O sábio declarou: “O coração humano é como a água que assume a forma de qualquer recipiente que ela ocupar e a natureza humana é como o reflexo ondulado da lua sobre as ondas. Neste momento, o senhor insiste em manter uma firme fé, mas num outro dia poderá hesitar. Mesmo que os demônios e as funções maléficas tentem confundi-lo, jamais deve permitir que isso o desvie do caminho. O demônio celestial odeia a Lei do Buda e os não budistas ressentem-se com o caminho dos ensinos budistas. No entanto, o senhor deve ser como a montanha dourada que brilha ainda mais quando arranhada por um javali, como o mar que envolve todos os vários riachos, como o fogo que aumenta sua chama à medida que a lenha é adicionada, ou como o inseto kalakula, que aumenta de tamanho quando o vento sopra. Se o senhor seguir tais exemplos, então, como o resultado poderá não ser satisfatório?”

Resumo e cenário histórico

Acredita-se que esta tese tenha sido escrita no segundo ano de Bun-ei (1265). Entretanto, seu recebedor é desconhecido. Apesar disso, quase no final deste texto, o homem ignorante refere-se a si próprio como “um homem que carrega arcos e flechas e devota-se à profissão das armas”. Nesse sentido, supõe-se que Nitiren Daishonin tenha escrito esta tese para alguém da classe dos samurais.

O “sábio” do título indica o devoto do Sutra de Lótus, ou o próprio Nitiren Daishonin, ao passo que o “homem ignorante” representa todas as pessoas comuns dos Últimos Dias da Lei. Na primeira parte, o homem ignorante, que chegou à compreensão da impermanência da vida e buscando a verdade, recebe sucessivas visitas: um reverendo da escola Preceitos, um praticante leigo da Terra Pura, um praticante da Verdadeira Palavra e um reverendo da escola Zen. Por meio do diálogo desses personagens, Daishonin expõe os princípios básicos dessas quatro principais escolas budistas de sua época.

O homem ignorante confessa que, embora tenha conhecido os ensinos das escolas Preceitos, Nembutsu, Verdadeira Palavra e Zen, sente-se incapaz de determinar se esses ensinos são ou não verdadeiros. Em resposta, o sábio declara que as doutrinas de todas as quatro escolas são a causa para renascer nos maus caminhos, pois elas estão fundamentadas nos ensinos provisórios, ao passo que somente o verdadeiro ensino, o Sutra de Lótus, capacita todas as pessoas, sem exceção, a alcançarem o estado de Buda.
Essa comparação entre o ensino verdadeiro e os ensinos provisórios é a essência desta tese. O sábio refuta as doutrinas dessas escolas fundamentadas nos ensinos provisórios e cita passagens do sutra a fim de demonstrar que a supremacia do Sutra de Lótus foi estabelecida pelo próprio Buda Sakyamuni. Assim, o sábio ensina as limitações de todos os ensinos que o ignorante veio experimentando até aquele momento e passa a esclarecer que o Nam-myoho-rengue-kyo é a grande Lei que soluciona o sofrimento da vida e da morte.

Após esses esclarecimentos, o homem ignorante se convence da verdade do Sutra de Lótus. No entanto, ele hesita em abraçar esse sutra por questões de lealdade e devoção filial; aponta que todas as pessoas, desde o soberano até as pessoas mais comuns, depositam sua fé em outras escolas, e até seus próprios pais e ancestrais abraçam os ensinos da Terra Pura.

O sábio esclarece então que a melhor maneira de demonstrar a gratidão aos nossos pais e soberanos é abraçar o ensino correto do budismo e conduzir os outros à salvação. Além disso, é preciso avaliar os ensinos budistas de acordo com seus próprios méritos e não de acordo com o número de seus seguidores. A partir do momento em que o homem ignorante decide abraçar o Sutra de Lótus, o sábio revela que a essência desse sutra encontra-se nos cinco caracteres do Myoho-rengue-kyo, que é o título do Sutra de Lótus. O sábio continua explicando que o Myoho-rengue-kyo representa a natureza de Buda inerente em todos os seres. Quando recitamos o Nam-myoho-rengue-kyo, a natureza de Buda inerente em todas as coisas se manifesta e nossa própria natureza de Buda emerge simultaneamente. Mesmo sem ter uma profunda compreensão dos ensinos budistas, por meio dessa prática podemos atingir o estado de Buda em nossa presente forma.

O trecho aqui apresentado está na parte conclusiva desse escrito onde o sábio se alegra com o fato de o ignorante despertar para a fé no Sutra de Lótus e o adverte a não ser derrotado pelas maldades, mantendo sua fé por toda a vida sem jamais enfraquecer em sua determinação.

