Notas Sobre a Crise Econômica nos EUA e na Europa: dos pacotes bilionários aos planos de ajuste

por Iuri Tonelo



O pacote norte-americano
Em meio à ofensiva da direita nos EUA, especialmente a partir da influência dos republicanos -em especial também do Tea Party, no último processo eleitoral[1] -, o banco central norte-americano (FED) acaba de lançar um pacote bilionário para ajudar, segundo o próprio banco, a “promover um ritmo mais forte da economia”. Serão mais de R$600 bilhões para novamente buscar fôlego para a crise capitalista incontornável. É (de certa forma) um segundo grande plano da política econômica norte-americana, marcando uma retomada da política da ação intensiva do Estado para “limpar” os títulos podres da economia, buscar liquidez e desenvolvimento progressivo e salvaguardar de uma recessão generalizada; entretanto, não se trata apenas de salvar um ou outro setor da economia financeira, mas de um plano estruturado pelo imperialismo para responder de maneira conservadora a um momento de um início de uma crise social. A “tragédia” da crise de 2008, em seu primeiro capítulo – quando o Estado buscou de todas as formas salvar os bancos capitalistas desde o Lehman Brothers -, agora já se manifesta como “farsa”, expressa especialmente pela própria intelectualidade burguesa, que já vê com descrença estas medidas.
A grande contradição de plano, em se tratando do modo de produção capitalista em sua escala global, é que as manobras do principal imperialismo mundial parecem estar se esgotando: uma vez que a redução da taxa de juros chega a um dos seus menores patamares históricos (não sendo possível objetivamente reduzir mais), a política econômica da burguesia americana foi de relançar no mercado um montante interminável de dólares; entretanto, como sabemos, além das contradições sociais vigentes no EUA que mostram seu acento cada vez mais estrutural (como o desemprego de 9,6%), a jorrada de moeda no mercado levará a uma desvalorização importante do dólar e, por conseguinte, a volta do espectro da inflação[2].
O fato é que esta é uma medida a ser realizada nos EUA e, aparentemente, somente lá: do ponto de vista interno, o imperialismo norte-americano talvez seja uma das poucas potências hoje, especialmente pela força mundial do dólar, que pode emitir moeda assumindo as conseqüências econômicas e políticas da guerra cambial[3]; isso porque as implicações da grande potência global desvalorizando sua moeda, no mercado mundial, são de valorização geral das outras moedas e da dificuldade extremada das outras economias para a competição e, especialmente, para a manutenção econômica da suas indústrias (produção) no que tange às exportações. Outra possibilidade latente é de, com o grande volume de moeda nos EUA, os capitalistas (com negócios financeiros nos EUA) buscarem outros mercados financeiros, o que pode levar a uma enxurrada de dólares numa forte busca por mercados externos emergentes – e que levaria a possibilidade de gerar novas bolhas creditícias (através da imensidão de títulos potencialmente “podres”) nesses países, uma vez que o forte inchaço no mercado financeiro não seria acompanhado de um desenvolvimento progressivo da esfera produtiva.
Ou seja, as medidas nos EUA, de um ponto de vista do capitalismo global, são um espectro de guerras comerciais profundas e, nesse sentido, o aumento de conflitos interestatais, com possibilidades da degeneração econômico-política através de guerras, em meio à crises. Não é por acaso que em 29/09 a câmara de representantes dos EUA já começou a preparar para a crise aprovando um projeto de lei que lhes fornece bases jurídicas para aprofundar a pressão política na China para que valorize sua moeda[4].
Nesse sentido, o pacote dos EUA corresponde a duas necessidades imperiosas do imperialismo norte-americano: por um lado, aprofundar a guerra comercial em escala internacional, exportando, dentro de suas possibilidades, a crise interna do seu próprio país. Por outro lado, expressa a faceta comprovada do governo Obama em continuar salvando os bancos capitalistas em meio à crise social nos EUA, que teve seu protesto popular marcado na votação nos republicanos na última eleição, não por concordarem com seu programa, mas para (da forma ainda muito primitiva politicamente) contestarem à política econômica conservadora que o governo vem realizando. O perigo dessa questão é que, por a classe trabalhadora norte-americana ainda não estar organizada e expressar elementos profundos ainda de crise de subjetividade, as saídas que começam a serem apontadas estão tendendo profundamente à direita, como o discurso de contenção de gastos, a xenofobia, a incitação à guerra etc, concentrados essencialmente na fração republicana do Tea Party[5].
Europa: os “planos de ajustes”
O outro lado da moeda, neste caso, está na Europa. Isso porque o que vemos no desenvolvimento desigual da crise econômica é o aprofundamento do terceiro capítulo da crise, com a preparação e realização de um dos mais brutais ataques à classe trabalhadora em anos.
