Proposta de Paz


Segurança humana e sustentabilidade: Compartilhar o respeito pela dignidade da vida

Edição 524 - Publicado em 14/Abril/2012 - Página 24

Por Dr. Daisaku Ikeda, presidente da Soka Gakkai Internacional

Revisão: Thiago de Mello, Astolfo Valentim Vieira Martins , Edson Shoiti Tokunaga,
Maria Alice da Costa e Susan Scaranci Ribeiro
Tradução: Mariana Ballestero Sales Vieira

O presidente Ikeda sempre incentiva os jovens a construir uma sociedade de paz e solidariedade. Na foto, participantes do Curso de Aprimoramento da DJ em setembro de 2011, Tóquio

Os membros da SGI sempre estão prontos para ajudar em ocasiões de desastres. Ao lado, crianças japonesas recebem material escolar após terremoto e tsunami ocorridos em março de 2011. Acima, membros da SGI- Tailândia oferecem donativos às vítimas das inundações no início deste ano

Crianças empinam pipas durante evento realizado pela Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA) e relembram terremoto e tsunami ocorridos em março de 2011 no Japão

Presidente Ikeda conversa com o historiador Arnold Toynbee em 1975

Presidente Ikeda e sua esposa, Kaneko, encontram-se com a Dra. Wangari Maathai em fevereiro de 2005

Exposição “Sementes da Mudança: a Carta da Terra e o potencial humano” começou em 2010 em São Paulo e já percorreu diversas cidades do país

A exposição “De uma Cultura de Violência para uma Cultura da Paz: Transformando o Espírito Humano” foi realizada em Berlim, Alemanha (outubro de 2011)

Presidente Ikeda saúda os participantes da 39ª Reunião Nacional de Líderes no Memorial Makiguti de Tóquio em abril de 2010. A atividade comemorou os 50 anos da posse do Mestre e selou uma nova etapa do movimento Soka
Perseverante no meu anseio de ajudar a construção de uma grande sociedade humana solidária, encaminho, anualmente, uma Proposta de Paz à Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1983. E sempre no dia 26 de janeiro, data que marca a fundação da Soka Gakkai Internacional (SGI) em 1975. Esta é a minha 30ª proposta.
Os membros da SGI em todo o mundo estão comprometidos em trabalhar para que a dignidade de cada pessoa brilhe e os povos vivam em segurança, por meio de um movimento mundial de educação para a cultura de paz.
O fundamento espiritual da SGI é a filosofia do Budismo Nitiren, que reverencia, acima de tudo, a dignidade da vida. Trabalhamos inspirados no ardente desejo que nos legou o segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda (1900–1958): “Nunca mais quero ver a palavra ‘miséria’ usada para se referir ao mundo, a um país ou a qualquer indivíduo”.1
Infelizmente, nosso planeta vive assolado por guerras e conflitos civis. As pessoas ao redor do mundo têm a vida e a própria dignidade ameaçadas pela pobreza, fome e a destruição ambiental. Cresce a discriminação e a violação dos direitos humanos. Além disso, terríveis desastres naturais, de um instante para outro, eliminam a vida das pessoas e enfraquecem as bases da sociedade.
Nos últimos anos, sucedeu-se uma série das maiores catástrofes naturais, impondo um terrível ônus à humanidade: terremotos e tsunamis no Oceano Índico, em 2004, e no Japão em março do ano passado; terremotos no Haiti, na Nova Zelândia e na Turquia; inundações fatais na Tailândia e nas Filipinas; e uma severa seca na Somália e em grande parte da África.
Estendo minhas condolências aos afetados por esses desastres, minhas orações para o descanso dos falecidos e apoio moral aos que lutam para reconstruir sua vida e suas comunidades.
Torahiko Terada (1878–1935), físico japonês conhecido por seus repetidos apelos por medidas mais eficazes para enfrentar terremotos e tsunamis, observou que, quanto maiores os avanços da civilização, mais intenso é o impacto da fúria da natureza.
Um exemplo é o acidente na Usina Nuclear de Fukushima, causado pelo terremoto e tsunami em 11 de março de 2011, no Japão. A liberação de radioatividade contaminou ampla área além do território japonês e deixou grande número de pessoas desabrigadas. Não se sabe quando as vítimas retornarão às suas casas, e há motivos para preocupação com a saúde das crianças e com os produtos agrícolas e alimentícios.
Os resultados desses desastres não têm precedentes e a sociedade atual começa a duvidar da segurança da energia nuclear e põe em questão o próprio ritmo do desenvolvimento científico e tecnológico.
Perspectiva da segurança humana
O indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia e defensor da segurança humana, é firme em suas advertências sobre as ameaças que, a qualquer instante, ferem a vida das comunidades. Ainda jovem, viu de perto a espantosa fome que assolava sua terra natal, na Baía de Bengala: a experiência foi tão aguda que, preocupado com a pobreza e a desigualdade, dedicou a vida inteira a pesquisas socioeconômicas. Amartya Sen apelou para a promoção, em escala mundial, de como trabalhar pela “segurança humana” e proteger a vida, a subsistência e a dignidade das pessoas. Ele destaca os “perigos da privação repentina”:
A insegurança ameaça a sobrevivência e o cotidiano de homens, mulheres e crianças, expõe os seres humanos ao temor das doenças e epidemias e deixa as pessoas vulneráveis à penúria das crises econômicas. Essa insegurança exige o mesmo cuidado dedicado aos “perigos da privação repentina”.2
O professor Sen ressalta que uma sociedade só será verdadeiramente segura e estável quando souber aliviar e, na medida do possível, eliminar as fontes de ameaça e de insegurança que afetam o “núcleo vital de todos os seres humanos”.3
Os desastres naturais não surgem somente de fenômenos imprevisíveis: eles também nascem de crises econômicas que geram crescente insegurança na vida das pessoas e da rápida degradação do meio ambiente, originada por alterações climáticas. Tudo isso afeta países desenvolvidos e em desenvolvimento.
O relatório da Comissão de Segurança Humana de 2003 da ONU, que o professor Sen presidiu com o Dr. Sadako Ogata, afirma:
Quando as pessoas passam por estes traumas inevitáveis que lhes desanimam — extrema pobreza, danos pessoais, falência, abalo da sociedade ou desastres —, devemos empregar a visão da segurança humana para salvá-las.4
Em setembro do ano passado, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, alertou que o mundo entrou numa nova fase de perigo econômico. Há uma preocupação de que a rea­ção em cadeia da crise econômica continue a se espalhar de um país para outro. A economia global, estagnada desde a recessão de 2008, foi atingida pela crescente crise da dívida europeia, nascida na Grécia.
Recentemente, o índice das avaliações de crédito nos Estados Unidos foi reduzido pela primeira vez.
Juntos, esses acontecimentos contribuem para a instabilidade dos mercados financeiros e maior queda da atividade econômica.
De acordo com recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego mundial é de cerca de 200 milhões.5
Em muitos países, o padrão de vida das pessoas está ameaçado. A juventude é quem mais sofre com o desemprego. Em alguns países, os jovens têm duas a três vezes mais probabilidades de ficar desempregados do que as pessoas de outras faixas etárias.6 Mesmo quando os jovens encontram trabalho, trata-se de emprego de meio período ou informal e, portanto, mal remunerado. A insegurança é corriqueira nos jovens de todo o mundo.
Em minhas propostas de paz anteriores, examinei distorções da sociedade civil mundial, que resultaram numa “lacuna de vida” e numa “lacuna de dignidade”. Quero dizer que é inadmissível a desigualdade no valor atribuído à vida das pessoas e à sua dignidade, baseada simplesmente na comunidade em que nasceram e nas circunstâncias em que cresceram.
Além dessas questões estruturais, os meios de subsistência e a dignidade das pessoas são duramente afetados pelos “perigos da privação repentina”, provocados por desastres ou crises. É crucial enfrentá-los. Esta é a área que eu gostaria de aprofundar na presente proposta.
A agonia da perda
É da natureza das catástrofes destruir num só instante as coisas mais preciosas, insubstituíveis à vida humana. Nada é mais doloroso que a perda de pessoas que faziam parte de nossa vida — os pais que nos criaram, o companheiro que dividia alegrias e tristezas, o filho amado, o neto, o amigo, o vizinho.
O Budismo Nitiren considera essa perda como o inevitável sofrimento da separação daqueles a quem amamos. Ninguém está a salvo dessa dor aguda.
Lembro-me do seguinte episódio da vida do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803–1882) cujas obras eu amo desde a minha juventude. Ele anotou em seu diário a morte de seu filho de 5 anos com estas simples palavras: “Ontem à noite, às 8 horas e 15 minutos, meu pequenino Waldo encerrou sua vida”.7
Emerson tinha o hábito, desde moço, de manter um diário para reflexão filosófica e literária. A comovente descrição do triste fato parece ser tudo o que ele foi capaz de escrever naquele momento.
Talvez o indicativo mais revelador da profundidade do sofrimento de Emerson se encontre no silêncio dos dois dias seguintes — quatro páginas em branco — que foi finalmente quebrado por este registro:
O sol se ergueu no céu da manhã com toda a sua luz, mas a perda escureceu a paisagem. Aquele menino, de quem tanto me lembro no dormir e no despertar, iluminava para mim a estrela da manhã, e as nuvens da noite...8
O Budismo sempre teve os mistérios da vida e da morte como preocupação primordial. Em 1276, Nitiren Daishonin (1222-1282), fundador da escola budista seguida pelos membros da SGI, escreveu uma carta a uma discípula que, após a morte do marido, perdeu o filho inesperadamente.
