Senso
Incomum
Juiz não é gestor nem gerente. Ele deve
julgar. E bem!
Um
pouco de história
Como pensávamos antes de 1988? O que mudou no imaginário dos juristas desde então? Esta é uma pergunta que os alunos costumam fazer. Veja-se que, por exemplo, promulgada a nova Constituição em 1988, a composição do Supremo Tribunal Federal continuou a mesma. Repetimos o que já havíamos feito na Constituição de 1824, recepcionando os conselheiros da Casa de Suplicação. E repetimos o que fizemos em 1891, quando, já na República, sob a égide da nova Constituição constituímos o Supremo Tribunal com os antigos conselheiros do velho Superior Tribunal de Justiça. Com isso, tornaram-se ministros do STF republicano dois “nobres”, com título e tudo.
Como pensávamos antes de 1988? O que mudou no imaginário dos juristas desde então? Esta é uma pergunta que os alunos costumam fazer. Veja-se que, por exemplo, promulgada a nova Constituição em 1988, a composição do Supremo Tribunal Federal continuou a mesma. Repetimos o que já havíamos feito na Constituição de 1824, recepcionando os conselheiros da Casa de Suplicação. E repetimos o que fizemos em 1891, quando, já na República, sob a égide da nova Constituição constituímos o Supremo Tribunal com os antigos conselheiros do velho Superior Tribunal de Justiça. Com isso, tornaram-se ministros do STF republicano dois “nobres”, com título e tudo.
Na
verdade, nunca tivemos grandes rupturas. Acostumamo-nos a ver o novo com os
olhos do velho. Imaginemos os velhos conselheiros, novéis ministros do STF da
República, julgando inconstitucionalidades, coisa que não existia no Império.
Pouco pode nos surpreender, quando falamos em “questões paradigmáticas”.
Antes
da CF 88, a não democracia. A ditadura. O regime autoritário. A luta do jurista
crítico era contra essa estrutura jurídica “que aí estava”. Se ele não fosse
para a política (ou para outro tipo de luta), tinha que lutar dentro da
institucionalidade. Ou seja, nas brechas da institucionalidade, o jurista “de
oposição” (não partidária, mas de oposição ao autoritarismo) tinha que se
desdobrar para levar adiante e ter êxito nos seus pleitos (habeas corpus,
mandados de segurança etc.). Correntes críticas de várias tendências se
formaram. O realismo jurídico deu azo às posturas ditas alternativas. Um certo
marxismo concebeu o “direito achado na rua”. As correntes linguísticas buscavam
nas brechas do texto legal, repleto de vaguezas e ambiguidades, o direito de
seus clientes. Outras posturas, sem maior filiação epistêmica, faziam do
axiologismo um modo de ultrapassar as barreiras ônticas da estrutura
autoritária do sistema implantado pelo regime militar. Veja-se, por exemplo, a
importância (até) de um positivista-axiologista como Recasens Siches, para
mostrar as insuficiências do positivismo formal(ista). No fundo, qualquer um
que se colocasse contra o formalismo legal era considerado aliado, desde que,
teleologicamente, suas posições fossem contra o establishment.
E
chegamos à democracia
E assim conquistou-se a democracia. E construímos a Constituição, que albergou a expressiva maioria de nossos pleitos. Na dúvida, emplacamos tudo no texto da Constituição. Afinal, se nem a lei se respeitava, quem sabe o novo regime pós/88 respeitaria o texto da Constituição? Veja-se que, já então, apostava-se em uma nova textualidade. Claro que não uma textualidade exegética, e, sim, uma nova, daquelas que fizeram com que, na Europa, os juristas progressistas que se forjaram no direito pós-bélico (pós 1945) passassem a apostar em um certo objetivismo do texto constitucional, aquilo que Elias Diaz chamará, depois, de “legalidade constitucional”.
E assim conquistou-se a democracia. E construímos a Constituição, que albergou a expressiva maioria de nossos pleitos. Na dúvida, emplacamos tudo no texto da Constituição. Afinal, se nem a lei se respeitava, quem sabe o novo regime pós/88 respeitaria o texto da Constituição? Veja-se que, já então, apostava-se em uma nova textualidade. Claro que não uma textualidade exegética, e, sim, uma nova, daquelas que fizeram com que, na Europa, os juristas progressistas que se forjaram no direito pós-bélico (pós 1945) passassem a apostar em um certo objetivismo do texto constitucional, aquilo que Elias Diaz chamará, depois, de “legalidade constitucional”.