São diversos os países em que a burguesia se arma politicamente para implementar suas medidas pró-capitalistas. A revista The Economist, em sua última edição, apresentava com clareza seu posicionamento sobre o tema comparando a política econômica da Espanha e de Portugal: “Os toureiros espanhóis matam o touro no ringue; os toureiros portugueses os abatem depois da luta[6], em alusão a capacidade de Jose Luís Rodriguez Zapatero, primeiro ministro da Espanha, de aprovar as medidas pró-capitalistas de ataques aos trabalhadores e ao corte de gastos. The Economist continua:
“Agora, o Sr. Sócrates [atual primeiro ministro de Portugal] foi forçado a aceitar seu engano com um novo pacote de austeridade ao menos tão ríspido como o de Espanha (…) [tal pacote é descrito] como ‘brutal’ pelos sindicatos, que convocaram uma jornada de ação de um dia em novembro; a lei cortará o salário do setor público em 5%, incrementar o VAT[7] novamente, congelará as pensões e amputará os benefícios do estado de bem-estar”
Ou seja, os capitalistas não hesitam em expressar claramente a linha política geral: exterminar os direitos dos trabalhadores, acabando com o funcionalismo público, atacando salários (no caso de Portugal diminuindo absurdamente em 5% o salário no funcionalismo público), pensões, benefícios públicos etc, tudo em nome do “crescimento econômico”.
Na Inglaterra, no último dia 20 de outubro anunciou-se um pacote avassalador de ataque aos trabalhadores. George Osborne – ministro da Fazenda inglês – disse que até 2015 as demissões no setor público devem chegar a 490 mil trabalhadores (no setor privado não ficaria muito diferente, com centenas de milhares de demitidos). Para se ter uma idéia, no The Guardian se relatou que “Alan Johnson [que não é nenhum comunista], o chanceler das sombras, atacou [o que considerou] ‘os cortes mais profundos nos gastos públicos na memória recente’, o que advertiu poderia terminar ‘sufocando’ a recuperação econômica[8].
Na Rússia, o primeiro-ministro Vladimir Putin, buscando mostrar a “firmeza” burguesa necessária nesse momento de crise econômica do capital, tomará cargo de assinar os papéis necessários a outro aprofundamento capitalista gritante em seu país, uma vez da aprovação do maior plano de privatizações desde a década de 1990 (ou seja, desde um dos auges do avanço do neoliberalismo); trata-se de um plano que envolve cerca de 60 bilhões de dólares, privatizando setores estratégicos da economia russa, incluindo ai grupos petroleiros, bancos, etc.
Ou seja, na Europa, o que vemos é uma expressão distinta (no mesmo sentido de salvar os capitalistas) ao que colocamos sobre a economia dos EUA. Uma vez que, depois de passada a primeira fase da crise econômica, os Estados europeus apresentam déficits exorbitantes, relações dívida pública e PIB que passam de 100%, o que vemos é que as manobras para salvar os capitalistas Europeus parecem estar se esgotando[9].
As mãos invisíveis do mercado e as luvas furadas do Estado
Nesse sentido, sobra apenas a combinação nefasta da burguesia européia em atrelar os ataques aos trabalhadores do funcionalismo público – para “enxugar” os gastos dos Estados em dívidas estruturais, por um lado, e também (o que pode ser uma possível tendência geral) a privatização de setores estratégicos da economia. Esta medida é ainda mais contraditória, uma vez que, com a crise dos Estados, a privatização generalizada parece ser o fim das bases de qualquer manobra, pois a irrupção de uma nova bolha em qualquer esfera importante da economia destes países poderia significar uma faísca num mundo de pólvora, um descontrole em meio ao caos da economia de mercado sem possibilidades de reação capitalista, a não ser sob medidas repressivas e conformação de regimes de repressão.
Em meio ao esfacelamento das manobras dos Estados europeus e o irracionalismo privatizante, apostando na anarquia como saída para uma das crises mais profundas do último período, o pacote bilionário dos EUA é expressão de que uma saída coordenada das burguesias internacionais, como queriam em 2008, não é mais possível. O acirramento dos conflitos interestatais se vislumbra e o imperialismo norte-americano demonstra que não refletirá muito mais na sua tendência em auxiliar as economias já quebradas a afundarem de vez, por mais contraditório que isso pareça ser para o capitalismo global.
