A origem da vida


Diálogo

A origem da vida
Edição 2159 - Publicado em 08/Dezembro/2012 - Página A3

Faz 40 anos que Daisaku Ikeda e Arnold Toynbee uniram o pensamento oriental e ocidental num diálogo rico e que ultrapassa décadas. O BS publica trechos desse diálogo



DAISAKU IKEDA: Sobre a origem da vida, os cientistas modernos parecem apoiar o conceito da abiogênese. Os bioquímicos A.I. Oparin e J. D. Bernal supõem que a vida surgiu espontaneamente no curso da evolução terrestre. E têm a geração da vida como uma sucessão de etapas e concordam que no começo os compostos orgânicos foram gerados a partir de substâncias inorgânicas.

ARNOLD TOYNBEE: Os cientistas que o senhor menciona entendem a vida como um fenômeno material e tentam descobrir o que lhe deu a oportunidade de desenvolver-se.

DAISAKU IKEDA: A doutrina de Oparin envolve aspectos particulares que estudos ulteriores podem modificar, mas não acho que ele esteja enganado quando supõe que a vida começou na própria Terra. Contudo, considero mais importante tentar descobrir POR QUE a vida surgiu no mundo das matérias inanimadas do que se preocupar com a maneira como esse fenômeno ocorreu.

ARNOLD TOYNBEE: Estamos falando da natureza da mudança de um universo que era aparentemente inanimado para outro que, conquanto permaneça em parte inanimado, veio a conter seres animados, alguns dos quais humanos e conscientes.

DAISAKU IKEDA: Embora a Terra possa ter sido inanimada quando a vida surgiu, acredito que a tendência para a vida lhe é inerente. A vida é obviamente uma entidade ativa, não passiva. Mas qual a fonte da força motivadora dessa atividade? Sugiro que a vida é inerente à matéria inanimada. O que chamamos de origem da vida não é, na realidade, mais do que o ponto em que a vida se manifestou.

ARNOLD TOYNBEE: Talvez seja assim, mas não podemos saber, no presente estágio. Podemos, no entanto, analisar intelectualmente a ideia de mudança, e isso talvez nos leve mais perto da compreensão da origem da vida, desde que a origem fosse, por si mesma, uma mudança extraordinária. Há duas explicações. Pode ser produzida por criação — pelo ato de dar existência a coisas que não existiam antes. Ou pode ser pela evolução. Segundo a explicação evolutiva, o aparecimento de uma mudança é, na realidade, uma ilusão. Tudo que existe ou que virá a existir, existe desde o começo.

DAISAKU IKEDA: Acredito que a correta é a explicação evolutiva. Considero a vida um produto da sua própria criação. Desde que surgiu a Terra até hoje, a vida mantém o potencial de manifestar-se e individualizar-se. O poder — ou energia — da força vital que proporciona atividade à vida individualizada já era inerente ao mundo inanimado.

ARNOLD TOYNBEE: O senhor pronuncia seu veredicto a favor da evolução e contra a criação. Quanto a mim, acredito na realidade da criação.

DAISAKU IKEDA: Aparentemente, os recentes êxitos científicos na sintetização da vida confirmam sua convicção. Porém, não considero isso uma criação, mas sim um modo artificial de fazer com que a vida se manifeste. Não acredito que seja possível criar vida. O máximo que o ser humano pode fazer é despertar a energia vital já existente em coisas materiais inanimadas. Não estou, claro, empregando a palavra energia no sentido usado pelos físicos.

ARNOLD TOYNBEE: Matéria estruturada organicamente talvez seja a condição capacitante indispensável à existência da vida, mas não é a vida em si. A matéria viva pode ser a condição capacitante necessária à consciência, mas não é a consciência em si. Vida e consciência são autênticas inovações e estas, em contraste com a evolução que esteve presente desde o começo, são logicamente incompreensíveis.

DAISAKU IKEDA: Entendo seu argumento, mas acho que não precisamos ficar perturbados com a incompreensão lógica da inovação autêntica. O budismo postula a existência de um estado de não ser que contém possibilidades intrínsecas de tornar-se a ser e que dessa maneira transcende os conceitos de ser e não ser. O budismo chama a isso de verdadeira entidade do universo e a denomina Kuu, uma entidade misteriosa que não pode ser explicada em dimensões de espaço-tempo. Quem entende o Kuu não tem dificudade de entender a natureza original da vida. Todo o universo, incluindo a Terra, é uma entidade da vida (Kuu) que contém vida. Quando são apropriadas as condições para que a tendência de vida se manifeste, ela é gerada em qualquer lugar e tempo. Todo o universo é um mar de vida contendo potencialmente possibilidades infinitas de manifestação. Os compostos orgânicos são as condições básicas que tornam possível a manifestação (como vida operante, individualizada) da vida que é inerentemente Kuu porque, a fim de que a vida atue conscientemente, são necessários compostos físicos complexos e exatos.

ARNOLD TOYNBEE: Esse é, naturalmente, um tópico encantador e importante que temos de estudar mais. Sustento, contudo, que a vida e a realidade em si são, para mim, mistérios explicáveis em termos de evolução.

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