Passados
25 anos, como estamos? Continuamos com o velho Código Penal, que tantas vítimas
já fez e vem fazendo. Sim, esse mesmo CP que privilegia a propriedade em
detrimento da vida e que pune com mais rigor os crimes interindividuais do que
os crimes metaindividuais. O velho CPC, que sempre apostou no protagonismo
judicial (ah, o dano causado pelo instrumentalismo processual!), depois de todo
o estrago já causado, agora será substituído por um novo código, repristinando
os velhos defeitos, com a agravante de querer a duras penas “commonlizar” nosso
sistema — tido ainda como da família romano-germânica. O novo texto não
conseguiu se livrar, por exemplo, do livre convencimento e dos embargos
declaratórios, só para falar desses dois sintomas do “problema paradigmático”
que aflige nosso direito. Já o velho Código de Processo Penal não tem jeito
mesmo. Nos últimos tempos, a grande inovação (positiva) não vem sendo cumprida
pelo Judiciário. Ou seja, o artigo 212, ao institucionalizar o sistema
acusatório, acabou letra morta, com os juízes continuando a produzir prova,
como no tempo de Abrantes. O projeto do novo CPP? Repete os mesmo erros do
velho, como se o tempo não tivesse passado... Nem vou falar do Código Civil,
paraíso das cláusulas abertas, espaço privilegiado da discricionariedade. Nem
vou falar do Código do Consumidor, que “colocou” o call center dentro do
Poder Judiciário (palavras do ministro Luis Salomão, do STJ). E o Direito
Tributário? Virou o paraíso das invenções hermenêuticas. Tem até “ponderação de
regras”, postulados, “normas-regras” (o que seria isso?), para dizer o mínimo.
A
ressaca teorética
Isso tudo porque, promulgada a Constituição, passamos por uma ressaca. Ainda inseridos no antigo imaginário (formalismo versus “qualquer postura apta a derrotar esse inimigo comum), demoramos a perceber a necessidade de uma (nova) teoria das fontes, uma (nova) teoria da norma, uma nova teoria que desse conta da interpretação da Constituição e, finalmente, uma teoria da decisão, para impedir que, nesse novo patamar, passássemos a decidir de qualquer modo, ainda com o olho nos velhos dilemas.
Isso tudo porque, promulgada a Constituição, passamos por uma ressaca. Ainda inseridos no antigo imaginário (formalismo versus “qualquer postura apta a derrotar esse inimigo comum), demoramos a perceber a necessidade de uma (nova) teoria das fontes, uma (nova) teoria da norma, uma nova teoria que desse conta da interpretação da Constituição e, finalmente, uma teoria da decisão, para impedir que, nesse novo patamar, passássemos a decidir de qualquer modo, ainda com o olho nos velhos dilemas.
Nesse
contexto, importamos, de forma equivocada (porque descontextualizada), a
jurisprudência dos valores, a teoria da argumentação jurídica (cuja vulgata
possibilitou o uso indiscriminado da ponderação, essa doença contemporânea da
interpretação) e o ativismo judicial de origem norte-americana (como se os
ativismos de lá fossem “sentimentos constitucionais” e não meramente
contingenciais em face das composições da US Supreme Court).
Resultado
disso: uma aplicação do direito fragmentada, dando vazão aos “sentimentos
pessoais” de cada julgador. No STF, não é difícil perceber isso, a partir da
tese, repetida ad nauseam, de que “o juiz primeiro decide e depois busca
o fundamento” ou que “a interpretação da lei é um ato de vontade”, como se isso
fosse uma novidade e não fosse algo dito por Kelsen em contexto totalmente
diferente (com efeitos colaterais desastrosos!).
Claro
que o establishment deu uma resposta darwiniana a esse estado de
natureza interpretativo, em que uma portaria ainda vale mais do que a
Constituição e em que não é difícil ver decisões que, em um dia, negam a
insignificância em R$ 80 e, dias depois, a deferem em valores superiores a R$ 1
mil. E qual foi ou tem sido a resposta? Súmulas vinculantes, repercussão geral,
recursos repetitivos, “commonlização” do sistema e criação sistemática de
mecanismos conhecidos como “jurisprudência defensiva”, como alertado
recentemente por José Miguel Garcia Medina aqui mesmo na ConJur (clique aqui para ler), para evitar que a malta leve seus
pleitos aos Tribunais Superiores.
A
crise da Justiça é questão de “gestão”? Não! Juiz não é gestor!