França: um espectro ronda a Europa
Nesse cenário econômico que vão dos pacotes aos planos de ajuste, encontramos na França um cenário político que concentra tanto o avanço dos capitalistas, quanto o que há de mais avançado na resposta dos trabalhadores: em um dos países que também receberam ataques importantes – a partir de, entre outras coisas, a reformulação da idade da aposentadoria parcial de 60 para 62 anos, e da total de 65 para 67 anos – os trabalhadores e a juventude começaram a apontar para o caminho a ser seguido.
Em fortes mobilizações, os trabalhadores ocuparam setores importantes da economia francesa, como transporte, refinarias de petróleo, portos etc., num amplo movimento de greve que mobilizou milhões de franceses, para protestar contra esses planos de ajuste. A juventude também se destacou em aliança com os trabalhadores, apoiando as lutas e construindo as greves e ocupações, mostrando o caminho a ser seguido. O papel de centrais sindicais burocráticas como CGT e CFDT, com seus dirigentes Bernard Thibault e François Cherèque, como os principais fatores de contenção das massas no regime, por um lado, e dos partidos de esquerda como o NPA que não levantam um programa e uma prática política conseqüentes – não tendo por norte diferencial de orientação a luta pela greve geral a nível nacional até que se imponha a retirada completa da reforma previdenciária – por outro, contribuíram para que os ataques de Sarkozy passassem. Mas os trabalhadores começam a fazer experiência com a burocracia e criar seus espaços de auto-organização e democracia operária, o que é fundamental para as próximas mobilizações.
O exemplo dos franceses, da greve massiva, da aliança operário-estudantil e dos primeiros passos na superação das burocracias na busca por programas realmente capazes de responderem (por seu conteúdo estratégico) os profundos ataques que o movimento operário em escala internacional vem sofrendo, deve ser o orientador para os balanços e as perspectivas que o movimento operário internacional deve se colocar.

[1] Ver artigo Celeste Murillo, Derrota de Obama en las legislativas, em http://www.ler-qi.org/spip.php?article2638
[2] – Outra manobra do imperialismo norte-americano que perde sua força histórica dadas as contradições da insolvência é o sobre-consumismo dos EUA. Como pontua Juan Chingo: “o papel dos EUA como consumidor em última instância está acabado. Hoje em dia, o famoso sobre-consumo norte-americano, que durante os últimos trinta anos dava conta de mais de 70% do crescimento dos EUA, está travado pela insolvência, muito mais ainda para todos os estadunidenses que não tem trabalho”, ver artigo completo em http://revistaiskra.wordpress.com/crise-economica-na-grecia/o-perigo-do-protecionismo-ronda-sobre-a-economia-mundial/
[3] – É claro que não é apenas os EUA que implementa uma política de desvalorização da moeda, vide a própria China. Entretanto, isso vem dá principal economia mundial e na verdade não se trata de manter a moeda desvalorizada, mas um giro importante na política monetária, que entre o imperialismo tem sua expressão mais concentrada e propícia agora nos EUA com esse pacote bilionário e incomparável a políticas de outros imperialismo como Alemanha e Japão.
[4] – Embora ainda tenha que passar pelo senado e pelo visto de Obama, ver tópico “Jogando pesado: as ameaças do Congresso norte-americano e de alguns periodistas oficiosos” em http://revistaiskra.wordpress.com/crise-economica-na-grecia/o-perigo-do-protecionismo-ronda-sobre-a-economia-mundial/
[5] Como pontuou bem Celeste Murillo, “Em um panorama econômico incerto para as maiorias operárias e populares enormemente endividadas, os setores mais reacionários da direita republicana começaram a reviver os piores fantasmas, apontaram contra o gasto social como responsável do déficit e culparam pelo desemprego o setor mais golpeado da classe trabalhadora: os e as imigrantes sem registro. Assim alimentaram o coquetel conservador que hoje se expressa no Tea Party, que terminou sendo um dos principais atores das últimas eleições”, ver em http://www.ler-qi.org/spip.php?article2638
[6] – Ver, The Economist, edição impressa de 29 de outrubro.
[7] – Value Added Tax, na tradução, imposto sobre valor agregado.
[8]- Ver edição eletrônica do texto: Spending review 2010: George Osborne announces extra £7bn of welfare cuts. http://www.guardian.co.uk
[9]- Países como China e Brasil se vangloriam das reservas que conseguem manter em cima das duríssimas taxas de exploração de seus trabalhadores; entretanto, apesar de volumosas, não parecem estarem vinculadas a um complexo industrial significativo que possa sustentar a economia num momento de crise. A enxurrada de dólares em uma economia de uma país dependente ou semi-colonial surte efeitos seguramente diferentes do mesmo processo nos países imperialistas, e é bem provável que China e Brasil apreciem essa demonstração da realidade na prática.

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