Entrevista


A sincera doação dos discípulos

Edição 525 - Publicado em 12/Maio/2012 - Página 16
Senniti-ama e Abutsu-bo foram fiéis discípulos do Buda Nitiren Daishonin. Já idoso, o casal morava na Ilha de Sado onde Daishonin ficou exilado de 1271 a 1274. Após se converterem ao Budismo, Senniti-ama e Abutsu-bo fizeram sinceros oferecimentos a Nitiren Daishonin. Eles tinham o objetivo de proteger e agradecer seu mestre por ensinar-lhes o correto caminho de vida por meio da recitação do Daimoku.

Senniti-ama e Abutsu-bo propagaram o Budismo Nitiren em toda a Ilha de Sado

Nitiren Daishonin recebe a visita de Senniti-ama e Abutsu-bo em sua cabana na Ilha de Sado
Como os senhores conheceram Nitiren Daishonin? Abutsu-bo: Nitiren Daishonin foi exilado na Ilha de Sado, onde moramos, em 1271. Na minha família, fui o primeiro a encontrá-lo. Sabia como ele falava sobre a Nembutsu e outras seitas da época. Na verdade, fiquei enfurecido com as críticas dele dirigidas à Nembutsu e ao Buda Amida, pois eu era um praticante fervoroso dessa seita.
Senniti-ama: Meu marido foi ao encontro de Daishonin com o objetivo de debater com ele e até tirar sua vida. Mas não foi isso o que aconteceu.
O que houve quando o senhor o encontrou? Abutsu-bo: Certa noite, fui até a cabana de Daishonin disposto a matá-lo. Porém, à medida que o questionava sobre o Buda Amida, ele me respondia com sabedoria e benevolência e falava sobre a grandiosidade da Lei Mística. Fiquei emocionado ao ver seu comportamento e respeito por mim. Decidi abandonar minha antiga fé e jurei segui-lo por toda a vida. Quando retornei para casa e contei sobre essa conversa, minha esposa decidiu se tornar sua discípula imediatamente.
Por que Daishonin estava exilado nessa ilha? Abutsu-bo: Ele chegou aqui após a Perseguição de Tatsunokuti, na qual Hei no Saemon, chefe da polícia de Kamakura na época, mandou decapitá-lo, sem um julgamento justo. A decapitação não aconteceu, pois um objeto luminoso surgiu no céu no momento exato em que o soldado empunhava a espada para matar Daishonin.
Senniti-ama: Após esse episódio, os líderes do governo decidiram bani-lo para a inóspita Ilha de Sado, certos de que ele não sobreviveria. Aqui, cadáveres de indigentes e criminosos eram amontoados por todo lado. Sempre foi um local gélido em que a neve se acumulava e nunca derretia. Os moradores, em sua maioria seguidores da Nembutsu, eram instruídos a manter distância dos exilados e a jamais oferecer ajuda a eles.
Como era o relacionamento dos senhores com Nitiren Daishonin? Senniti-ama: Nosso mestre vivia em condições muito difíceis. Não havia alimento nem roupas e acomodações adequadas para ele viver na Ilha de Sado. A cabana em que estava instalado, junto com seu fiel discípulo Nikko Shonin, tinha grandes rachaduras nas paredes de madeira por onde passavam a chuva e a neve. O governador da ilha, Honma, seguindo as orientações do governo de Kamakura, enviava o mínimo de alimentos para uma pessoa viver. E Daishonin ainda repartia com Nikko Shonin.
Abutsu-bo: Apesar de ser proibido, decidimos ajudá-los. Honma cercou sua cabana com guardas que impediam qualquer um de se comunicar com Daishonin. Mesmo assim, minha esposa e eu levávamos alimentos e outros itens de necessidades básicas para ele. Fazíamos isso na calada da noite e nos escondíamos entre a neve para não sermos vistos.
Havia o risco de serem repreendidos pelo governo por tais oferecimentos a Daishonin? Senniti-ama: De fato, havia um risco. Porém, nosso desejo de fazer oferecimentos a Daishonin superava qualquer medo de repreensão. O que nos movia era a sinceridade. Com isso, nada nos impedia: medo, frio, idade.
Abutsu-bo: Exato. Nós não tínhamos medo. Como eu falei, saíamos no meio da noite para levar mantimentos ao nosso mestre. Numa carta, anos mais tarde, ele relembra esses episódios e manifesta profunda gratidão por nossa atitude.