Esse terreno é fértil para o surgimento de soluções no plano das neoteorias jurídicas, como por exemplo, apostar na “indústria” das efetividades quantitativas. Tudo para que se julgue teses e não mais causas. Tudo para que se julgue por atacado. Eis o campo para o florescimento das teorias da “gestão”. Solução mágica que “vende muito por aí”. Sim, a solução é a gestão dos processos. Há problemas na aplicação do Direito? Bingo: venha estudar gestão em pós-graduação. Tem agora até MBA. “Juiz deve ser gestor”, como tenho lido em muitos textos e folders propagandeando novos cursos de especialização e mestrados profissionalizantes.
Esse terreno é fértil para o surgimento de soluções no plano das neoteorias jurídicas, como por exemplo, apostar na “indústria” das efetividades quantitativas. Tudo para que se julgue teses e não mais causas. Tudo para que se julgue por atacado. Eis o campo para o florescimento das teorias da “gestão”. Solução mágica que “vende muito por aí”. Sim, a solução é a gestão dos processos. Há problemas na aplicação do Direito? Bingo: venha estudar gestão em pós-graduação. Tem agora até MBA. “Juiz deve ser gestor”, como tenho lido em muitos textos e folders propagandeando novos cursos de especialização e mestrados profissionalizantes.
Nesse
sentido, li na Folha de S.Paulo do último dia 3 de agosto, que juízes
devem investir em gestão para agilizar processos. O ilustre professor Pablo
Cerdeira, da FGV, considera que a saída para o problema da morosidade da Justiça
é os juízes aprenderem “gestão”. Como ninguém tinha pensado nisso antes? Para
que estudar Teoria do Direito, saber jurisdição constitucional, a diferença
entre regras e princípios, se a saída está em saber gerenciar os processos?
Claro que as neoteorias que apostam na gestão não se restringem à “questão da
agilização”. Na verdade, a onda é colocar a gestão para além disso, ou seja, a
aposta na gestão vem assumindo um caráter substancial. E nisso mora o perigo. O
meio se transforma em fim...
E
isso “pega”. O CNJ gosta dessas coisas. E estipula metas. Tudo vira
estatística. Ouvi falar que um juiz estadual precisa preencher todo mês nada
menos que 13 relatórios! E os cursos de pós-graduação em gestão aproveitam para
vender seu peixe. Ao invés de estudar Konrad Hesse e Gadamer, estudemos formas
de fazer o processo ir de estagiário a estagiário, passando por um
gerenciamento por temas. E como já há decisões padronizadas, basta que se
gerencie esse modelo aplicativo. Por exemplo, como diz o professor Cerdeira, protagonista
da matéria, na medida em que o TJ do Amazonas não alcançou as metas do CNJ,
isso foi assim porque não adotou processos integralmente digitais. Pronto. Eis
a solução para o Amazonas. E para todo o Brasil. Somando processos totalmente
digitais com gestão, teremos o nirvana processual. Nas Faculdades, nem
precisaremos mais estudar processos civil ou penal. Direitos fundamentais, nem
falar... O lema é: “Não precisamos mais de um bom juiz: precisamos de um bom
gestor”. Promotor de Justiça, defensor, procurador? Para quê? Basta um bom
“juiz gestor”! E se ele tiver pós-graduação em gestão, melhor ainda. Estará
treinado.
O
que quero dizer é que não estou dispensando ou menosprezando a importância de
que alguém faça uma otimização dos modos como se distribuem tarefas em um
determinado gabinete. Ninguém pode trabalhar de forma desorganizada. Não sou
ingênuo para não reconhecer a utilidade das novas tecnologias. Mas colocar
esses instrumentos como um fim é, exatamente, deslocar a discussão da qualidade
para a quantidade.
De
há muito perdemos o sentido do que seja “uma decisão jurídica adequada”. E já
vejo dissertações de mestrado e até teses de doutorado encantadas com esse
deslocamento. No fundo, mal sabem os adeptos dessas neoteorias que esses
modelos são meramente procedimentais. Kelsen era melhor que eles. A ele não
importava a qualidade da decisões. Aliás, para ele juízes não faziam ciência.
Faziam política jurídica. Então, para Kelsen — que ninguém mais estuda, porque
o melhor é, pós-modernamente (sem que saiba o que é essa palavra), estudar
coisas como “gestão” — não importa o acerto ou o erro ou o “justo ou o
injusto”.[1] Cada juiz, em
Kelsen, produz uma norma individual. Que vale, porque ele está autorizado para
isso. E se o sistema não corrigir, vale até mesmo a sentença mais absurda. Qual
é a diferença dessa cisão kelseniana (entre direito e ciência do direito) com a
total procedimentalização das decisões judiciais?