Na carta, Daishonin imagina os sentimentos daquela mãe de coração enlutado, que poderia estar se perguntando por que seu filho morrera, e ela não. “Por que não levá-la em vez de seu filho? Por que deixá-la viva para ser atormentada pelo sofrimento?”9 Por meio dessas palavras, ele tenta estar junto dela para dividir seu sofrimento.
Estou certo de que a senhora não hesitaria em mergulhar no fogo, ou esmagar o próprio crânio se, com isso, pudesse ver seu filho de novo. Ao imaginar sua dor, não contenho as minhas lágrimas.10
As tragédias deixam muitas pessoas sofrendo a perda brusca de amigos e parentes. Nesses casos, é essencial que toda a sociedade esteja preparada para dar ajuda e conforto por um longo período. Essas calamidades destroem casas, alicerce da vida cotidiana, e os laços da vizinhança.
Um lar é muito mais do que simplesmente um lugar no percurso da nossa existência; está gravado com a história da família, repleto de emoções e sensações. Abrange um tipo especial de linha do tempo, unindo passado, presente e futuro; sua perda rompe a história da nossa vida.
Além disso, quando comunidades inteiras são devastadas, há um rompimento instantâneo das conexões entre as pessoas e o lugar, como no caso do tsunami que acompanhou o forte terremoto que atingiu o Japão. A intensidade desta perda cresce na proporção da nossa afeição e do nosso apego à comunidade. Mesmo quando encontram outros lugares para viver, as pessoas são forçadas a se adaptar a um novo ambiente, na maioria das vezes sem o apoio das relações humanas de tanto tempo.
Quando penso na agonia sofrida pelos desabrigados, lembro-me das palavras do autor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900–1944):
Nada, na verdade, substitui um companheiro. Velhos amigos não se cria sem demora. Nada supera o tesouro de recordações comuns, dissabores, discórdias e reconciliações, emoções generosas. É inútil plantar uma semente pela manhã e pensar que de tarde vai sentar à sombra do carvalho.11
A tristeza de perder um amigo é, creio eu, semelhante à perda da casa em que vivemos, a vizinhança ou a cidade. É uma realidade que devemos ter em mente.
A destruição súbita de locais de trabalho priva das pessoas os meios de sustento e, portanto, o senso de propósito e de dignidade que, para muitos, deriva do trabalho.
Atualmente converso com o professor Stuart Rees da Sydney Peace Foundation, na Austrália, a respeito de “paz com justiça”. Uma faceta desse tema refere-se ao desemprego e à insuportável ameaça que isso representa.
O professor Rees escreveu: “Aos desempregados se nega o essencial sentido da autoestima conquistada com o trabalho; seja no sustento, na realização ou no prazer de contribuir com a sociedade”.12
Tomio Tada (1934–2010), imunologista de renome mundial, aos 67 anos sofreu um acidente vascular cerebral. Após o acidente, descreveu seu espanto quando percebeu que teria de abandonar seu trabalho.
A partir desse dia, tudo mudou: minha vida, meu objetivo, minha alegria, minha tristeza — tudo ficou diferente.13 Quando caí em mim, fui tomado por uma insuportável sensação de perda. Tive de abandonar tudo.14
O trabalho prova que o indivíduo é necessário à sociedade. Mesmo que não traga reconhecimento ou fama, é fonte de satisfação e de orgulho, porque nos confirma no papel que é nosso e somente nosso dentro do contexto social.
As pessoas que perderam casas e bens sofrem porque desabrigadas. Para elas, a perda do trabalho não representa somente a quebra da estabilidade financeira, também abala as convicções espirituais, quando mais necessitam.
Creio que todos nós somos responsáveis em apoiar as pessoas na reconstrução da sua vida, levando-as a recuperar a esperança. Sobretudo com aqueles obrigados a mudar de casa ou de trabalho, de tal maneira que encontrem um novo lugar onde possam dizer: “Este é o meu lugar”.
As lições da história
A pergunta essencial é: o que fazer para enfrentar as trágicas consequências que surgem de desastres naturais ou de complexas questões globais? Antes de tudo, precisamos ser cautelosos e encontrar respostas concretas para evitar a ampliação do sofrimento e não ver mais a palavra “miséria” como triste marca do nosso planeta.
São relevantes as palavras de Arnold J. Toynbee (1889–1975), um dos maiores historiadores do século 20: “Nossa experiência no passado nos dá a única luz que nos é possível para o futuro”.15
Faz quarenta anos que visitei o Dr. Toynbee, em sua casa de Londres. Um dos seus assuntos prediletos em nossas conversas, como em seus livros, eram “lições da história”.
Na visão do Dr. Toynbee, o ponto fundamental da história está na “contemporaneidade filosófica de todas as civilizações”.16
Seu pensamento acerca deste assunto vem da própria experiência no início da Segunda Guerra Mundial, quando palestrava sobre a descrição que fez Tucídides da Guerra de Peloponeso, no século 4 a.C. Toynbee narra aquele instante:
De repente, senti que as minhas experiências eram exatamente iguais às de Tucídides no começo da Guerra de Peloponeso. Estarmos a vinte e três séculos de distância era irrelevante. A experiência do grego vale para nosso futuro.17
Com esta profunda percepção, Toynbee era capaz de compreender as lições de milênios de história da humanidade, relacionadas ao paradoxo do mundo atual. Na publicação de nosso diá­logo, ele afirma: “Não devemos ser derrotistas, passivos ou indiferentes aos males que ameaçam atualmente a sobrevivência humana”.18 Guardo estas palavras em meu coração.
Este pensamento de Toynbee me leva à “Tese sobre o Estabelecimento do Ensino Correto para a Paz da Nação” (Rissho Ankoku Ron), escrita por Nitiren Daishonin, que reúne a visão crítica do seu tempo. Ele enviou este tratado em 1260 para Hojo Tokiyori (1227–1263) — então suprema autoridade política do xogunato de Kamakura.
Nitiren Daishonin inicia sua Tese com as seguintes palavras:
Nos últimos anos vêm ocorrendo alterações incomuns no céu e estranhos acontecimentos na Terra. A fome e a peste afetam cada canto do império e se propagam por toda a nação. Bois e cavalos morrem pelas estradas e seus ossos se amontoam pelo caminho.19
Na verdade, o Japão daquela época sofria desastres que ceifaram tantas vidas, dando origem a uma miséria devastadora. O que levou Daishonin a escrever essa Tese foi seu desejo de encontrar uma forma de aliviar o sofrimento humano.
O papel do Estado
Ao reler a Tese à luz das atuais condições e dos imperativos da segurança humana, distingo três aspectos especiais.
O primeiro é a posição filosófica de que o bem-estar e a segurança dos cidadãos comuns devem ser prioridades do Estado.
As ideias expostas na Tese constituem o fundamento da filosofia do Budismo Nitiren. Tanto é assim que Daishonin a copiou de próprio punho várias vezes para que suas ideias não fossem deturpadas. Quando revemos os textos copiados por ele, deparamo-nos com detalhe da maior importância.
Em sua época, o caractere chinês utilizado para descrever terra ou país era composto por um quadrado emoldurado, representando os limites físicos do Estado e dentro dele o símbolo de rei ou arma. Este caractere transmite a ideia de que as autoridades políticas ou a força militar formam a base do Estado.
Em sua Tese, Daishonin substitui rei ou arma por povo. E utiliza um novo caractere que define terra ou país como o lugar onde as pessoas habitam. Sua intenção era mostrar que o bem-estar das pessoas é a prioridade do Estado. O uso destes caracteres resume a essência da filosofia budista. [Veja box na página seguinte.]
Em outra ocasião, Daishonin escreveu: “os que estão no poder devem ser ‘as mãos e os pés do povo’.20 Isto é, devem servir aos interesses comuns, assegurando os meios de subsistência e a felicidade do povo.
Como já disse, Nitiren Daishonin apresentou a Tese ao líder político de sua época. E argumentou com ele, convicto de que a compreensão correta da filosofia budista dissiparia a escuridão que envolvia a sociedade. Desnecessário dizer que sua decisão lhe causou duras consequências: foi exilado duas vezes e foram numerosos os atentados contra a sua vida, embora ele não tenha cometido crime algum.
Setecentos e cinquenta anos depois de escrita, a Tese continua surpreendentemente atual, em particular, a respeito da proteção da vida, sua constante preocupação. Neste ponto, cito de novo o relatório da Comissão de Segurança Humana da ONU:
O Estado permanece o provedor fundamental da segurança. Contudo, frequentemente não cumpre o seu dever — e, às vezes, até se torna ameaçador para seus cidadãos. A atenção com a segurança deve ser direcionada ao povo e não ao Estado.21
Cabe-nos perguntar pelo propósito da existência do Estado. Ainda que bem-sucedido em termos econômicos ou militares, se o Estado não se esforça para aliviar o sofrimento de seus cidadãos nem para ajudá-los a ter uma vida digna, perde a própria razão de existir.
A verdade é que os desastres e as crises trazem à tona os descuidos do Estado que poderiam permanecer ocultos em tempos normais. Revelam as vulnerabilidades particulares dos idosos, das mulheres, das crianças, das pessoas com deficiência e dos marginalizados pela desigualdade social. Estas foram as consequências do terremoto que abalou o Japão em março de 2011. É impossível não se indignar com a lentidão da resposta oficial ao sofrimento da população das regiões afetadas e, sobretudo, das pessoas vulneráveis.
