A ciência define novas estratégias para aumentar a queima de calorias. Há testes genéticos que informam como cada indivíduo aproveita os nutrientes, os treinos e alimentos mais indicados e até a utilização de bactérias que auxiliam na perda de peso
Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)
Um conjunto de novidades criadas a
partir de sólidos conhecimentos científicos começa a ficar disponível
para ajudar na luta contra a obesidade. Os recursos têm como objetivo
aumentar a queima calórica pelo organismo a partir da manipulação do
metabolismo, um processo complexo pelo qual o corpo transforma em
energia os alimentos e as bebidas ingeridos e gasta esse combustível.
Quanto mais acelerado, maior o uso de calorias. Portanto, maior a chance
de emagrecimento. Entre as novas armas, estão testes genéticos que
informam como cada um metaboliza nutrientes, o uso de bactérias e a
escolha de treinos e alimentos capazes de fazer com que o corpo eleve
ainda mais seu gasto calórico.
A chegada desses recursos é fruto de uma
revolução no entendimento do metabolismo. Por muito tempo se acreditou
que ele era influenciado por fatores bem estabelecidos e que
dificilmente seria possível interferir no seu funcionamento –
principalmente, interferir de forma contundente o bastante para provocar
aumento significativo no gasto calórico. Sabia-se que cerca de 70% do
total de calorias consumidas por dia era utilizado para manter o chamado
metabolismo basal, gasto energético despendido mesmo quando o corpo
está em repouso para a execução de funções como a respiração e a
renovação celular. O restante da queima calórica era dividido entre o
necessário para a digestão e absorção de nutrientes (em torno de 10% do
total de calorias consumido diariamente) e o necessário para a
realização de atividades físicas, de lavar louça a correr.
Ao longo dos últimos anos, no entanto, a
ciência avançou na elucidação de aspectos pouco conhecidos do
metabolismo. O resultado é a descoberta de que há muito mais agentes
influenciando a forma como o corpo converte alimentos e bebidas em
energia e de que maneira ele gasta sua reserva energética. Conclui-se
também que esses fatores podem ser manipulados a nosso favor. O primeiro
desses elementos é o peso da genética no processo. É claro que era
consenso que o DNA teria influência no metabolismo, assim como tem em
qualquer função orgânica. Mas não se conheciam os genes a ele associados
e tampouco se tinha ideia de sua importância. Porém, esse panorama está
sendo desvendado e o que se obtém é um retrato riquíssimo, no qual os
genes aparecem exercendo um papel fundamental no funcionamento
metabólico. Na última semana, pesquisadores da University of Southern
California (EUA), divulgaram um trabalho que ilustra bem essa
constatação. Sean Curran e Shanshan Pang identificaram genes que
permitem ao organismo se adaptar a diferentes dietas. Sem eles, o corpo
fica exposto ao envelhecimento precoce. “Esses genes têm forte impacto
no metabolismo”, explicou à ISTOÉ o cientista Curran. “E nossa pesquisa
mostra como uma simples mutação pode alterar a habilidade de o corpo
metabolizar uma dieta específica.”
Recentemente, outra informação,
garimpada por cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra,
acrescentou um pouco mais de conhecimento à área. Eles descobriram que o
tal “metabolismo lento”, desculpa muitas vezes usada por quem tem
dificuldade para emagrecer, pode não ser tão desculpa assim. De acordo
com as investigações, uma mutação no gene KSR2 leva a uma queda na
intensidade com que o corpo gasta calorias. “Ele deixa mais devagar a
capacidade de queimar calorias e representa uma nova explicação para a
obesidade”, disse Sadaf Farooqi, responsável pelo estudo.
A consequência de achados desse gênero
foi a criação de testes genéticos para identificar mutações relacionadas
ao metabolismo. Uma vez reconhecidas, é possível agir com intervenções
na dieta e no estilo de vida para minimizar seus efeitos. No Brasil, há
pelo menos dois tipos de exames disponíveis – o perfil nutrigenético e o
painel metabólico. O primeiro, feito por exemplo pelo Centro de
Genomas, em São Paulo, analisa os genes associados à obesidade e
alterações relacionadas ao metabolismo de gorduras e de vitaminas, entre
outros aspectos. O painel metabólico fornece ainda dados sobre a
influência dos genes na resposta do corpo a exercícios físicos,
capacidade aeróbica e atividade física em termos de redução da gordura
corporal. “Eles ajudam o indivíduo a entender como funciona seu processo
de queima calórica”, explica Hélio Margarinos, diretor do Laboratório
Richet, no Rio de Janeiro, que oferece o teste.
