Artistas húngaros usam humor para atacar estereótipos e teses nacionalistas

Roberto Almeida | Budapeste

Artistas húngaros usam humor para atacar estereótipos e teses nacionalistas

Exposição em Budapeste mostra a cena contemporânea húngara, com humor ácido e releituras agressivas

“O que é ser húngaro?”, pergunta Mücsarnok, o museu de arte de Budapeste, esperando respostas de 52 artistas contemporâneos. O resultado, em meio à onda nacionalista e pessimista que domina o país, foi uma releitura agressiva e irônica dos símbolos de um passado de ascensão política e derrotas militares, e um ataque aos estereótipos que sustentam uma Hungria em crise.

Para o artista plástico Erik Mátrai, o Turul, pássaro mítico e personagem central na lenda da origem do povo húngaro, merece ser caracterizado como uma câmera de circuito fechado. András Király preferiu por sobre um espelho linhas de páprika, ingrediente principal da cozinha húngara, em clara associação com a cocaína, ao lado de um copo de pálinka, o destilado nacional.

Roberto Almeida/Opera Mundi

“Esses trabalhos refletem os estereótipos de brotam mais e mais vezes em conexão com o caráter da nacionalidade húngara”, disse ao Opera Mundi o curador da exposição, Gábor Gulyas. “Na maioria das vezes esses clichês são usados de maneira afetada, então a abordagem irônica e engraçada de Erik Mátrai e seu Turul ou a páprika-pálinka de András Király são bastante renovadoras. São artistas jovens com uma dose saudável de insolência.”
Gulyas lamenta que a crise econômica europeia tenha reduzido bastante a produção de artistas húngaros. “Não está nada fácil”, afirmou. Ao mesmo tempo, ele comemora a repercussão sobre as obras e o interesse que elas despertaram. O tema, complexo e delicado, gerou uma chuva de elogios e protestos.

Roberto Almeida/Opera Mundi
“Muito se escreveu, e mais ainda se falou da exposição. Fomos bastante celebrados, mas também fomos muito criticados: aparentemente, para uma parte do público húngaro, a exposição foi controversa. Algumas pessoas acharam que ela era, de modo geral, muito pessimista, outros viram algo cosmopolita, e ainda consideraram sua mensagem nacionalista”, observou.

Fotografias, esculturas, projeções ou instalações, o mergulho na cultura húngara é surpreendente pela densidade de informações e pelo humor ácido. “A identidade nacional sempre foi um assunto bastante recorrente na cultura húngara por centenas de anos, especialmente na literatura”, explicou Gulyas.

Ele continuou: “Duas décadas atrás, com o colapso do comunismo, a Hungria tornou-se um país democrático novamente. Em seguida entramos na União Europeia, então agora estamos de novo em uma situação histórica em que lidar com a nossa identidade nacional é um problema importante para parte considerável da população.”

Átila, o huno, é revisitado, assim como personagens da história recente, como Janos Kádár, que comandou o país de 1956 a 1988, durante o período comunista, e Bela Biszku, ministro do Interior no mesmo período. As mazelas da transição para a economia de mercado também são retratadas, com a continuidade da pobreza e o aumento da desigualdade no país.

Uma das obras, de Pál Gerber, mostra dois painéis. A primeira diz “triste e cansado” (szomorú es farádt). A segunda, “pobre e decepcionado” (szegény es csalódott). Na bancada, um fino pó branco avisa: “Para trás todo o pessimismo” (tavozzon mindnen pesszimizmus). Como se bastasse soprar para jogá-lo de escanteio.

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