Reconhecendo nossa inter-relação
O segundo aspecto da Tese de Nitiren Daishonin é seu pedido pelo estabelecimento de uma concepção de mundo enraizada no sentido vital da nossa interconexão. Cito uma passagem crucial: “Se o senhor se preocupasse um pouco com sua segurança pessoal, deveria primeiro orar pela ordem e pela tranquilidade em todos os quatro quadrantes da Terra, não é mesmo?” (END, v. 1, p. 58).22
Esta é a maneira como Daishonin manifesta a ideia de que não se pode ser feliz e se sentir seguro individualmente, ignorando a miséria e as ameaças que afligem os outros.
Como o problema das mudanças climáticas demonstra, neste mundo cada vez mais interdependente, uma catástrofe em determinado lugar pode parecer um fato isolado, mas na verdade contém o potencial de maiores danos em escala global.
Apesar de os efeitos das calamidades parecerem relativamente pequenos agora, se não forem cuidados, criarão problemas indissolúveis para as futuras gerações.
A importância de considerar as dimensões de tempo e espaço das ameaças foi abordada num relatório apresentado à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em 2010. Diz ele:
A segurança humana previne e reduz as ameaças futuras, quando compreende que constelações particulares de ameaças aos indivíduos e às comunidades se traduzem numa violação ampla da segurança entre os Estados.23
Na visão budista, a menos que haja paz e segurança “nos quatro quadrantes da Terra” — a sociedade como um todo —, nossa segurança individual será mera ilusão. Essa maneira de pensar é baseada no ensinamento budista da “origem dependente” (interdependência profunda ou existencial).
As palavras do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, também não me salvo”, que usei mais de uma vez nas Propostas de Paz, tocam no mesmo ponto. Sua recomendação é “salvar... os fenômenos; quer dizer, procurar o significado do que nos cerca”.24
Quando acontecem as tragédias, as pessoas preocupadas do mundo inteiro respondem solidárias com apoio espiritual e material. As manifestações de empatia e solidariedade são fonte incalculável de coragem e esperança para as vítimas.
Nitiren Daishonin também registrou: “os sofrimentos que os seres vivos enfrentam — todos são do próprio Nitiren”.25 Na sua Tese, ele descreve um modo de vida que reage contra a dor das pessoas e trabalha para o alívio dos sofrimentos.
Quando Daishonin fala dos “quatro quadrantes da Terra” e de “nação”, o âmbito de sua preo­cupação abrange espaço e tempo. Isso pode ser visto em seu uso repetido de palavras como “Jambudvipa” (vocábulo da tradicional cosmologia budista que significa “o mundo inteiro”) e sua referência ao “futuro sem limite”.
Ele ressaltava a determinação de não ignorar a tragédia onde quer que ela ocorra, e de impedir que os legados negativos do presente se prolonguem até as futuras gerações.
O conceito de espaço implica a consciência de nossas responsabilidades como cidadãos; e o de tempo, um compromisso com a sustentabilidade.
Como cidadãos, somos responsáveis pelo planeta que será deixado para nossos filhos. A clara consciência das dimensões de interconexão da vida deve guiar todas as nossas ações.
A importância do empoderamento
O terceiro aspecto da Tese de Nitiren Daishonin é o que atualmente chamamos empoderamento (em inglês, empowerment). Empoderamento é quando numa situação difícil, por meio do diálogo, incentivamos outra pessoa a manifestar o seu poder inerente para mudar a realidade. E, uma vez que ela decide mudar, juntos, avançamos compartilhando o juramento de alcançar a resolução daquela situação.
Como em muitas escrituras budistas, a Tese de Daishonin toma a forma de diálogo entre o viajante, que representa a autoridade secular, e o hospedeiro, as perspectivas do Budismo.
Na abertura do texto, o viajante para na morada do hospedeiro onde ambos discutem e expressam sua profunda aflição pela sucessão de desastres que atingiu a nação. As preocupações dos dois, de alguma forma, lhes permite enxergar além das diferenças de suas posições.
O diálogo se desenvolve e tanto o anfitrião como o viajante expõem suas convicções. Em resposta à raiva e à confusão do viajante, o hospedeiro, cuidadosamente, explica e resolve cada uma das suas dúvidas. Pelo enfrentamento e confrontação de alma a alma, o viajante finalmente se convence da veracidade das afirmações do hospedeiro. Ele resgata o juramento que fizeram quando da preocupação inicial: “Mas não basta que somente eu aceite e tenha fé em suas palavras —, devemos trabalhar para que os outros se deem conta dos seus erros” (END, v. 1, p. 62).26
Por fim, ambos concordam que o poderoso reconhecimento da necessidade de se acreditar nas possibilidades ilimitadas do ser humano — a mensagem do Sutra de Lótus — constitui a essência do Budismo. É a fé na certeza de que toda pessoa possui um potencial infinito: a capacidade de dar luz à sua dignidade.
Despertar para essa grandeza da condição humana acende a chama da esperança na vida de quem está perdido na angústia. Essa pessoa, por sua vez, tem o poder de inflamar a esperança no outro. O impulso resultante da renovação tem o poder de afastar a tenebrosa confusão que envolve a sociedade.
As palavras da Comissão de Segurança Humana estão em sintonia com as ideias desse antigo texto. Por exemplo, segurança humana deve ser “construí­da com a força das pessoas e suas aspirações”.27 A chave está na “capacidade das pessoas para agir por conta própria a favor dos outros”.28
A questão principal de toda a atividade relacionada à segurança humana não deve ser: o que podemos fazer? Mas sim: como a ação poderá apoiar o esforço e a capacidade da pessoa afetada?29
Descrevendo o caos de seu tempo, Daishonin lamentou a perda do empoderamento. As calamidades afetaram o ânimo das pessoas, e muitas pareciam ter perdido a vontade de viver. Além disso, a ética predominante da sociedade foi um dos fatores que as incentivaram a evitar a realidade e procurar tranquilidade apenas no reino de sua vida interior.
Nitiren Daishonin considerava “malignos” os ensinamentos que estimulam a resignação ou o escapismo como um caminho para a salvação: algo que turva a visão das pessoas, cegando-as para o potencial ilimitado que elas possuem. Para Daishonin, o único caminho viável para superar o impasse que a sociedade enfrenta é cada pessoa acreditar nas suas próprias possibilidades e trabalhar de mãos dadas para que todos se fortaleçam.
Neste contexto, lembro-me do episódio narrado pelo filósofo austríaco Ivan Illich (1926-­2002). Ele disse que jamais devemos ter medo de ser uma “vela na escuridão”.30 Illich descreve sua amizade com o bispo Dom Hélder Câmara (1909-1999), que lutava contra as brutalidades desumanas do regime militar brasileiro na década de 1960.
Dom Hélder tentou dissuadir o general que mais tarde se tornaria conhecido como um dos mais cruéis torturadores do Brasil. A tentativa do diálogo fracassou. Depois que o militar partiu, Dom Hélder caiu num silêncio profundo, virou-se para Illich e disse:
Não desanime nunca. Enquanto uma pessoa estiver viva, em algum lugar ainda há brasa sob as cinzas, e toda a nossa tarefa é... soprar... devagarinho, com cuidado soprar... e soprar... e você vai ver que ela se acende. Não se preocupe em atear fogo de novo. Tudo o que tem a fazer é soprar.31
As palavras de Dom Hélder, “não desanime nunca” representam o esforço de renovar a própria decisão e, ao mesmo tempo, a importância do encorajamento aos que estão à beira do desespero.
O espírito do empoderamento encontra-se no ato cuidadoso de assoprar a “brasa que resta” na alma humana, tanto daqueles que nos apoiam como dos que estão contra. Acredito que a fé e a perseverança são a força motriz das lutas de Mahatma Gandhi (1869-1948) e de Martin Luther King Jr. (1929-1968) pelos direitos humanos. E daqueles que lideraram as revoluções populares do leste europeu que pôs fim à guerra fria e, mais recentemente, do movimento conhecido como a “Primavera Árabe”.
Durante os sombrios anos dos confrontos da guerra fria, visitei países comunistas — a antiga União Soviética, a China — para realizar intercâmbios com o objetivo de amenizar as tensões e aprofundar a compreensão mútua. Empenho-me também para dialogar com líderes políticos e intelectuais do mundo de várias culturas e religiões. Estes esforços para promover a amizade, atravessando fronteiras, são frutos da convicção de que a única base duradoura para uma sociedade mundial pacífica reside na transformação do coração de cada indivíduo. Isso só poderá ser alcançado com um diálogo que desperte em cada um de nós a nossa humanidade.
Restaurar o coração
Dos três aspectos da Tese de Nitiren Daishonin que discutimos, creio que o do empoderamento é fundamental para a recuperação do equilíbrio psíquico e físico, a “restauração do coração”. A reconstrução mental e espiritual é um dos desafios mais difíceis e demorados que enfrentamos.
Como já fiz antes, lembro a afirmação da Comissão da ONU que trata desta importante questão, quando considera que a segurança humana deva ser “construída com a força das pessoas e suas aspirações”. É um desafio difícil, senão impossível, para que o indivíduo dê o primeiro passo sozinho; e muito mais para sustentar até o ponto onde toda a vida será iluminada pela luz da sua esperança. Metaforicamente, as pessoas precisam de cordas seguras ligando coração a coração e dos ganchos do encorajamento para que continuem sua escalada pelos íngremes caminhos da vida.
Exemplos luminosos são a vida de três figuras históricas, Emerson, Saint-Exupéry e Tada.
Além da trágica perda do seu filho, a vida de Emerson foi marcada pela morte da sua primeira esposa e dos seus dois irmãos. Tempos depois, ele reflete sobre estas perdas e conclui que assumiram “o aspecto de um guia ou de um gênio”,32 dando-lhe o ímpeto para transformar o seu modo de viver.
