforme essas palavras de Nitiren Daishonin, apesar de existir uma enorme quantidade de ensinos, o Sutra de Lótus do Nam-myho-rengue-kyo é superior a todos, pois é o único capaz de conduzir as pessoas para a felicidade absoluta.

Nota:
1) Dainiti Nyorai (Mahavairochana, em sânscrito): O Buda adorado no ensino esotérico. Freqüentemente citado como Dainiti Nyorai (Tathagata Mahavairochana). Esse Buda é mencionado nos sutras Dainiti e Kongotyo. O Sutra Dainiti é uma tradução chinesa feita em 725 por Shubhakarasimha, da dinastia T’ang, com o auxilio de I-hsing. Juntamente com outros sutras Kongotyo e Soshitsuji, é uma das três escrituras básicas do budismo esotérico. O Buda Dainiti é considerado um buda no corpo Dharma ou propriedade da Lei (hosshin, em japonês e dharma-kaya, em sânscrito), aspecto que personifica a verdade imutável de todos os fenômenos, e é a fonte da qual todos os outros budas e bodhisattvas se originaram. Os ensinos esotéricos defendem que Dainiti sempre se encontra expondo a Lei no universo, e que o mortal comum pode fundir sua vida com a desse buda com a prática dos três mistérios. (Os três mistérios são também chamados três segredos. De acordo com o ensino da Shingon, uma vez que o Buda Dainiti é considerado como onipresente, todos os seres são o corpo místico do Buda, todos os sons são a boca mística [voz] do Buda e todos os pensamentos são a mente mística do Buda. Contudo, o corpo, a boca e a mente do Buda são inimaginavelmente profundos e estão além da compreensão do mortal comum. Portanto, são chamados “mistérios”. Além disso, o corpo, a boca e a mente dos mortais comuns não são, essencialmente, diferentes dos do Buda, embora sua natureza de Buda esteja encoberta pela ilusão. Nesse sentido, o corpo, a boca e a mente do mortal comum, em seu aspecto essencial, são também denominados três mistérios. Em termos de prática, o ensino esotérico define o corpo místico como a realização de mudras com as mãos, a boca mística com a articulação de mantras (palavras místicas), e a mente mística como a meditação sobre um mandala esotérico ou uma das figuras que aparecem nela. Por meio dessas três práticas, afirma-se que o corpo, a boca e a mente do mortal comum tornam-se unos com os do Buda Dainiti, capacitando-o a atingir o estado de Buda na forma presente.) Dainiti possui dois aspectos: o Dainiti do Mundo Ventre, que representa a verdade fundamental do universo, e o Dainiti do Mundo Diamante, que representa a sabedoria. Os dois são, fundamentalmente, unos. As formas de esoterismo da Tendai e da Shingon diferem em sua interpretações sobre Dainiti. A primeira afirma que Dainiti é o aspecto da propriedade da Lei, e Sakyamuni, o aspecto da propriedade da ação do mesmo Buda, enquanto que a segunda sustenta que os dois budas são totalmente distintos.

Fonte:
TERCEIRA CIVILIZAÇÃO, EDIÇÃO Nº 392, PÁG. 10, ABRIL DE 2001.

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