Em São Paulo, a nutróloga Vânia Assaly,
do Instituto de Prevenção Generalizada, incorpora os novos recursos no
tratamento de seus pacientes. Em geral, ela os recomenda a pessoas que
já se submeteram a muitas dietas e a portadores de doenças associadas à
obesidade. “É uma maneira de ofertar o conhecimento da ciência à prática
clínica para criar dietas saudáveis, não restritivas e voltadas às
características de cada um”, diz.
O estudo do metabolismo também trouxe à
luz a evidência de que a flora bacteriana intestinal tem relação com o
processo. É fato, por exemplo, que a população bacteriana de obesos é
diferente da de indivíduos magros. Por isso, experiências que visam
reequilibrar a concentração de bactérias no trato digestivo são
conclusivas a respeito dos benefícios da estratégia. Na semana passada,
mais uma delas ficou conhecida. Ela foi coordenada por Angelo Tremblay,
da Université Laval, no Canadá. O cientista recrutou 125 participantes
com sobrepeso. Durante 12 semanas, eles foram submetidos a uma dieta.
Nos três meses seguintes, dedicaram-se a manter o peso. Em todo esse
período, metade do grupo consumiu duas pílulas por dia contendo
bactérias da família Lactobacillus rhamnosus. Esse tipo de recurso é
chamado de probiótico (bactérias vivas presentes em iogurtes, sachês ou
em comprimidos). O restante ingeriu placebo. Ao final, as mulheres que
tomaram as pílulas perderam em média 5,2 quilos, o dobro das outras
voluntárias. Entre os homens, não houve diferença significativa. “Pode
ter sido um problema de dosagem”, acredita Tremblay. “Já a mudança na
flora intestinal das mulheres foi consistente com a ideia de que o uso
desses produtos pode ser uma boa opção para alguns indivíduos”, disse à
ISTOÉ.
GASTO
Gibala já comprovou os benefícios dos treinos Intensos intervalados
O mecanismo pelo qual essa associação
ocorre não está completamente esclarecido, mas há algumas explicações.
Acredita-se que as pessoas emagrecem porque as bactérias produzem
substâncias que interferem no metabolismo. No trabalho que conduziu na
Universidade de Washington, o pesquisador Jeffrey Gordon analisou as
reações de sete pares de gêmeas a iogurtes contendo, entre outros
micro-organismos, Bifidobacterium animalis subsp. Lactis, duas cepas de
Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e Lactococcus lactis subsp.
cremoris. Ele verificou que as bactérias produziram mudanças
significativas no metabolismo, particularmente no dos carboidratos. Nas
investigações do grupo do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
sobre o tema, há informações sobre a influência dos micro-organismos em
outras funções. “Eles podem beneficiar o metabolismo da gordura e a
absorção dos nutrientes, entre outras coisas”, explicou à ISTOÉ Linda
Duffy, coordenadora da equipe. “Há dados consistentes para a criação de
uma estratégia contra a obesidade que inclua o uso de bactérias que
ajudam a perder peso.”
Os novos recursos para acelerar a queima
calórica também passam por uma reformulação à mesa. Hoje, há
informações suficientes para embasar cientificamente recomendações como a
de não deixar de lado a ingestão de proteína, que exige mais gasto para
ser digerida. E também de fazer pequenas refeições em intervalos curtos
de tempo. É uma maneira de manter o metabolismo ativo. Um dos maiores
avanços nessa linha foi a ampliação da lista dos alimentos que promovem
queima calórica (leia quadro na pág. 67). A combinação desses
conhecimentos está permitindo a confecção de planos alimentares mais
eficientes. “Colhemos resultados catastróficos em anos de dietas
restritivas”, diz Vânia Assaly. Às pessoas cujo metabolismo consome
poucas calorias para se manter funcionando, a nutróloga indica alimentos
que aumentem esse gasto.