Saint-Exupéry escreveria mais tarde:
O que salva um homem é dar um passo e depois outro. É sempre o mesmo passo, mas você tem de dar... O que assusta o homem é o desconhe­cido. Mas, quando tem de enfrentar o desconhecido, passa a conhecê-lo e perde o medo.33
Tomio Tada, imunologista, finalmente foi capaz de voltar a escrever e, citando a Divina Comédia de Dante, gravou estas palavras: “Se estou numa condição infernal, então me deixe descrever o meu inferno”. E acrescentou: “Não sei o que me espera, mas estou aqui pelo que eu passei”.34 Ele estava preparado para recuperar o sentido da sua vida.
Em cada um desses momentos dramáticos, foi indispensável o apoio dos outros. O filósofo William James (1842-1910), ao estudar a situa­ção dos sobreviventes do terremoto de São Francisco em 1906, concluiu que as pessoas que trocam experiências sentem uma mudança perceptível no senso de sofrimento e de perda. Mesmo que esta troca não leve a um avanço imediato, incentiva pessoas mergulhadas na dor a olhar o futuro sem esperança.
Devemos dar atenção às palavras que fluem de outra alma. Nosso coração estremece com o sofrimento do outro e, pacientemente, sopra vida nas pequenas brasas que ainda restam no outro coração.
O filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969) reconhece que o conjunto de ensinamentos deixado por Sakyamuni — os sutras que contêm 80 mil ensinamentos — nasceu de diálogos que ele manteve com uma pessoa ou com pequenos grupos. Sakyamuni acreditava que, “para falar com todos, é preciso falar com cada um”.35 Seus ensinamentos são respostas às preocupações e aos sofrimentos das pessoas.
Chamando os outros de “amigo”, Sakyamuni se esforçava para penetrar no coração e na mente de cada um deles, esclarecer a natureza real do sofrimento e ajudá-los a despertar a forma de superá-los. A parábola da flecha envenenada — na qual um homem é morto ao ser atingido por ela — conduz ao entendimento da sabedoria do Budismo de não se ater a conceitos metafísicos ou a debates filosóficos. Em vez disso, o Budismo aprofunda o desejo de aliviar o sofrimento de toda pessoa.
Este cuidado se vê nos ensinamentos de Nitiren Daishonin. Nas cartas que enviou aos seus discípulos, ele abraça cada um deles, lamentando-lhe as dificuldades como se fossem suas. As palavras de Daishonin nos chegam até hoje como diretrizes para a vida porque são a cristalização de sua oração solidária e determinação para orientar os discípulos a superar as provações.
Ao lado do povo
Atualmente, os membros da SGI em todo o mundo criam vínculos de coração a coração por meio do diálogo de vida a vida, tecendo redes de incentivos mútuos.
Em situações de emergência, de calamidades, as instalações da Organização estão à disposição dos desabrigados. Distribuímos material de socorro, colaboramos nos trabalhos de limpeza e em outras atividades de salvamento. Cada membro apoia e incentiva seus vizinhos, ainda que ele próprio tenha de suportar os impactos dos desastres. Tudo isso é uma extensão das nossas atividades religiosas.
Esses atos são a expressão espontânea do desejo de ajudar, o compromisso com a felicidade, que só se sente quando se reparte com os outros.
Durante os encontros anuais de ONGs (em junho de 2011, em Genebra) com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), dedicou-se uma sessão especial ao papel das Organizações Baseadas na Fé (FBO). Ficou demonstrado o crescente valor da contribuição das FBO na ajuda aos atingidos pelas ameaças que surgem na sociedade.
Baseado na experiência do terremoto e tsunami no Japão, um representante da SGI interveio na sessão:
Mesmo num ambiente complexo e inseguro, é o empoderamento dos sobreviventes que faz a ajuda humanitária ser eficaz e sustentável. Com sua autoajuda e cumplicidade, as FBO estão numa posição privilegiada para servir.36
Como exemplo deste tipo de empoderamento, lembro-me de um fato narrado por Martin Luther King Jr. Uma idosa participa de um boicote aos transportes coletivos de Montgomery (1955-1956), recusando-se a andar no ônibus em que havia segregação racial. Um homem que estava de carro e também apoiava essa manifestação parou ao lado dela e ofereceu-lhe uma carona. Ela não aceitou, dizendo: “Eu não estou aqui por mim mesma. Estou caminhando por meus filhos e por meus netos”.37
Nas consequências das catástrofes, muitas pessoas, ainda que física e emocionalmente castigadas, são levadas a agir pelo desejo de servir da melhor maneira, não apenas a seus amigos e entes queridos, mas a quem estiver em perigo.
O Budismo Nitiren ensina que, não importando as circunstâncias, temos a capacidade de ajudar os outros; e nos assegura que os que sofrem têm direito a maior felicidade.
Uma escritura budista afirma: “A torre do tesouro não é outra senão todos os seres vivos”.38 Isso significa que a magnífica torre, de escala cósmica, descrita no Sutra de Lótus, nada mais é que a essência original de cada ser humano. Uma pessoa que despertou para a grandeza do ser adquire um estado de vida indestrutível. Esta é a dignidade da vida que não pode ser destruída por qualquer ameaça ou tribulação. Como os sutras declaram: “Um elefante louco pode somente destruir o seu corpo, mas não seu espírito” (WND, v. 4, p. 51).39
Quanto mais pessoas com esta convicção estenderem a mão aos aflitos e juntos iniciarem a reconstrução da comunidade, mais torres do tesouro se levantarão. Na SGI, este princípio é o fundamento da nossa fé e dá sentido ao que fazemos.
Após os desastres dos últimos anos, vimos muitos exemplos de redes voluntárias de ajuda, com pessoas vindas de todo lado, surgindo quando as autoridades locais estavam sobrecarregadas. Em minha opinião, este mesmo impulso está no apoio e incentivo oferecidos por pessoas que estão longe, em outros países.
As ações em momentos difíceis demonstram a importância de se nutrir constantemente os laços de apoio e de cultivar o espírito de ajuda mútua. Esta é a melhor maneira de capacitar os povos para reagir aos “perigos da privação repentina”.
A Dra. Wangari Maathai (1940–2011), Prêmio Nobel da Paz, criou o Movimento Cinturão Verde no Quênia e em outros países da África. Seu intuito era capacitar as pessoas para fazer frente às ameaças da destruição ambiental. Por várias vezes, ela se deparou com obstáculos e até com a censura: muitas árvores recém-plantadas foram destruídas pelos que se opunham ao movimento. “Pois, como nós, as árvores também sobreviveram”, escreveu a Dra. Maathai. “As chuvas virão e o Sol brilhará, e, quando menos se esperar, as árvores vão dar novas folhas e brotos nascerão”.40 O incentivo de suas palavras é inesquecível.
Ela conseguiu dar ao Movimento Cinturão Verde o poder de despertar a energia das pessoas. Isso porque o Movimento “se fez com o espírito de trabalhar ‘com’ em vez de trabalhar ‘para’”.41
A convicção de trabalhar “com” cria um ciclo autossustentado para recuperar o empoderamento do qual tenho falado. Este processo, conduzido pelo próprio povo, dissipa a escuridão do desespero e faz surgir no horizonte um sol de esperança.
Uma clara visão do futuro
Gostaria de discutir agora propostas concretas para enfrentar diversas ameaças prejudiciais à vida das pessoas.
Antes, é bom observar duas perspectivas destacadas pela Dra. Elise Boulding (1920–2010), pioneira da cultura de paz. A primeira é agir com a necessária clareza do futuro que desejamos. A outra é o intervalo de tempo que ela chama de “presente de 200 anos”.42
A respeito da primeira perspectiva, a Dra. Boulding contou-me que na década de 1960, numa reunião de estudiosos dos aspectos econômicos do desarmamento, ela perguntou como seria um mundo totalmente desarmado. Para sua surpresa, eles não tinham ideia alguma, o trabalho deles era apenas convencer os outros que o desarmamento era possível.
“Como poderiam trabalhar de coração num movimento cujo resultado nem sequer imaginavam?”43 Esta questão é essencial. Não importa quão relevantes sejam a paz e o desarmamento, se o movimento para alcançá-los não tiver uma visão claramente definida, não gerará a energia necessária para superar os obstáculos em meio à realidade. A Dra. Boulding entendia que uma visão comum a todos une as pessoas e lhes permite “se dedicar incondicionalmente”.
A outra perspectiva da filósofa, “o presente de 200 anos”, afirma que a nossa vida abrange o período dos cem anos passados a cem anos futuros. Ela salientou: “Não vivemos apenas no presente. Se este momento fosse tudo, suas ocorrências nos esmagariam”.44 Mas, pensando que vivemos num período maior, podemos participar da vida de uma multidão — de crianças recém-nascidas e de idosos centenários. Desta forma, a Dra. Boulding valoriza a importância de vivermos com a perspectiva ampliada pelo passado e o futuro da nossa comunidade.
Esta ideia nos faz levar em conta o sofrimento dos nossos antepassados. Ao mesmo tempo, nos inspira um senso de responsabilidade para construir um futuro em que estes mesmos sofrimentos não serão experimentados pelas próximas gerações.
Considerando as perspectivas da Dra. Boulding, proponho os valores do humanismo, dos direitos humanos e da sustentabilidade como elementos indispensáveis de qualquer visão de futuro da humanidade. Em termos concretos, esta é a visão de:
• um mundo que se recusa a esquecer a tragédia humana ocorrida em qualquer lugar se une em solidariedade para superar as ameaças;
• um mundo fundamentado no empoderamento dos indivíduos prioriza a garantia da dignidade e o direito de conviver em paz;
• um mundo que se recorda das lições do passado e não permite que gerações futuras herdem o legado negativo da história humana e põe toda a sua energia na transformação desse legado.