O que ele diz nessa carta? Senniti-ama: A carta foi destinada a mim, em agradecimento aos oferecimentos enviados quando já estava no Monte Minobu. Num trecho, Daishonin diz: “Cada um dos administradores e dos praticantes da Nembutsu dignos da denominação mantinham rigorosa vigilância durante noite e dia sobre a minha cabana, determinados a impedir qualquer um de se comunicar comigo. Jamais, em nenhuma existência, esquecerei como, sob tais circunstâncias, a senhora, junto com Abutsu-bo, carregando um recipiente de madeira com alimentos nas costas, repetidas e repetidas vezes vieram à noite me trazer auxílio. Era como se minha falecida mãe tivesse renascido subitamente na província de Sado!”
Que belas palavras de Nitiren Dai­shonin. No entanto, os senhores chegaram a ser perseguidos pelo governo? Abutsu-bo: Sobre nós pesaram impostos abusivos e tivemos nosso feudo confiscado. Mas nada disso abalou nossa fé no Nam-myoho-rengue-kyo. Continuamos a auxiliar Daishonin e Nikko Shonin, enquanto permaneceram na Ilha de Sado.
Senniti-ama: Certa vez, meu esposo providenciou uma mesa para Daishonin redigir melhor suas cartas aos demais discípulos, bem como suas teses. Levamos a ele também penas e papel. Foi nesse período que Daishonin escreveu importantes cartas e tratados como “Carta de Sado”, “O Objeto de Devoção para a Observação da Mente” e “Abertura dos Olhos”.
Imaginamos que Daishonin tinha muita gratidão aos senhores. Abutsu-bo: Com certeza. Tanto é que ele me inscreveu o Gohonzon em reconhecimento à nossa fé. Ao mesmo tempo, numa carta escrita por ele sobre a Torre de Tesouro, e direcionada a mim, consta: “Abutsu-bo, você merece ser chamado de líder desta província do norte. Seria possível que o Bodhisattva Jogyo tivesse renascido neste mundo como Abutsu-bo e tivesse vindo me visitar? Quão maravilhoso! Está além da minha capacidade compreender o porquê de o senhor possuir tão pura fé”. Que alegria receber essas palavras de meu mestre.
Contem-nos mais sobre os senhores. Senniti-ama: Desde que nos casamos, moramos na Ilha de Sado e temos um filho, Tokuro Moritsuna. Ele também se converteu ao Budismo e propagou amplamente os ensinamentos de Daishonin nesta ilha. Certa vez, nosso mestre me mandou uma carta na qual ele fala sobre a alegria que devo sentir por ter um filho tão maravilhoso. Ele afirma: “Há uma passagem do Sutra que diz que os filhos são um tesouro”. Em outro trecho, Daishonin comenta: “Seu filho, Tokuro Mori­tsuna, seguiu seus passos, vindo a ser sincero devoto do Sutra de Lótus. (...) Com certeza, não há tesouro maior do que um filho, nenhum tesouro maior do que um filho”.
Abutsu-bo: Eu era samurai e servi ao imperador aposentado Juntoku, em Quioto. Fui exilado na Ilha de Sado junto com meu lorde, depois de uma fracassada tentativa de destronar o regime Hojo. Quando Juntoku morreu, passei a liderar uma vila agrícola no vale central da ilha onde Daishonin cumpriu seu exílio. Ao iniciar a prática dos ensinamentos de Daishonin, juntei-me a Nikko Shonin para propagar o Budismo aos demais moradores da ilha. Os primeiros a se converter foram minha esposa e nosso filho, Tokuro. Depois, os parentes e amigos mais íntimos. Isso deixou os praticantes de outras seitas enfurecidos. Afinal, eles falharam ao tentar matar Daishonin, o número de seus discípulos aumentava a cada dia e ele não havia morrido de fome, como previsto.
Diante disso, qual foi a reação das outras seitas? Abutsu-bo: As outras seitas reagiram ainda com mais raiva. Passaram a pressionar o governador da Ilha de Sado para entender por que Daishonin recebia alimentos e meios de sobreviver. O governador explicou que cumpria ordens de Kamakura, dando-lhe o mínimo de alimentos e mantendo-o distante de todos. Porém, quanto mais ele falava, mais os sacerdotes ficavam enfurecidos. Nessa conversa, sugeriu-se realizar um debate entre Nitiren Daishonin e as demais seitas, como Preceitos, Zen, Verdadeira Palavra e Nembutsu. A data marcada foi janeiro de 1272.
Como foi esse debate? Senniti-ama: O número de praticantes das outras seitas era imenso. E havia centenas de pessoas querendo debater com Daishonin. Meu marido estava muito preocupado com o que aconteceria com nosso mestre. Porém, Daishonin mantinha seu elevado estado de vida e ainda nos encorajava a recitar Daimoku. Os bonzos da Nembutsu ofenderam Daishonin e muitos camponeses vieram para assistir ao debate.
