Italianos estão desconfiados e cansados da política, diz historiador



Italianos estão desconfiados e cansados da política, diz historiador

Isso vai se refletir no resultado eleitoral e a participação será a mais baixa da história, sublinha Gennaro Carotenuto

Depois de 13 meses de governo “técnico” e um draconiano plano de ajuste – Decreto Salva Itália – de 30 bilhões de euros para os próximos três anos (2012-2014), o tecnocrata Mario Monti apresentou sua demissão como Chefe de Governo italiano, abrindo caminho para eleições gerais adiantadas, que ocorrerão no próximo dia 24 de fevereiro.

Monti abandona agora seu papel de tecnocrata e desce à arena política, encabeçando uma aliança centrista ou de “direita moderada”, que medirá esforços com a renovada aliança conseguida entre o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi (PdL – Partido das Liberdades) e a ultrarreacionária Liga Norte, e com o Partido Democrático (PD) de Pierluigi Bersani, pela ocasião aliado ao SEL (Esquerda, Ecologia e Liberdade), do governador da região Puglia, Nichi Vendola.

Na disputa também estão a aliança esquerdista Revolução Civil, do ex-ocupante do ministério público anti-máfia, Antonio Ingroia; o ex-magistrado de “Mãos Limpas”, Antonio Di Pietro; e o Movimento 5 Estrelas, do cômico Beppe Grillo, o guia da antipolítica. Em suas intenções, todos os partidos e alianças prometem tirar o país da crise e da recessão, reduzir a carga fiscal, reativar a produção e o consumo, voltar a reafirmar o papel da Itália na Europa.

Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Quais são as expectativas para estas eleições, qual papel assumirá a profunda crise econômica, política, social e moral que sacudiu o país durante os últimos anos e que está longe de terminar e, sobretudo, qual será a reação de uma população que olha a política com cansaço e desilusão são algumas das perguntas que Opera Mundi fez a Gennaro Carotenuto (foto à esquerda), historiador e professor da Universidade de Macerata, Itália.

Opera Mundi: Quais são os principais elementos a se destacar nesse processo eleitoral na Itália?
Gennaro Carotenuto: Um primeiro elemento é que a Itália vai sair de um estado de exceção ao normal desenvolvimento democrático de um país e voltará a ter um governo político. Um segundo ponto tem a ver com as próprias características dos principais candidatos nestas eleições.

Por um lado, temos Mario Monti, que encarna a direita moderada que, pela primeira vez depois de 20 anos, fará um contrapeso à extrema direita representada pelo ex-premiê Silvio Berlusconi e pelo partido xenófobo da Liga Norte. Por outro, a aliança de centro-esqueda formada pelo PD e SEL, que atualmente lidera todas as pesquisas.

Ao passo que são poucas as dúvidas sobre qual tipo de governo e políticas seriam impulsionadas por Mario Monti ou Silvio Berlusconi, é mais difícil decifrar quais são as intenções e os programas reais da centro-esquerda, e que ligação ainda tem com o movimento tradicional dos trabalhadores.

OM: Ainda se fala sobre uma crise econômica de médio a longo prazo. Qual papel esse tema terá na disputa eleitoral?
GC: As duas opções políticas moderadas de centro-direita e centro-esquerda são mais do mesmo. Vão continuar estabelecendo uma política neoliberal de ajustes e cortes, tal como faz o Banco Central Europeu. É a mesma política que, até o momento, fez com que se prolongasse a crise, que se detivesse o crescimento e os investimentos, e que mantém uma grande quantidade de pessoas no desemprego ou subemprego.

O que é preciso de verdade são políticas que ponham limites claros na “financeirização” da economia e no conceito de que o dinheiro já não se faz mais com a produção e o trabalho, mas com o próprio dinheiro. Os empresários já não se dedicam a suas atividades industriais porque é mais fácil investir nas finanças.

Se não colocamos limites nessa situação, os países desenvolvidos de “segunda linha”, como Itália ou Espanha, não têm nenhuma possibilidade de se levantar. Lamentavelmente, creio que nenhuma das forças políticas que encabeçam as pesquisas vai tocar nesses temas, e as pessoas vão se afundar ainda mais.

OM: Como o senhor avalia o desempenho do governo técnico de Mario Monti?
GC: Do ponto de vista da qualidade humana e moral, a composição do Parlamento que está de saída foi, sem dúvida alguma, a pior de toda a história da República italiana. É com esse Parlamento que Mario Monti teve que lutar e buscar acordos para poder governar.

Por outro lado, Monti, que é um economista neoliberal tradicional, aplicou as mesmas receitas fracassadas que se aplicavam nos países latino-americanos durante as décadas de 80 e 90. isso é o que ele vai continuar fazendo caso ganhe as eleições.

OM: Como o senhor interpreta o regresso à política do ex-premiê Silvio Berlusconi?
GC: Não me surpreendeu. Deixou passar alguns meses para que as pessoas se esquecessem das coisas mais lamentáveis de seu governo e dos temas éticos e morais, e voltou para buscar outra oportunidade. No entanto, a coalizão encabeçada por Berlusconi, hoje em dia, não tem força para ganhar as eleições, mas poderá eleger uma boa quantidade de deputados e continuar tendo certa influência no Parlamento.

Por outro lado, é evidente que Berlusconi está no declínio de sua carreira política. Já tem uma condenação a quatro anos de prisão e outras demandas judiciais, e volta a se candidatar para não acabar preso por corrupção e para defender seus interesses.

OM: Em meio a tudo isso, como estão e como reagem as pessoas?
GC: Certamente, é a parte mais preocupante de toda essa conjuntura. As pessoas estão muito cansadas, já não têm esperança na democracia e estão desconfiadas e cansadas da política e do próprio processo de unidade na Europa. Isso vai se refletir no resultado eleitoral em termos de abstenção. A participação será a mais baixa da história da Itália.


10/02/2013 - 08h40 | Giorgio Trucchi | Milão 

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