Este olhar sustenta minhas Propostas de Paz desde 1983. Para quem lida com um problema de difícil solução, a clareza no que se deve fazer é uma linha de Ariadne: ajuda a encontrar o caminho para sair do labirinto e serve como fonte de perspectivas para as mudanças.
Quero agora me concentrar em três grandes desafios que nos espreitam: desastres naturais; degradação ambiental e miséria; e armas nucleares.
Cada um desses desafios vai expor as futuras gerações às ameaças e aos encargos, e estes, por sua vez, serão maiores, quanto mais adiarmos nossa resposta.
Que prevaleçam os direitos
Para reduzir os riscos dos desastres, proponho o fortalecimento das estruturas internacionais de apoio às vítimas das catástrofes: a aplicação dos direitos e a regularização do compromisso do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Atualmente, os esforços da ONU para promover a cooperação internacional no intuito de reduzir os danos das catástrofes, a partir de uma perspectiva preventiva, estão no âmbito da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (Einurd). Mas, ao mesmo tempo, pela natureza imprevisível dos desastres, é indispensável o preparo para o apoio àqueles cuja vida é atingida.
Aliado ao dever humanitário, defendo que os direitos humanos sejam o ponto central em todo esforço de socorro. Esta abordagem garante dignidade às pessoas afetadas.
Proponho que as atividades de ajuda humanitária às vítimas das catástrofes, que até agora foram tratadas, caso a caso, pelo Acnur, sejam oficialmente incluídas entre os deveres do Alto Comissariado.
Ao longo de sua história, o Acnur vem ampliando o leque de beneficiários e de competências de suas atividades. Além de seu mandato original de proteção aos refugiados, agora é responsável pela ajuda humanitária dedicada aos refugiados internacionais e populações afetadas pela guerra. O Acnur responde ainda pela proteção daqueles que requerem asilo político e dos apátridas. O artigo nono do mandato do Acnur prevê que ele também participará em atividades adicionais determinadas pela Assembleia Geral.
Relatos mostram que, hoje, são 160 milhões as pessoas afetadas por desastres naturais e 100 mil as que perdem a vida a cada ano. Em comparação com a década de 1970, atualmente é triplicada a incidência de desastres e o número de pessoas atingidas. A maioria das vítimas está concentrada nos países em desenvolvimento; e o ciclo vicioso de catástrofes e de pobreza é um desafio ao qual devemos responder.45
O alto-comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Gutierrez, observou:
Qualquer ação deve estar amparada pelos direitos humanos, pois a experiência vivida após o tsunami que ocorreu no Oceano Índico em 2004 e outros recentes desastres confirmam que tais situações de emergência geram novas ameaças aos direitos da população afetada.46
De acordo com os dados, cresce cada vez mais a atenção voltada à proteção da dignidade daqueles que foram atingidos por desastres, tanto quando foram socorridos como no processo de recuperação. Resta, contudo, a tendência de considerar inevitável que ocorra alguma deterioração das condições de vida e de saúde. Em compensação, o esforço para que seus direitos sejam protegidos se acentua em casos de desastres, particularmente, nas implicações para a sobrevivência.
Esperam-se medidas que permitam ao Acnur estar constantemente comprometido com o socorro às vítimas. Uma estrutura deve ser estabelecida para possibilitar ao Acnur realizar ações de salvamento, em parceria com outras organizações internacionais, alicerçada nos princípios do humanismo e dos direitos humanos, para proteger a vida das pessoas. Precisamos criar uma cultura desses direitos para defender a dignidade das pessoas que se encontrem em perigo ou sofrem pela desigualdade social.
A Assembleia Geral da ONU aprovou, em dezembro de 2011, uma inédita Declaração sobre Educação e Formação em Direitos Humanos, estabelecendo princípios e objetivos por meio dos quais a sociedade internacional deve promover uma cultura de direitos humanos. A Declaração, elaborada desde 2007, após decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, reflete a voz da sociedade civil por meio das contribuições da ONG Grupo de Trabalho em Educação em Direitos Humanos e Aprendizagem da Conferência das ONGs em Relações Consultivas para as Nações Unidas e outras organizações.
Como presidente da ONG Grupo de Trabalho e para implementar o espírito dessa Declaração, a SGI colabora com a Associação para a Educação em Direitos Humanos (HREA) para coproduzir um DVD educativo em parceria com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Garantir que o espírito da Declaração seja mundialmente aceito resultará na promoção do socorro com foco consistente nos direitos humanos, conduzido pelos governos nacionais e regionais.
O desafio central da comunidade internacional no século 21 é criar uma cultura de direitos humanos. E a SGI trabalha para reforçar a contribuição da sociedade civil neste processo.
A este respeito, proponho maior ênfase no papel que a mulher desempenha em todos os processos para redução do risco de desastres, assistência e reconstrução, como um objetivo prioritário da sociedade internacional.
Esperança na mulher
Em resposta aos desastres e “perigos da privação repentina”, é essencial atender à situação de cada um. Ao mesmo tempo, é imprescindível empoderar as pessoas para transformar suas próprias circunstâncias. É neste ponto que o papel da mulher é indispensável.
Em termos de desastres naturais, estudos indicam que a mulher é mais propensa a morrer do que o homem.47 E esta tendência aumenta com as dimensões da tragédia. Quando ocorre uma catástrofe, a mulher, além de suportar um fardo desproporcional das privações, tem seus direitos humanos e sua dignidade expostos a graves ameaças. É evidente que é preciso enfatizar as capacidades da mulher para contribuir no alívio e na reconstrução, e levá-las em conta no enfrentamento dessas adversidades.
O Quadro de Ação de Hyogo 2005-2015, aprovado na Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, realizada em 2005, continha a seguinte declaração: “A perspectiva de gênero deve ser integrada em todas as políticas de gestão do risco de desastres, planos e processos decisórios”.48 Infelizmente, como o Relatório de Avaliação Global de Redução do Risco de Desastres de 2011 assinalou, os progressos nesta matéria continuam insuficientes. É preciso mudar, e, para tanto, é necessário um mandato inequívoco e juridicamente vinculativo.
Tomemos o exemplo da Resolução nº 1.325, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em outubro de 2000, que reafirma a importância da igualdade de participação e total envolvimento da mulher em todos os esforços para manter e promover a paz e a segurança da vida. Isso transmite uma mensagem clara e poderosa ao mundo inteiro.
Mais de dez anos depois de aprovação, a plena implementação ainda é um desafio, é preciso constante apoio. Apesar disso, a existência da Resolução nº 1.325 é de grande importância, porque se tornou referência para a promoção de diversas iniciativas mundiais.
O ex-subsecretário-geral da ONU, Anwarul K. Chowdhury, que teve papel indispensável na aprovação da Resolução no 1.325, disse-me certa vez: “A cultura de paz fincará raízes mais fortes com a participação da mulher... Não existe mundo pacífico, no verdadeiro sentido da palavra, sem a participação da mulher”.49
As mulheres estão habilitadas a desempenhar um papel extremamente importante nas áreas de redução de desastres e recuperação. Com a devastação do terremoto no Haiti, cresce o reconhecimento dentro do sistema das Nações Unidas da necessidade de ampliar o âmbito da Resolução no 1.325 aos desastres naturais.
Proponho que o conceito de construção da paz na Resolução no 1.325 contemple a redução do risco de desastres e de recuperação, ou que uma nova resolução seja aprovada ressaltando o desempenho da mulher nesse trabalho.
O Japão foi o país-sede quando o Quadro de Ação de Hyogo foi aprovado. E sofreu grandes terremotos em Kobe, Tohoku e em outras áreas. Por isso, peço que o Japão tome a iniciativa de uma ação modelo para os demais países, pela melhora rápida de sua conjuntura interna, apta para prevenir catástrofes com a consciência do papel da mulher.
Michelle Bachelet é ex-presidente chilena e primeira diretora executiva da ONU Mulher, entidade criada há dois anos. Ela considera a capacidade de resistência e potencialidades da mulher:
“Vi em mim mesma o que as mulheres, nas circunstâncias mais difíceis, conseguem para suas famílias e para a sociedade desde que tenham chance. O poder de resistência, a dedicação ao trabalho e a sabedoria das mulheres continuam a ser os maiores recursos inexplorados da humanidade. Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais cem anos para revelar este poder”.50
A mulher deve ser empoderada como agente de mudança eficaz nas áreas de prevenção do risco de desastres, recuperação e reconstrução. Suas capacidades devem ser reconhecidas para resolução de conflitos, prevenção e construção de uma cultura de paz. É intolerável que a mulher continue a suportar o fardo mais pesado.
A SGI trabalha pela conscientização do papel central da mulher para uma cultura de paz, e promove, localmente, maior consciência sobre as contribuições da mulher em relação às catástrofes.
Uma sociedade sustentável

Outras questões preocupantes são: o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável — Rio+20 — será realizada em junho deste ano no Rio de Janeiro. Esta Conferência analisará a evolução dos trabalhos ao longo das últimas duas décadas, desde a Cúpula da Terra de 1992. Ela se concentrará em dois temas: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza; e o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável.
Ainda ocorrem debates sobre a definição do que seja “economia verde”. É importante não nos precipitarmos numa definição restrita deste conceito, simplesmente representando um compromisso entre as preocupações com o crescimento econômico concorrente e a proteção ambiental ou apenas uma nova ferramenta para a geração de emprego.
Em 2011, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) organizou uma conferência de jovens em Bandung, na Indonésia, que aprovou uma declaração sobre a economia verde: “Numa estrutura integrada verdadeiramente sustentável, o bem-estar, a igualdade social e a proteção ambiental têm o mesmo peso”.51 Estou inspirado com a esperança e o senso de responsabilidade desses jovens.