Explanação

Diante do homem ignorante que havia feito sua decisão, o sábio o admoesta a jamais ser derrotado pelas maldades e abandonar o ensino. No início desta frase, Daishonin mostra como o coração humano é volúvel por meio de algumas analogias. O coração das pessoas é tão mutável quanto a água que se adapta ao recipiente em que é depositada e diz-se que a natureza humana é tão fácil de se mover quanto a imagem da lua refletida sobre a superfície da água que oscila diante de uma onda.

Por essa razão, significa que o coração de uma pessoa decidida na fé pode oscilar e mudar diante da influência das ações da maldade. “Maldade” é indicativo das influências do mal que provocam a perda da fé e dos benefícios provenientes da prática budista. Daishonin afirma então que “o demônio celestial odeia a Lei do Buda”. O verdadeiro aspecto da maldade é a escuridão fundamental ou a ignorância em relação à Lei Mística, e se manifesta na forma de desconfiança ou heresia ao ensino correto que elucida esta Lei Mística. Em outras palavras, estas ações da maldade acabam obstruindo os seres humanos de viverem um modo correto, destruindo os benefícios e provocando até a morte. Portanto, estas ações da maldade atacam com ainda mais força quando se dedica na fé, se avança na prática e se eleva a condição de vida. E o pior é que ele atinge justamente o ponto fraco dessa pessoa, atacando-a das mais variadas maneiras.

A escuridão fundamental é essencialmente a dúvida em relação à Lei Mística. Portanto, a força que destrói a maldade é a sabedoria do Buda que desperta para a Lei Mística. Entretanto, é extremamente difícil manifestar essa sabedoria. É nesse contexto que a “fé” passa a ter uma grande importância no lugar dessa sabedoria. Em O Registro dos Ensinos Orais, Daishonin afirma: “Essa única palavra ‘crença’ é a espada afiada com a qual uma pessoa enfrenta e supera a escuridão fundamental ou a ignorância”. (Terceira Civilização, edição no 474, fevereiro de 2008.)

Sob um outro ponto de vista, a verdadeira identidade da maldade da escuridão pode ser chamada de “distorção do coração”. Neste sentido, a força que vencerá o mal são a “sabedoria” e a “fé” que vem da “força do coração”.

O budismo é uma eterna batalha entre buda e maldade. A maldade se aproxima sorrateiramente e se aloja no coração das pessoas. Por isso, devemos tomar o máximo de cuidado. Com a prática da fé baseada na frase “Fortaleça sua fé dia após dia e mês após mês” (END, vol. 1, pág. 304) e com o cuidado baseado na frase “Seja centenas e centenas de vezes mais cuidadoso do que antes” (END, vol. 2, pág. 272), devemos combater todos os tipos de maldade. O ponto fundamental é que jamais devemos permitir qualquer descuido conforme esta orientação de Nitiren Daishonin.

Neste trecho final do escrito “Diálogo entre um Sábio e um Homem Ignorante”, Nitiren Daishonin nos ensina por meio de quatro analogias que, quando as maldades surgem, devemos nos levantar imbuídos de alegria e enfrentá-las com toda a bravura.

Na frase “Deve ser como a montanha dourada que brilha ainda mais quando arranhada por um javali”, ele cita o javali que, sentindo inveja do brilho da mina de ouro, lança-se contra ela e a arranha, mas a mina de ouro é polida por meio disso e passa a brilhar com ainda mais radiância. Isso significa que, mesmo que enfrentem dificuldades provocadas pelas maldades, transformem-nas em oportunidades para polir ainda mais a sua vida.

As três seguintes analogias são semelhantes. “Como o mar que envolve todos os vários riachos” faz uma alusão ao grande oceano que nunca rejeita os rios que fluem para ele, aceitando-os e envolvendo-os. Similarmente, mesmo que as dificuldades apareçam, seria leviano tentar evitá-las. Pelo contrário, é enfrentando-as resolutamente que se consegue ampliar a sua condição de vida.“Como o fogo que aumenta sua chama à medida que a lenha é adicionada” significa que mesmo que tentem apagar o fogo jogando lenha sobre ela, o fogo acaba queimando-a, fazendo com que suas chamas aumentem ainda mais. “Como o inseto kalakula, que aumenta de tamanho quando o vento sopra” refere-se a um inseto mítico chamado kalakula encontrado nas lendas da Índia, que consegue aumentar consideravelmente o seu tamanho quando o vento sopra.

Enfim, não podemos evitar as maldades. Ao lutarmos corajosamente com a compreensão de que elas são a oportunidade para ampliar a própria condição de vida, podemos vencer sem falta. É por isso que Daishonin atesta em “Resposta a Hyoe-no-Sakan”: “Com o aparecimento dos Três Obstáculos e Quatro Maldades, o sábio alegrar-se-á, e o tolo se acovardará”. (END, vol. 1, págs. 250-251.)
 
 
 
Diálogo entre um sábio e um homem ignorante
Edição 2005 - Publicado em 26/Setembro/2009 - Página B1

Os Escritos de Nitiren Daishonin, vol. 2, págs. 152-153

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