Mulheres governarão 38% do eleitorado chileno a partir desta semana

 Farinelli | Santiago

Mulheres governarão 38% do eleitorado chileno a partir desta semana

Liderança feminina saiu fortalecida das eleições municipais do país, realizadas em outubro
 
 

Victor Farinelli/Opera Mundi

Carolina Tohá (de vermelho) e Claudia Pascual estão entre as principais lideranças femininas de Santiago


A partir desta segunda-feira (10/12), as mulheres passarão a governar municípios com mais de um terço dos eleitores chilenos. Apesar do número de prefeituras em questão ainda ser apenas um quarto do total, a liderança feminina foi considerada, ao lado da oposição ao presidente Sebastián Piñera, a principal vencedora das eleições municipais do país, chegando ao poder em algumas das comunas mais populosas.

As mulheres triunfaram nas duas batalhas consideradas as mais simbólicas do ano em outubro. Na capital Santiago, a esquerda recuperou a prefeitura depois de 12 anos através da socialista Carolina Tohá, ex-ministra porta-voz do governo de Michelle Bachelet (2006-2010) e filha de José Tohá, vice-presidente do governo de Salvador Allende (1970-1973), assassinado durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Em Providencia, comuna de classe alta na zona norte da Região Metropolitana da capital, os eleitores não deram o sexto mandato consecutivo para Cristián Labbé (não há limite de reeleições para prefeitos no Chile), ex-guarda-costas de Pinochet, e elegeram a conselheira municipal Josefa Errázuriz (sem partido).

Segundo os resultados oficiais divulgados pelo Servel (Serviço Nacional Eleitoral do Chile), o novo cenário municipal chileno indica que as mulheres passam a governar 23% das prefeituras do país, um aumento significativo em comparação aos 15% que possuíam antes do pleito. Considerando a “densidade demográfica eleitoral”, as mulheres prefeitas agora governam 38% dos eleitores do país – é a primeira vez que elas apresentam mais de um terço nesta estatística.

Esse aumento não se explica somente pelas vitórias nos principais colégios eleitorais, mas também porque as mulheres que defendiam seus mandatos tiveram mais sucesso, já que 81% das prefeitas que tentaram a reeleição conseguiram revalidar o cargo, frente 67% dos homens.

“Sobra qualidade, falta quantidade”

A porcentagem de participação feminina também cresceu nas eleições para os conselhos municipais (correspondente ao poder legislativo municipal). Com a posse das novas conselheiras, as mulheres passam ocupar 41% das vagas em todo o país – antes da eleição, essa cifra era de 36%. Em Santiago, por exemplo, as mulheres obtiveram quatro das dez cadeiras disponíveis, sendo que três delas estiveram entre as cinco maiores votações.

A conselheira mais votada da capital foi a antropóloga Claudia Pascual, do Partido Comunista, que recebeu a reportagem do Opera Mundi para comentar o crescimento da representação política feminina no âmbito municipal.

Segundo ela, os resultados deste ano e o aumento da elegibilidade das mulheres são positivos, mas não refletem as dificuldades impostas às lideranças femininas dentro dos partidos e dos movimentos sociais. “As mulheres estão se impondo por sua qualidade, mas falta quantidade. Alguns partidos, por exemplo, não chegam a ter de 25% de mulheres em suas listas para o legislativo”, explica.

As lideranças femininas têm conseguido se impor no Chile não apenas em termos de cargos públicos. Recentemente, a CUT (Central Unitária dos Trabalhadores do Chile) passou a ser dirigida pela professora Bárbara Figueroa, e também no Movimento Estudantil, as lideranças femininas têm tido maior destaque que as masculinas, tanto entre os secundaristas (com Eloisa González) quanto entre os universitários (com Camila Vallejo).

Para Pascual, o fortalecimento dos movimentos sociais mostra um anseio dos chilenos por transformações profundas na política, o que tem favorecido o surgimento de novas líderes mulheres. Ela acredita que as figuras femininas que surgiram recentemente, como Camila Vallejo, “representam esse Chile mais amplo, mas não somente por elas serem mulheres, mas principalmente pela capacidade delas de interpretarem o que a cidadania está pedindo, enquanto a política tradicional se distancia cada vez mais desse objetivo”.

A antropóloga também considerou positivo que o aumento da representação signifique também uma maior diversidade de lideranças femininas na política chilena. “Há várias formas de ser mulher, e a política não deve reproduzir só a mulher rígida de direita ou a mulher sensível de esquerda. Ambos os lados possuem variedade suficiente para evitar os estereótipos”.

A volta de Bachelet

O bom resultado a favor das mulheres nas eleições municipais reforçaram também o anseio da oposição chilena em reunir forças em torno de uma possível candidatura da ex-presidente Michelle Bachelet para recuperar o governo nacional em 2013.

A cerimônia de posse de Carolina Tohá como prefeita de Santiago, realizada nesta quinta-feira (06/12), contou com a presença de todos os presidentes de partido da Concertação (principal coalizão opositora do país, de centro-esquerda), além do presidente do Partido Comunista, de dois ex-presidentes chilenos (Ricardo Lagos Escobar e Patricio Aylwin) e de Angela Jeria, mãe de Bachelet. Tohá foi porta-voz do governo de Bachelet (2006-2010) e é considerada uma das pessoas mais próximas à ex-presidente, hoje secretária-geral da agência ONU Mulher.

Para Claudia Pascual, o retorno de Bachelet à política chilena é algo esperado transversalmente no país, mas alerta para a necessidade que ela se adapte aos anseios de mudança que impulsionaram os movimentos sociais e colocaram em cheque o atual governo de Piñera, sem tanta força como nos anos anteriores.

“Bachelet é a única candidata com um eleitorado cativo importante, mas precisará dar respostas ao movimento estudantil, aos movimentos regionalistas e ao anseio por uma reforma do sistema político, conflitos que ela não precisou enfrentar quando foi presidente e que agora são os que pautam a política do país”, analisou a antropóloga.

Em entrevista coletiva oferecida após assumir o cargo, Tohá evitou as perguntas a respeito do retorno de Bachelet, mas afirmou que sua vitória significava “o retorno de um estilo de fazer política mais próximo da cidadania, que tem nela o seu principal expoente aqui no Chile e deixou saudades em todo o país”.

A prefeita também enfatizou que o crescimento das mulheres não reflete um panorama de equidade de gênero na política chilena. “Precisamos estabelecer cotas para mulheres em cargos públicos para obrigar os partidos a abrir as portas para as lideranças femininas, e não que mantenham um pequeno grupo de candidatas para dar uma falsa impressão de diversidade.”

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