Gostaria da aprovação de metas comuns para um futuro sustentável como continuação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vão até 2015. A “versão zero” da Conferência Rio+20, resumo das declarações apresentadas aos organizadores da Conferência, refere-se à necessidade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Espero que todos os participantes desta deliberação se pautem pelos desafios que a humanidade enfrenta.
Até hoje, a sociedade internacional trabalha para a realização dos ODM, que incluem metas como a redução da miséria e da fome. Os ODM ajudaram a conduzir esforços para amenizar as desigualdades que já mencionei. Atualmente, há muitos pedidos de um novo conjunto de metas a partir de 2015.
Apoio com entusiasmo a tentativa de se estabelecer esses objetivos e espero vê-los dando continuidade ao espírito dos ODM de atenuar as distorções em nossa sociedade global geradas pela pobreza e pelas disparidades de renda. Devem também envolver uma gama completa de questões sobre segurança humana que nenhum país discordaria e, desta forma, unir as pessoas num empreendimento comum da humanidade no século 21.
Para este fim, proponho que a Conferência Rio+20 estabeleça um grupo de trabalho para estudar estes objetivos e inicie um diálogo. Os dois conceitos-chave dessa tarefa são a segurança humana e a sustentabilidade.
O que é a sustentabilidade? Em termos bem simples, penso que possa ser descrita assim: um modo de vida em que a conquista da minha felicidade não custe o sacrifício de outro; a determinação de não deixar para a próxima geração a nossa comunidade e o nosso planeta mais danificados do que eram quando chegamos. Uma sociedade sustentável é aquela cujo futuro não seja prejudicado pelas necessidades momentâneas do presente, mas onde as melhores escolhas sejam determinadas pelos interesses dos nossos filhos e netos.
A procura desses ideais não deve ser acompanhada pela obediência a regras impostas de fora nem como um fardo sufocante de responsabilidade. Pelo contrário, ela deve ser um desejo natural. O economista John Kenneth Galbraith (1908–2006) disse muito bem, certa ocasião em que conversávamos: “um século em que as pessoas falem: ‘Eu gosto de viver neste mundo’”.52
Eu estava motivado por sentimentos muito semelhantes quando escrevi em minha Proposta de Paz de 2008 que o esforço para alcançar os ODM deve ser não apenas para cumprir metas, mas para restaurar o sorriso no rosto daqueles que sofrem.
Não é preciso criar do zero a ética necessária para a concretização desta visão. Ela está nas religiões e culturas tradicionais, verdade que a sociedade contemporânea possui, mas perdeu de vista. Os povos indígenas iroqueses da América do Norte, por exemplo, recomendam: “Tenha sempre em vista não só o presente, pense nas futuras gerações, e mesmo naquelas cujas faces já estão sob a superfície da terra...”53
Da mesma forma, nas escrituras budistas encontramos as famosas palavras de Sakyamuni:
O que é visível e invisível,
Os que vivem perto e longe,
Os que nasceram e os que vão nascer
Que todos sejam felizes.54
A ética de um novo conjunto de metas para uma sociedade global sustentável deve ser trabalhada por meio de ações educativas para sensibilizar as pessoas de que não se trata de regras alheias. Mas sim de um juramento firmado na valorização da vida expressa nessas Declarações.
É indispensável que a formulação das metas considere cuidadosamente questões como a pobreza, a indigência e as desigualdades das condições de vida; lide com a variedade de ameaças imprevisíveis — tal como os desastres naturais —, a destruição de ambientes humanos e naturais, a proteção e o estudo da biodiversidade.
Para essas deliberações, devemos reunir recursos da sabedoria sobre o modo de viver e a sociedade que protegerão a vida, os meios de subsistência e a dignidade das pessoas que vivem e viverão na Terra.
Futuro energético
A ONU designou 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, destacando a importância da sustentabilidade como objetivo essencial da política energética. Neste contexto, devemos considerar as perspectivas presentes e futuras para produção de energia nuclear.
O acidente na Usina Nuclear de Fukushima, que se seguiu ao terremoto e ao tsunami de 2011, compete com o acidente de Three Mile Island, de 1979, e o desastre de Chernobyl, de 1986, em termos de alcance e gravidade. A situação ainda não foi totalmente controlada, e não há planos de armazenamento dos produtos do solo e dos resíduos expostos à contaminação radioativa. É uma ameaça permanente à vida de muitas pessoas.
Estima-se que levará aproximadamente quarenta anos para remover todo o combustível e outros materiais radioativos do reator, desmontá-lo completamente e desativar de modo seguro todas as instalações. Há questões pendentes relativas à viabilidade da recuperação ambiental da área contaminada pelos poluentes radioativos. Os efeitos, no longo prazo, sobre a saúde humana não são claros. Todos estes fatores impõem encargos para as gerações presentes e futuras.
Por mais de três décadas, persevero em manifestar minha grande preocupação com as consequências verdadeiramente imponderáveis de um grave acidente numa usina nuclear.
A herança negativa dessa atividade nuclear, com a eliminação necessária de resíduos radioativos, em funcionamento normal e sem acidentes, pode durar milhares de anos. Até hoje, nenhuma solução foi encontrada para o problema do armazenamento destes resíduos altamente radioativos.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi pertinente: “Como estamos dolorosamente aprendendo mais uma vez, os acidentes nuclea­res não respeitam fronteiras: são ameaças diretas para a saúde humana e para o meio ambiente... Como o impacto atinge toda a humanidade, essas questões devem ser seriamente debatidas globalmente”.55
Os problemas da produção de energia nuclear têm tal dimensão que não podem ser enfrentados de forma eficaz dentro dos limites da política energética de uma única nação.
Para o Japão — localizado numa zona geográfica que sofre cerca de 10% dos terremotos do mundo e onde os tsunamis são comuns —, parece impossível ser otimista quanto à prevenção de acidentes.
Clamo pela rápida adoção de uma política energética que não dependa da energia nuclear. O Japão deve colaborar com os países pioneiros na pesquisa de fontes renováveis de energia e desenvolver projetos em conjunto para reduzir os custos dessas tecnologias. Deve promover uma inovação tecnológica que facilite a introdução de novas fontes de energia nos países em desenvolvimento que hoje enfrentam este problema.
A adoção destas novas fontes requer medidas criadoras de polos industriais alternativos nas comunidades dependentes economicamente da usina ou onde estas fornecem energia.
É urgente que todos os Estados colaborem com a resolução dos desafios da energia nuclear. Em abril de 2011, passados vinte e cinco anos do acidente de Chernobyl, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apresentou seu parecer: “Devemos tratar a segurança da energia nuclear com a mesma seriedade que dispensamos às armas nucleares”.56
O dano à saúde e ao ambiente, decorrente da exposição à radioatividade, é o mesmo, independentemente da fonte: produção, testes e uso de armas nucleares, liberação de radioatividade durante a geração de energia, ou acidente numa usina nuclear.
Desde o início das operações da primeira usina nuclear na União Soviética em 1954, muitos reatores chegaram ao fim da sua vida útil. Apesar disso, os resíduos desses reatores aumentam em ritmo proporcional ao do número das usinas nucleares em funcionamento.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) concentra esforços na área de pesquisa e desenvolvimento do uso “pacífico” da energia nuclear, dando assistência às usinas nucleares e ao intercâmbio de informação científica e know-how tecnológico, e impedindo o desvio de materiais e tecnologias para fins bélicos.
Diante da situação da produção de energia nuclear — trazida à tona pelo acidente de Fukushima —, é imperativo que, além de suas responsabilidades, a AIEA assuma a liderança na promoção da cooperação internacional quanto à fase final do ciclo do combustível nuclear.
A AIEA deve ainda exercer o papel central no socorro aos danos provocados pelos acidentes em usinas e para a desativação das centrais nucleares obsoletas.
Fim das armas nucleares
Agora, proponho ideias concretas para o cumprimento da proibição e abolição das armas nucleares.
O acidente nuclear de Fukushima reacendeu a inquietação com a poluição radioativa desencadeada pelos testes com armas nucleares realizados a partir de 1950.
Este ano comemora-se o quinquagésimo quinto aniversário da declaração do segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, clamando pela proibição das armas nucleares. Essa declaração foi feita quando era mais acirrada a concorrência entre os possuidores do poder atômico por armas ainda mais destruidoras.
O presidente Toda declarou: “Mesmo que neste momento cresça no mundo inteiro o movimento para abolir os testes nucleares, meu desejo é atacar o problema pela raiz: cortar as garras ocultas na sua origem”.57
Neste trecho, ele estava convencido de que a proibição de testes de armas nucleares era essencial, porque uma solução mais eficaz não seria possível enquanto as políticas de segurança nacional, que acarretam sofrimento e sacrifício dos cidadãos, permacessem inalteradas.
Antes desta declaração, o presidente Toda propôs o conceito de chikyu minzokushugi, “nacionalismo global” ou “unidade dos povos do mundo”, que corresponde ao que hoje chamamos “cidadania planetária”.
Este conceito resume sua aversão à ideia do sacrifício da nação ou do povo pela guerra. Ele lutou pelo fim da guerra por meio da solidariedade dos cidadãos.
Este foi o motivo da sua declaração de setembro de 1957, exatamente a seis meses de seu falecimento. Concentrado nas armas nucleares, em atacar o problema pela raiz, o presidente Toda buscou eliminar o que considerava “maligno” que servia de impedimento ao progresso dessa luta. Além disso, declarou sua esperança de que esta empreitada seria realizada pela geração mais jovem.