Abutsu-bo: Inúmeras perguntas foram feitas pelos sacerdotes ávidos por destruir os ensinamentos de Daishonin. Mas o Buda rebateu cada argumento com base nos sutras budistas, provou a veracidade de seus ensinamentos e os derrotou completamente no debate. Diante da supremacia da doutrina de Daishonin, muitos sacerdotes e leigos converteram-se ao seu budismo. Esse fato ficou conhecido como Debate de Tsukahara.
O que aconteceu depois deste debate? Senniti-ama: Foram dois dias de debate na ilha e, como dissemos, Daishonin sagrou-se vitorioso. Tempos depois, ele concluiu seu importante escrito “Abertura dos Olhos”.
Abutsu-bo: Há uma carta em que ele conta como essa obra foi escrita e nela percebemos seu imperturbável senso de missão pelo bem das pes­soas: “Quando todos foram embora [após o Debate de Tsukahara, realizado em janeiro de 1272, em Sado], comecei a dar forma a uma obra composta por dois volumes chamada ‘Abertura dos Olhos’, na qual vinha trabalhando desde o mês de novembro do ano anterior. Queria deixar registrado os feitos de Nitiren, caso eu fosse decapitado. A mensagem principal desse texto é que o destino do Japão depende somente de Nitiren. Uma casa sem pilar desmorona; uma pessoa sem alma perece. Nitiren é a alma do povo desta nação. Hei no Saemon já derrubou o pilar do Japão e o país torna-se cada vez mais conturbado com os rumores infundados e as especulações que surgem como fantasmas para provocar a discórdia no clã governante. Além disso, o Japão está para ser atacado por uma nação estrangeira, tal como descrevi em minha ‘Tese sobre o Estabelecimento do Ensino Correto para a Paz da Nação’. Tendo expressado estas ideias, confiei o manuscrito ao mensageiro de Nakatsukasa Saburo Saemon-no-jo [Shijo Kingo]”.
Em 1274, Nitiren Daishonin foi perdoado pelo governo e retornou a Kamakura. Os senhores chegaram a encontrá-lo depois? Abutsu-bo: Quando ele e Nikko Shonin foram embora, sentimos muito, pois já faziam parte da nossa vida. Ao mesmo tempo, juramos propagar ainda mais seus ensinamentos na Ilha de Sado.
Senniti-ama: Depois que saiu da ilha, eu não o encontrei mais. Sentia-me triste por não ir até ele no Monte Minobu onde passou os últimos anos da sua vida ao lado de Nikko Shonin. Porém, Daishonin compreendia meu sentimento. Por enviar meu marido três vezes ao Monte Minobu, numa carta, o Buda diz: “Apesar de a senhora permanecer em Sado, seu coração chegou até esta província”. Que alegria saber que ele me compreendia. Essas palavras significam que nós, Daishonin e eu, nos empenhamos com o mesmo espírito. Senti uma imensa coragem ao ler este escrito. Nessa carta, ele ainda afirma: “Olhar um para o outro não é tão importante”. Com essas palavras, sinto que Daishonin me diz que tem plena consciência de minha sincera devoção e dedicação, sendo este o caminho para o estado de Buda.
Como foram essas viagens? Abutsu-bo: A distância entre os dois locais era grande, e eu já era idoso. Mesmo assim, fui ao seu encontro com o desejo de levar a ele alimentos e outros itens de necessidades básicas. Viajei para o Monte Minobu por três vezes com muita alegria e gratidão.
Senniti-ama: Além disso, meu marido levava cartas minhas a Nitiren Daishonin. Nelas, eu relatava nossa luta de propagação dentro da Ilha de Sado e também perguntava sobre os seus ensinamentos.
Nota do editor: A elaboração desta “entrevista fictícia” iniciou-se com pesquisa em diversas fontes, levantando vasto conteúdo sobre Abutsu-bo e Senniti-ama. Em seguida, montamos uma linha do tempo com todos os acontecimentos. As informações e as “falas” dos entrevistados foram extraídas de pesquisa nas publicações da Editora Brasil Seikyo, nas orientações do presidente Ikeda e no Gosho. Para finalizar, sistematizamos os tópicos em formato de perguntas e respostas, a fim de facilitar a compreensão dos leitores.

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