Embargos
Culturais
Policarpo Quaresma é versão brasileira
de Dom Quixote
O
Triste Fim de Policarpo Quaresma é provavelmente o livro mais conhecido de
Lima Barreto. Trata-se de quase concepção de um Dom Quixote nacional.
Policarpo remete-nos aos heróis picarescos, é Tartarin de Taráscon,
outro exemplo deste tipo de herói.
O
Policarpo Quaresma é personagem de Lima Barreto que substancializa o problema
nacional brasileiro[1]. Trata-se de alternativa bem-humorada e
sardônica para as propostas formalistas e europeizantes da época, centradas em
autores como Gustavo Barroso, Alberto Torres e Coelho Neto, que imaginavam um
Brasil asséptico, que não refletia a imagem que visitantes faziam de nós, a
exemplo dos relatos colhidos nas expedições de William James e de Theodore
Roosevelt, americanos — um filósofo, outro político — que se aventuraram pela
Amazônia.
Nacionalista,
ufanista, preocupado com as coisas do país, Policarpo pretende falar tupi, e
deixar de lado o português, símbolo glotológico de interferências externas.
Policarpo é referência da presidência Floriano Peixoto, o marechal de ferro,
que o romance descreve como obtuso e atrabilhiário.
O
enredo é muito bem engendrado. Por conta da insistência de Policarpo em
utilizar o tupi como língua nacional, tem-se como consequência a forte suspeita
da alienação mental do herói. Aposentado por invalidez, Policarpo viverá num
sítio, onde se entusiasmou pela agricultura. Os fortes da política local — com
quem não compactuou —, a saúva e a impossibilidade de vender a safra o levaram
a bancarrota.
O
major seguiu para o Rio de Janeiro, com o objetivo de combater ao lado do
marechal Floriano Peixoto, ao longo da Revolta da Armada. Tornou-se carcereiro
na ilha na qual os revoltosos eram mantidos presos. Indignou-se contra a
aleatória escolha de doze presos que seriam executados. Enviou uma carta ao
presidente Floriano Peixoto, o que resultou em seu indiciamento como traidor, e
a condenação à pena de morte, o seu triste fim.
Policarpo
é um major, patético, cômico, suburbano. Seu nacionalismo é ridículo,
seu apego para com tudo o que é brasileiro indício de destempero mental.
Atemorizado por insetos e saúvas, Policarpo Quaresma representa um progresso
inexistente. Fisicamente, o major parecia ser bem tipicamente brasileiro.O
patriotismo era sua marca mais recorrente. O Policarpo Quaresma era um
estudioso do Brasil, de nossas coisas, de nossa história, de nossas riquezas.
Estudava a língua dos índios, com dedicação, e a literatura indianista. Fazia
de tudo que o circundava algo que se relacionasse com os nativos, reais e
imaginários. A biblioteca do major bem poderia ser a própria biblioteca de Lima
Barreto, descrição que aponto gostos e tendências do tempo retratado.
A
origem do major era confusa, ainda que indubitavelmente brasileira. O major
Policarpo Quaresma pretendia mudar o Brasil, colaborar com as alterações que se
faziam necessárias, sugerir, agir; era chegado o momento de se reconhecer a
força de nosso país. Um inusitado requerimento do major Policarpo fora dirigido
à Câmara. O major pretendia — simplesmente — que se abandonasse o português e
que se adotasse o tupi como língua nacional.
O
inusitado requerimento do major chamou a atenção sobre a pessoa. O Policarpo
Quaresma passou a ser ridicularizado, assunto dos jornais, e de todo tipo de
comentário maledicente. A situação era constrangedora, abalando o major; a
exposição ao público era transtorno. Na repartição onde trabalha o major
tornou-se motivo também de pilhéria e de certa irritação, que revelava a
falsidade e a pequenez da vida burocrática. Lima Barreto parece descrever a
repartição na qual trabalhava, ambiente que talvez contenha um pouco de todas
as repartições onde se deixam vidas e sonhos. Aposentado, o major seguiu para o
campo; passa a viver no sítio Sossego. O local, imagina Lima Barreto, não era
feio, mas não era belo. Policarpo Quaresma dedicou-se à agricultura, com toda intensidade,
como intensamente fazia tudo na vida. Começava vida nova, com a paixão que
imprimia a tudo que fazia. Tudo planejava. Inventariava. Classificava. Lia
furiosamente. Estudava botânica, zoologia, mineralogia, geologia.
Desentendendo-se
com os poderosos locais, enfrentando as saúvas e as dificuldades de produzir no
Brasil, o major retornou para o Rio de Janeiro. Ajudaria ao presidente Floriano
Peixoto, cujo governo era ameaçado pela insurgente Revolta da Armada. Setores
da Marinha desafiavam o Marechal de Ferro. Floriano empolgava a classe média,
os militares de médio escalão e a juventude positivista. No Rio de Janeiro, no
entanto, vicejava ambiente de conflito interno, com as perseguições, facções,
conchavos.
Floriano
contava com apoio, e em seu nome se agia com espírito jacobino, ainda não visto
no Brasil. Entre os militares era forte o sentimento de satisfação. O espírito
de autoridade triunfava, e o país parecia a caminho da organização. O
positivismo também triunfava, a matemática parecia ter todas as soluções, o
Brasil entrava no rumo certo.
Finalmente,
Policarpo foi recebido por Floriano Peixoto. Entusiasmo, respeito, desinteresse
por qualquer condecoração ou prebenda, a admiração de Policarpo por Floriano
era sincera. Lima Barreto, que não tinha razões para elogiar ou enaltecer
Floriano, descreve o Presidente, com ironia e sarcasmo.
Envolvido
nas forças que combatiam os rebeldes, já reconhecido como visionário,
Policarpo Quaresma fora ferido em combate. Indicado para trabalhar como
carcereiro, Policarpo vigiaria os marinheiros rebeldes. A nova função fora pelo
herói recebida com muita insatisfação.
Policarpo
revoltou-se com a escolha aleatória de 12 detentos que seriam executados. Sua
insurgência foi recompensada com a acusação de que era traidor, circunstância
reprimida com a pena capital. Os áulicos, os aduladores, permaneceram ao lado
de Floriano. O herói encara um triste fim, com triste também fora o fim de Lima
Barreto, morrendo logo depois do próprio pai, quando ambos se encontravam
internados num hospício, vitimados pelo alcoolismo.
[1]
Cf. Wilson Martins, História da Inteligência Brasileira, vol. VI, p. 7.
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