Ainda que as armas nucleares não sejam utilizadas em ataques reais, os processos de sua produção, testes e armazenamento afetam gravemente a vida dos seres humanos e do meio ambiente. Isso é comprovado pelo enorme estrago causado pelo teste dos Estados Unidos com a bomba de hidrogênio detonada no Atol de Bikini, em março de 1954, três anos antes da declaração do presidente Toda.
Mesmo com o fim dos testes, os problemas não estariam resolvidos. Porque só a decisão de possuir armas nucleares já manifesta a disposição de sacrificar vidas e a saúde do planeta em nome da segurança nacional. Se assim for, qualquer coisa pode ser justificada em nome da necessidade militar.
As armas nucleares são a principal personificação dessa mentalidade. O Budismo explica que a “escuridão fundamental da vida” é a origem primária desses impulsos negativos, como ira, avareza e estupidez, raízes venenosas da guerra e de outras calamidades.
É deste aspecto tenebroso da natureza humana que surgem o desprezo, o ódio, a crueldade e a insensibilidade diante da vida. A menos que esse impulso de desrespeito e desconsideração à vida seja superado, a mente humana, que dá origem à miséria e ao sofrimento da guerra, permanecerá igual, mesmo que seja evitado o uso efetivo de armas nucleares.
O presidente Toda insistia nesta questão: as armas nucleares nunca podem ser aceitas como um mal necessário, mas devem ser rejeitadas, proibidas e extirpadas como um mal absoluto.
Na verdade, a necessidade militar é algo que o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) foi incapaz de solucionar no seu parecer sobre a Legalidade da Ameaça ou do Uso de Armas Nucleares emitido em 1996.
Embora considere essa ameaça ou uso de armas nucleares, em geral, ilegal pelo direito humanitário internacional, o TIJ decidiu que era incapaz de proferir uma decisão definitiva “numa circunstância extrema de autodefesa, na qual a própria sobrevivência de um Estado estivesse em jogo”.58
O acordo alcançado por unanimidade na Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) (2010) pode ser entendido como o preenchimento dessa lacuna legal e um reforço ao argumento da ilegalidade das armas nucleares.
Para citar o documento final da Conferência:
A Conferência exprime profunda preocupação com as consequências catastróficas do uso de armas nucleares e afirma a necessidade de todos os Estados, em qualquer momento, respeitar o direito internacional aplicável, inclusive o direito humanitário internacional.59
A frase “todos os Estados, em qualquer momento” indica a obrigação legal de que nenhuma exceção será tolerada. Na minha proposta para abolição das armas nucleares de setembro de 2009, solicitei um movimento que manifestasse a vontade dos povos do mundo para a proibição das armas nucleares. Argumentei que o movimento seria estabelecido pela norma internacional de 2015 que servirá de base para a Convenção sobre Armas Nucleares (NWC), proibindo formalmente estas armas de destruição em massa.
O acordo da Conferência de Revisão TNP, em 2010, abre um caminho para este esforço. Devemos, o mais rápido possível, dar ao acordo caráter juridicamente vinculativo na forma de tratado.
Em geral, a edição de novas normas internacionais passa pelas três fases seguintes:
1. As limitações da atual norma se tornam claras, e são feitos requerimentos por uma nova abordagem.
2. O reconhecimento da necessidade de uma nova norma se espalha, e recebe apoio de numerosos governos.
3. A nova norma é aceita pela comunidade internacional, é formalizada e ganha a expressão institucional de tratado.
Creio que, no tocante à proibição das armas nucleares, estamos num momento-chave: exatamente no início da segunda etapa, antes de começar a “receber apoio de numerosos governos”. Sinto-me encorajado a adotar este ponto de vista pela sequência dos últimos acontecimentos:
• A iniciativa da sociedade civil para elaborar um modelo de Convenção sobre Armas Nuclea­res (NWC) em 1997 foi seguida de um projeto revisado, lançado em 2007, demonstrando o bom encaminhamento do processo de revisão das medidas legais para assegurar a abolição das armas nucleares.
• Desde 1996, a Malásia e outros países propõem, anualmente, junto à Assembleia Geral da ONU uma resolução exigindo que se iniciem negociações para uma Convenção sobre Armas Nucleares (NWC). Cresce o apoio a esta resolução: no ano passado, 130 Estados-membros apoiaram esta iniciativa, dentre eles China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Irã.
• Em 2008, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, propôs negociações para uma Convenção sobre Armas Nucleares (NWC) ou instrumentos distintos que se reforcem mutuamente.
• A Conferência de Revisão do TNP em 2010 observou esta proposta e aprovou com unanimidade seu documento final.
• A União Interparlamentar (UIP) — composta por 159 países, entre eles Rússia, Reino Unido, França e China — apoia, por unanimidade, esta proposta.
• A Rede Prefeitos pela Paz, com mais de 5.100 cidades e municípios no mundo, pede ativamente o início imediato das negociações para uma NWC. Da mesma forma, o Conselho de Interação, formado por ex-chefes de Estado e de governo, solicita a assinatura desta Convenção.
• Em setembro de 2009, o Conselho de Segurança da ONU realizou uma cúpula especial que aprovou a Resolução nº 1.887, comprometendo-se a criar as condições para um mundo sem armas nucleares.
• O agravamento da crise econômica provocou uma reavaliação dos gastos militares, inclusive, por parte dos Estados possuidores de armas nucleares. Finalmente os custos desses armamentos estão em debate.
Embora nenhum desses acontecimentos, por si só, represente um avanço decisivo, em conjunto, constituem uma dinâmica forte e irreversível para um mundo livre de armas nucleares.
A liderança da sociedade no projeto da Convenção sobre Armas Nucleares, por meio de petições e outras atividades, demonstra que as fontes espiritual e normativa para a abolição dessas armas malignas estão no coração e na mente dos cidadãos comuns.
O que importa agora é manter viva essa consciência — a determinação de que jamais se repita a tragédia causada pelas bombas atômicas e que humanidade e armas nucleares não podem coexistir — e dar-lhe forma de um acordo jurídico expressando o consenso da sociedade.
Expandir o ativismo antinuclear
É imprescindível a força de um movimento que apoie a Convenção sobre Armas Nucleares. Para isso, além do direito humanitário internacional, deve-se recorrer às esperanças dos direitos humanos e da sustentabilidade para enfocar e mobilizar a atenção à vontade dos povos do mundo — principalmente da juventude — para um mundo sem armas nucleares.
Com foco nos direitos humanos e na sustentabilidade, vemos de modo claro o encargo inaceitável deixado para as gerações presentes e futuras, por meio de políticas de segurança basea­das em armas nucleares, usadas ou não.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) é um dos principais documentos que garantem os direitos humanos em escala global. Em 1984, o Comitê de Direitos Humanos — responsável pela supervisão da implementação do Pacto — divulgou um Comentário Geral:
Projetar, testar, fabricar, possuir e utilizar armas nucleares são as maiores ameaças ao direito à vida que atualmente desafiam a humanidade. A grave existência desta ameaça gera um clima de desconfiança e medo entre os países, o que contraria o respeito universal, os direitos humanos e as liberdades fundamentais, asseguradas pela Carta das Nações Unidas e o Pacto Internacional de Direitos Humanos.60
Enquanto existirem armas nucleares, persiste a tentação de ameaçar os outros com o poder militar esmagador. Isso gera um ciclo vicioso: a intimidação militar provoca insegurança, que, por sua vez, incita a expansão da capacidade bélica, estimulando a proliferação de armas de destruição em massa. Esse impacto desestabilizador sobre o planeta é incalculável.
Não podemos deixar de considerar quanto de melhorias e de expansão de oportunidades educacionais e para o bem-estar da humanidade teria sido possível se os enormes gastos com recursos materiais e humanos em armas nuclea­res e convencionais fossem destinados para proteger vidas, seus meios de subsistência e sua dignidade.
Bertrand Russell (1872-1970) é um renomado filósofo britânico especialmente conhecido por colaborar com Albert Einstein (1879-1955). Russel criticou incisivamente a natureza do mundo em que vivemos numa declaração pedindo o fim da guerra e a eliminação das armas nucleares, em 1955:
Nosso mundo deu origem a um estranho conceito de segurança e a um sentido de moralidade distorcido. As armas são abrigadas como tesouros, enquanto as crianças estão expostas à incineração.61
Movido pelo desejo urgente de reverter as crueldades e os absurdos denunciados por Russel, na Proposta de Paz de 2010, clamei pelo desarmamento como necessidade humana, a fim de implementar o espírito do artigo 26 da Carta das Nações Unidas.
Além disso, Jakob Kellenberger, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a partir da perspectiva da sustentabilidade, advertiu em abril de 2010:
As armas nucleares são únicas em seu poder destrutivo, no indescritível sofrimento humano que causam, na impossibilidade de controlar os seus efeitos no espaço e no tempo, nos riscos em escala que elas criam, e na ameaça que representam para o ambiente, para as futuras gerações, e de fato, para a sobrevivência da humanidade.62
Este é um alerta sobre o caráter desumano das armas atômicas e o perigo que representam para a sustentabilidade. Junto com a resolução aprovada pelo Conselho de Delegados da Cruz Vermelha Internacional e pelo Movimento Crescente Vermelho, em novembro de 2011, pedindo a eliminação das armas nucleares, esta é uma mensagem que os Estados detentores de armas nucleares devem dar atenção.
O mundo continua sob a ameaça de mais de 20 mil ogivas nucleares. Isso representa a capacidade de matar ou de ferir gravemente os habitantes da Terra e seus descendentes, e de destruir o ecossistema global diversas vezes. Somos forçados a perguntar: o que exatamente é protegido por esta capacidade destruidora inimaginável? Se mesmo uma pequena parte da população de uma das nações combatentes sobreviver, o que a aguarda dificilmente poderia ser chamado de futuro.