Aliás,
essa questão da ênfase na gestão assume ares de dramaticidade, se colocarmos a
discussão face aos recentes problemas do Exame de Ordem da OAB. Pergunto: Como
ficaria a tese da gestão aplicada à falta de qualidade das questões do Exame de
Ordem? Ou a tese da gestão não se aplica ao “sistema” de elaboração das
perguntas feitas à malta que quer ser advogado? Pergunto isso porque a mesma
instituição que aplica o Exame de Ordem é a instituição que mais aposta na
“questão da gestão”, como se pode ver na matéria assinada pelo professor
Cerdeira.
Fico
pensando na Medicina. O aluno, em vez de fazer uma tese sobre as complexidades
de uma operação cardíaca, é instado pelo seu professor-orientador a fazer uma
coisa mais gerencial, ou seja, escrever sobre o bisturi e sua eficácia (ou
sobre a entrada e saída de pacientes da UTI). Capítulo primeiro, a história do
aço; capítulo segundo, a sua invenção; capítulo terceiro, sua função; capítulo
final (conclusão genial): “sem bisturi não dá para operar”. Bingo!
A
crise do (e no) Direito decorre de falta de gestão ou falta de reflexão?
Em conversas com magistrados por todo o Brasil, os mais atentos já perceberam que esse discurso de juiz gestor é para anestesiá-los, para desfocar o real problema: a concentração de recursos nas cúpulas e o abandono, em especial, da Justiça de primeira instância. Na verdade, a Reforma do Judiciário só ajeitou o reboco do edifício. Não mexeu nas estruturas. E sem essa mexida não haverá resultados significativos. Transformar o juiz em gerente de entreposto judiciário, sem enfrentar a questão hermenêutica, é engodo. Serve para o exercício da vontade de poder das cúpulas e em benefício do estamento sempre próximo.
Em conversas com magistrados por todo o Brasil, os mais atentos já perceberam que esse discurso de juiz gestor é para anestesiá-los, para desfocar o real problema: a concentração de recursos nas cúpulas e o abandono, em especial, da Justiça de primeira instância. Na verdade, a Reforma do Judiciário só ajeitou o reboco do edifício. Não mexeu nas estruturas. E sem essa mexida não haverá resultados significativos. Transformar o juiz em gerente de entreposto judiciário, sem enfrentar a questão hermenêutica, é engodo. Serve para o exercício da vontade de poder das cúpulas e em benefício do estamento sempre próximo.
Não
sei se tenho paciência para continuar a discutir “coisas republicanas”.
Sinceramente, não sei. A cada semana, novas denúncias de uso de aviões,
passagens etc. Até o vice-presidente da Câmara usa jatinhos do Projeto Bolsa
FAB. E a desculpa: tem uma instrução normativa que autoriza (veja-se o modo
como são usadas e criadas “cotas de passagens aéreas” para ministros do STJ).
Ah, bom. Basta uma portaria ou uma resolução. Bingo! Feita por quem? E não há
teoria das fontes? Não há controle de legalidade-constitucionalidade? Ainda é
possível dizer que uma “norma” é legal, mas imoral? Para que serve o princípio
da moralidade? Estamos, por acaso, na era em que direito e moral estão
cindidos? Basta estar na lei que está “legal”? Então não serviu para nada a
virada copernicana ocorrida no Direito após o segundo pós-guerra? Veja-se,
pois, do que precisam saber nossos juízes e promotores... Estudar os grandes
conceitos do direito. É disso que precisamos.
Claro:
para que estudar isso? Parece que, segundo as neoteorias, melhor do que estudar
a boa doutrina e aprofundar-se na reflexão jurídica é estudar a informática no
Direito, novas formas de gerenciamento de processos, novas estatísticas e criar
mecanismos para impedir a subida de recursos. É isso. Tudo se transforma em
números: tenho um pé nas brasas e outro no gelo — na média, temperatura
ideal... Por sinal, o brilhante Otavio Luiz Rodrigues Junior, na sua Coluna do
dia 7 de agosto (clique aqui para ler), faz uma adequada crítica a uma
espécie de neoteoria que está se proliferando no país, que ele chama de “onda
da empiria”, isto é, feita por aqueles que pensam que só se pode falar do e
sobre o Direito a partir de dados empírico-jurisprudenciais. No fundo, trata-se
de um “gerenciamento de dados”, aproximando as teorias que apostam na gestão com
aquilo que é o seu instrumento: dados numérico-estatísticos. Em meu novo Jurisdição
Constitucional e Decisão Juridica (RT, 2013, páginas 290-295), mostro como
determinada pesquisa sobre os julgamentos do STF pode ser lida inversamente, ou
seja, com os mesmos números provo o contrário do que a autora queria
demonstrar. Esse problema também invade a ciência política, que, em muitos
casos, vem adotando a tática de check list para tentar demonstrar
determinadas teses (ou projeções).