Também se começa a dar mais importância
ao momento certo das refeições. Esse campo de estudo ganhou o nome de
crononutrição. Seu objetivo é descobrir as conexões do relógio biológico
com o mecanismo de gasto calórico. Vêm dele descobertas como a
registrada por Oren Froy, da Universidade de Jerusalém. Durante 18
semanas, ele forneceu a um grupo de cobaias uma dieta rica em gordura.
Elas foram alimentadas sempre na mesma hora e pelo mesmo espaço de
tempo. Essas cobaias foram comparadas a três grupos: um recebeu dieta
com pouca gordura também em um cronograma fixo, outro ingeriu alimentos
pouco gordurosos sem rigor em relação ao horário e o último comeu muita
gordura, mas sem hora certa. Os animais que ingeriram dieta com muita
gordura em horários rígidos chegaram ao final do experimento pesando
menos do que aqueles que ingeriram muita gordura em horários aleatórios e
também mais magros do que aqueles que receberam uma dieta de baixo teor
de gordura sem hora fixa. “Esse resultado mostra que o horário de
ingestão tem precedência sobre a quantidade de gordura na dieta, levando
a uma melhora no metabolismo”, disse Froy à ISTOÉ. “O melhor é traçar
os horários do consumo de gordura, no período entre dez da manhã e seis
da tarde”, explicou.
As informações dessa área da ciência
estão por trás de muitas das orientações atuais dadas nos consultórios.
“Procuro saber sobre a qualidade de sono do paciente”, conta a
nutricionista funcional Daniela de Almeida, do Rio de Janeiro. “Um
padrão regular de sono é fundamental para a adesão a um plano alimentar
balanceado com horários predeterminados, regulando o metabolismo.”
Outra intervenção em uso é a ênfase nos
treinos intervalados. O consenso científico atual dá conta de que o
modelo de alternar a intensidade dos exercícios é o que apresenta maior
impacto na aceleração do metabolismo. “Quinze minutos por dia de
exercício intenso intervalado podem alterar o processo de gasto de
calorias”, afirmou à ISTOÉ o pesquisador Martin Gibala, da McMaster
University, no Canadá. “Entre outras coisas, ele melhora a habilidade de
os músculos gastarem combustíveis como a glicose e gorduras para obter
energia.” Há outras implicações. “Alternar picos de intensidade com
períodos curtos mais moderados também permite que o praticante, no fim,
consiga fazer exercícios intensos por mais tempo”, afirma o especialista
em fisiologia do exercício Ronaldo Barros, coordenador da área de
avaliação física da rede de academias Cia Athletica, de São Paulo. “Se
tivesse que praticar em alta intensidade continuamente, não conseguiria.
E quanto mais intenso o exercício, mais o corpo produz substâncias que
vão obrigá-lo a usar energia para metabolizá-las, mesmo depois da
prática.”
Muitas outras novidades estão em estudo
nos centros de pesquisa. Os cientistas vêm descobrindo substâncias que,
de um jeito ou de outro, impactam o metabolismo. É o caso da enzima
IKKbeta, identificada na Brown University (EUA). Em experiências com
cobaias, ela permitiu que os animais engordassem menos apesar de comerem
muito. Isso ocorreu porque o composto melhorou tanto a queima calórica
que possibilitou o gasto das calorias extras de forma mais eficiente.
Outra promessa em análise – com o mesmo efeito – é o fator de
crescimento de fibroblasto (FGF21), objeto de pesquisa do laboratório
farmacêutico Eli Lilly. No futuro, espera-se a criação de remédios que
atuem sobre essas substâncias, ajudando o ser humano a dominar de vez o
metabolismo.
Colaborou Mônica Tarantino
Fotos: João Castellano/Istoe, João Castellano/Agência Istoé; Rafael Hupsel, Masao Goto Filho /Ag. IstoÉ; Rogerio Cassimiro / Época
Fotos: João Castellano/Istoe, João Castellano/Agência Istoé; Rafael Hupsel, Masao Goto Filho /Ag. IstoÉ; Rogerio Cassimiro / Época
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