Ao agregarmos as ações pelos direitos humanos e pela sustentabilidade — questões universais que afetam cada pessoa — às preocupações já previstas pelo direito humanitário internacional, expandiremos a rede de ativistas que trabalha por um mundo livre de armas atômicas.
Minha esperança é que este nosso trabalho de conscientização ajude na mudança do pensamento dos países possuidores de armas nuclea­res e daqueles cujas populações vivem sob a “dissuasão ampliada” [reconsideração da necessidade de armas nucleares] proferida por esses Estados. É fundamental que os cidadãos dessas nações entendam que as políticas de posse de armas nucleares e de dissuasão representam uma violação dos seus direitos humanos e amea­çam a segurança de um futuro sustentável.
Devemos iniciar negociações concretas que levem à Convenção sobre Armas Nucleares (NWC). A melhor maneira seria apresentá-la como tratado-base, com fundamentos legais de um mundo sem armas nucleares, aliado a um conjunto de protocolos anexos.
Com o tratado-base, os Estados signatários se comprometeriam com um mundo livre de armas nucleares, à luz dos imperativos do direito humanitário internacional, dos direitos humanos e da sustentabilidade, e com a promessa de não participar de qualquer ação que contrarie a realização deste objetivo ou este princípio. Os protocolos indicariam as atividades proibidas: desenvolvimento e produção, uso ou ameaça de uso dessas armas e procedimentos para a desativação e verificação.
O ponto central desta proposta é estabelecer uma estrutura na qual todos os países possam trabalhar nesse empreendimento global compartilhado da humanidade — abolição das armas nucleares — em condições seguras, física e psicologicamente.
Acredito que esta fórmula poderia abrir um caminho para os Estados olharem além de sua atual condição nuclear e avançarem em direção a um objetivo comum de um mundo sem armas de destruição em massa. Este tratado tornaria mais fácil para os Estados signatários reduzirem o confronto e darem passos concretos na redução da ameaça mútua, com vistas a alcançar a meta estabelecida.
Esta proposta serviria como um roteiro para uma transição estrutural da ameaça mútua para segurança mútua.
Mesmo no caso em que os tratados avancem para a próxima fase de implementação e os protocolos não sejam ratificados imediatamente, seria possível evitar a situação que prevalece no mundo hoje, marcada pela grave falta de transparência e pela ameaça de proliferação desenfrea­da. Em vez disso, seria criada uma moratória de armas nucleares alicerçada na norma jurídica e numa visão futurista e global.
É vital começar agora. As organizações não governamentais e os governos inovadores devem formar um grupo para dar este grande passo, que eu gostaria de chamar, provisoriamente, de “Grupo de Ação para a Convenção sobre Armas Nucleares”. A SGI está pronta para assumir um papel ativo neste processo.
À medida que a elaboração desse trabalho avança e os planos e protocolos se desenvolvem, é de grande importância mobilizar a opinião pública mundial para angariar apoio de um número expressivo de governos — [essa mobilização será] impulsionada pela força e pela paixão dos jovens.
Desejo ver tanto a edição — ou melhor ainda, a assinatura — de um projeto consensual da estrutura do tratado-base para a proibição e abolição das armas nucleares até 2015, e proponho Hiroshima e Nagasaki como locais adequados para isso.
Há algum tempo peço a convocação de uma Cúpula pela abolição das armas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, para marcar o fim efetivo da era nuclear. O evento poderia ocorrer no septua­gésimo aniversário dos atentados contra essas cidades, com a participação de líderes das nações e de representantes da sociedade mundial. A Conferência de Revisão do TNP, prevista para 2015, é uma boa oportunidade para essa Cúpula.
Até hoje, as Conferências de Revisão do TNP foram realizadas em Nova York ou em Genebra. Dentre outras, há dificuldades logísticas na mudança de local. Mas se a Conferência vier a tomar a forma de Cúpula pela abolição das armas nucleares ou Revisão do TNP, o efeito da organização desse encontro nos locais reais daqueles atentados atômicos ajudará a renovar o compromisso dos participantes — a começar pelos chefes de Estado e de governo — com um mundo livre das armas nucleares, tornando o ímpeto em direção a esse objetivo irreversível.
Nos últimos anos, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, William J. Perry, junto com o ex-secretário de Estado, Henry A. Kissinger e outros líderes, tem feito repetidos apelos por um mundo livre do poderio atômico. Ele descreveu o impacto que sentiu em sua visita ao Atomic Bomb Dome e ao Memorial da Paz de Hiroshima:
As terríveis imagens do rescaldo das bombas atômicas estão gravadas em minha mente. Eu pensava que entendia plenamente os horrores do bombardeio atômico. Mas agora, através dessas imagens, ver e sentir a miséria criada por essas armas ampliou a minha compreensão do enorme poder e da tragédia que pode ser desencadeada por elas. Essa experiência reforçou minha convicção de que as armas nucleares jamais deverão ser usadas de novo em qualquer lugar da Terra.63
Todos os que visitarem Hiroshima reagirão de forma diferente, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que se comoverão de forma significativa.
Em última análise, a única maneira de ultrapassar o impasse atual — no qual a proliferação continua inabalável e o pesadelo de uso real é uma possibilidade — é fazer aumentar no mundo o número de pessoas que entendam que esta é uma questão que incide diretamente sobre a sua própria vida e sua dignidade, como também sobre a de seus filhos e seus netos.
Em 2007, comemorando o cinquentenário da Declaração pela Abolição das Armas Nuclea­res, feita por meu mestre, Jossei Toda, a SGI lançou a “Década dos Povos para Abolição Nuclear”, com o objetivo de reunir as vozes vindas do mundo inteiro. A exposição antiarmas nucleares “De uma Cultura de Violência para uma Cultura da Paz: Transformando o Espírito Humano”, elaborada como parte dessa campanha, já visitou mais de 220 cidades do mundo e ainda está em exibição.
Além disso, a SGI colabora com a Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares (ICAN), organizada pela Associação Internacional de Médicos pela Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW), para promover globalmente a solidariedade popular e a adoção da Convenção sobre Armas Nucleares (NWC). E trabalha com a Inter Press Service (IPS) — agência internacional de notícias — num projeto conjunto de comunicação internacional na busca de propostas e ideias para um mundo sem armas nucleares.
O Instituto Toda para a Paz Global e Pesquisa Política, que fundei em 1996, iniciará um projeto de apoio ao movimento global para a expansão das zonas livres de armas nucleares (NWFZ).com uma aplicação local.
As palavras do presidente Jossei Toda, proferidas há mais de meio século, ainda ecoam em meu coração: “Àqueles que se consideram meus alunos e discípulos, peço que herdem a declaração que fiz hoje e que propaguem seu propósito pelo mundo inteiro”.64
Com os jovens da SGI, estou determinado a cumprir o juramento que fiz ao meu mestre, trabalhando para que as pessoas alcancem por esforço próprio, uma forma de ajudar na construção de um mundo livre do terror das bombas atômicas. Assumindo este desafio sem precedentes, nosso empenho é trabalhar com todos aqueles que compartilham esta mesma aspiração.
Um juramento de todos
Nesta proposta, examinei os seguintes desafios: prevenção e redução de desastres, proteção à integridade do meio ambiente global e redução da pobreza, bem como abolição das armas nucleares. E propus ainda ideias concretas para a resolução destes desafios. Nenhum destes problemas será resolvido do dia para a noite e sem um grande esforço. Mas, se nos valermos da energia e do cuidado dos “cidadãos comuns” — que possuem dentro de si um potencial ilimitado —, nascerá um caminho .
Há sessenta anos, meu mestre fez um apelo para que todos se considerassem cidadãos do mundo. E, cinco anos depois, ele fez a Declaração que falo nesta proposta, insistindo na proibição e abolição de todas as armas nucleares. Esta era sua consistente convicção de que devemos agir hoje mesmo para servir aos interesses da humanidade dos cem ou duzentos anos futuros.
Suas palavras de grande paixão, divididas comigo e a mim confiadas como seu discípulo, têm servido como fonte de inspiração inesgotável, como um juramento que compartilho e mantenho decidido a cumprir. O presidente Toda disse:
Você precisa não somente apresentar propostas concretas para a paz da humanidade, mas deve assumir o comando dos trabalhos para a sua prática. Mesmo quando essas propostas não forem total ou imediatamente aceitas, elas podem servir como uma “faísca” de um movimento pela paz que se espalhará rapidamente. Teorizar sobre o que não está fundamentado na realidade será sempre um exercício inútil. Propostas concretas fornecem a estrutura para a transformação da realidade e podem servir para proteger os interesses da humanidade.
As propostas de paz que venho escrevendo durante os últimos trinta anos representam meu esforço para cumprir o juramento ao meu mestre.
Estou convencido de que não há força maior para a solução dessas difíceis questões — nesta e em todas as minhas outras propostas — do que um profundo senso de solidariedade entre os povos do mundo. Para este fim, meus companheiros da SGI nos 192 países e territórios e eu estamos empenhados, dia a dia, em despertar a luz e a chama da coragem e da esperança por meio do diálogo.
A luta pela paz, assim como pelos direitos humanos e pela humanidade, não é aquela em que, atingido o pico da montanha, o objetivo final é conquistado. Pelo contrário, é um trabalho que gera um fluxo ininterrupto e imparável de comprometimentos interligados e que passa de uma geração a outra. Esta é a convicção que sustenta nossos esforços para ajudar a construir um futuro melhor para todos.
Com essa ardente convicção, continuaremos a promover um movimento de empoderamento que é “do”, “para” e “pelo” povo, consolidando o alicerce para uma sociedade mundial de paz e convivência harmoniosa.

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