Da
série “há algo mais nos céus do que os aviões de carreira”, poderia perguntar
se seria um problema de “gestão” ou “falta de gestão” a fragilidade com que
foram aplicadas, no julgamento da Ação Penal 470, teses como do domínio do fato
ou “o princípio da livre apreciação da prova”? Afinal, a crise do Direito é de
que ordem?
Quando
um banqueiro — que dá um “cano” de mais de R$ 3 bilhões — viaja para o
exterior, com autorização judicial e vai esquiar estroinando da malta, isso é
um problema de gestão ou um problema de decisão (ou decisão equivocada)? Juiz
deve aprender a gerenciar processos ou a julgá-los de acordo com o direito? Eis
a questão! Ainda: os mais de 8 mil homicídios por ano que não são sequer
investigados são um problema de gestão ou um problema de falta de estrutura,
desvirtuamento de função e incompetência individual? A humilhação daquele
estagiário e o consequente arquivamento do feito é um problema de gestão?
Esse
é o nosso país. Não estou, por óbvio, colocando “a culpa” da crise do e no
Direito em quem aposta na “gestão”. É claro que não. O que quero dizer é que
não devemos crer que, no meio de um grande tiroteio que é a crise da
operacionalidade do Direito, apareça alguém com uma solução de caráter
procedimental e queira “acabar com a discussão”. Se gestão resolvesse, a prova
da Ordem não seria desse nível. Então, por favor, não me tirem de bobo com
soluções mágicas. Perguntemos por aí como anda a operacionalidade do Direito...
O
que temos de fazer é estudar. Mudar os cursos jurídicos. Parar de ensinar
conceito prêt-à-porter, prêt-à-penser, prêt-à-parler.
Chega de simplificar livros. Paremos com a ficção. O maior exemplo do fracasso
disso tudo em terrae brasilis é o último exame de Ordem, em que, em um
exemplo de furto, apareceu um comprador, paraguaio, terceiro de boa-fé (sic)
e, em uma perseguição ininterrupta, a ladra teve tempo para esconder o carro
cleptado, indo depois até a fronteira do Paraguai, para vender o carro... Nada
mais precisa ser dito depois disso.
A
crise em três dimensões
Uma palavra final: há muito tempo, li um texto do Diogo Figueiredo Moreira Neto, em que ele mostrava que uma crise deve ser analisada sob três âmbitos: estrutural, funcional e individual. Vamos trazer isso para o caos do trânsito. Não adianta construir rodovias ou abrir novas ruas, se não cuidarmos da função, isto é, semáforos inteligentes, passarelas, túneis etc; mas também não adianta tratarmos da estrutura e da função, se tivermos péssimos motoristas...
Uma palavra final: há muito tempo, li um texto do Diogo Figueiredo Moreira Neto, em que ele mostrava que uma crise deve ser analisada sob três âmbitos: estrutural, funcional e individual. Vamos trazer isso para o caos do trânsito. Não adianta construir rodovias ou abrir novas ruas, se não cuidarmos da função, isto é, semáforos inteligentes, passarelas, túneis etc; mas também não adianta tratarmos da estrutura e da função, se tivermos péssimos motoristas...
Isto
é: não adianta abrir novos tribunais, contratar milhares de estagiários, novos
computadores, se não tratarmos do problema da funcionalidade do processo. Mas,
por favor, de nada adianta arrumarmos a estrutura e a função, se não tivermos
bons “operadores” desse sistema. E isso, lamento dizer àqueles que apostam em
“formulismos”, depende da ciência jurídica. Depende de um bom ensino jurídico.
De bons concursos. De provas do exame da Ordem sem pegadinhas. Depende, pois,
da reflexão. Depende da Teoria do Direito, da Constituição, do Processo... E
não de “gestão”. Vamos parar com esse neodiscurso “eficientista”. Vejam até
onde ele está nos levando. Juiz não é gerente. Juiz é julgador! Tem de aprender
a decidir. E bem. Quem faz mapa é cartógrafo. Quem faz estatística é matemático
(ou algo do gênero). Juiz tem de saber processo. Teoria. Tem de saber o que é
isto: o Direito. É isso!
[1] Na verdade, para que
estudar Kelsen, se ele era um positivista exegético, não? É o que se ensina por
aí. Diz-se que Kelsen era um positivista porque ele queria que o direito fosse
aplicado de forma pura... Não é de rir?
Lenio Luiz Streck
é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.
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Revista
Consultor Jurídico, 8 de agosto de 2013
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