Diálogo

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Destino e carma a visão budista e a visão cristã

Edição 2174 - Publicado em 06/Abril/2013 - Página A3
Daisaku Ikeda e Arnold Toynbee discutem abertamente sobre os conceitos ocidentais e orientais acerca do destino, do carma coletivo e das possibilidades da transformação da vida humana

 
DAISAKU IKEDA: Há uma manifesta desigualdade na sorte e destino dos seres humanos. Todos são diferentes: alguns ricos, mais sábios e mais talentosos que outros. Claro que fatores ambientais contribuem para a formação de cada indivíduo, mas a condição em que a pessoa nasce difere de lugar para lugar e a pessoa não tem a faculdade de escolha. Isto e as muitas dificuldades e vicissitudes que o homem encontra em toda a vida obrigam-me a acreditar na existência do destino.
Tendo chegado a essa conclusão, sou forçado a descobrir o que constitui o destino. Segundo o pensamento budista, a vida flui por três modos de tempo: passado, presente e futuro. As ações de um indivíduo no passado determinam-lhe o destino no presente. O cristianismo, no entanto, interpreta o destino como a vontade de um deus onisciente, onipotente.

ARNOLD TOYNBEE: Budismo e cristianismo concordam que, a fim de explicar a sina do ser humano, temos de olhar além dos limites de uma única vida. O cristianismo sustenta que o destino do indivíduo é determinado por um deus onipotente, que criou o universo e lhe dirige o curso para uma meta por ele escolhida. Essa explicação cristã requer a hipótese de que exista um deus onipotente.
De acordo com a crença cristã, é Deus quem impõe ao ser humano o caráter e escolhe o tempo, o lugar e a posição social em que ele nascerá. Ao contrário dos budistas, os cristãos afirmam que o ser humano só tem uma vida neste mundo. Ainda de acordo com o credo cristão, a data da concepção no ventre da mãe marca o início não só de sua existência física, mas também espiritual. Contudo, concordam com os budistas em que a personalidade humana não se extingue com a morte. Embora não acreditem que o homem reapareça neste mundo, seu destino final é o céu — talvez via purgatório ­— ou o inferno.

DAISAKU IKEDA: Isso quer dizer que as opiniões sobre o destino variam amplamente, dependendo de o indivíduo acreditar ou não que a vida é estritamente uma só ou eterna. Se a existência do indivíduo termina inteiramente na morte, seu destino após a morte nem merece discussão. Se o destino começa no nascimento e termina na morte, por que os seres humanos nascem todos diferentes? Se o deus onipotente fosse justo, daria a todos um início igual, mas ele não faz isso. O senhor pode explicar esse fato? Será que a realidade espiritual derradeira por trás do universo exerce controle arbitrário sobre o destino humano?

ARNOLD TOYNBEE: Os cristãos que levam a crença na existência de um deus onipotente à sua conclusão lógica acreditam que o ser humano está predestinado por Deus a acabar eventualmente no céu ou no inferno. Outros cristãos creem que o destino humano após a morte é determinado, pelo menos em parte, por seu carma, o qual, na visão cristã, é uma conta aberta na hora do nascimento e encerrada no momento da morte, em uma única vida neste mundo. Na história da teologia cristã, a controvérsia sobre os respectivos papéis de Deus e do ser humano na determinação do destino do homem nunca foi resolvida por um acordo aceito por todos.

DAISAKU IKEDA: Concordo plenamente com a sua interpretação de carma de comunidades e nações. Uma vez que sociedades são agregados de seres humanos, é possível considerá-las como corpos vivos em grande escala. Têm leis próprias de operação, maneiras de crescer e propagar-se, e capacidade de autorregeneração. (Considero essas funções como os traços característicos de um corpo vivo.) Como corpos vivos em grande escala, sociedades, instituições e nações formam seu carma a partir de si mesmas. São em seguida influenciadas por ele e novos carmas são formados.

ARNOLD TOYNBEE: Nos últimos trezentos anos, um número cada vez maior de ocidentais deixou de acreditar nas doutrinas do cristianismo. Muitos ex-cristãos não creem mais na existência de um deus onipotente ou na sobrevivência da personalidade humana após a morte. Concordam ainda em afirmar que o aparecimento do homem neste mundo se limita a uma única vida. E argumentam que seu destino enquanto vivo é determinado em parte pela combinação dos genes que herdou dos ancestrais e em parte pelo meio e pelo seu carma dentro dos limites de uma única vida.

DAISAKU IKEDA: Se isso é verdade, os executivos que dirigem grandes nações e sociedades deveriam pensar em termos de carma em vasta escala e desenvolver aguda percepção das coisas a fim de manter em boa ordem o balanço geral. Por mais hábil que seja o líder em certos campos da política ou da economia, se ele permitir que o carma vá de mal a pior e, dessa maneira, desequilibrar o balanço, não poderá evitar o sofrimento do seu povo.

ARNOLD TOYNBEE: Como outros ex-cristãos ocidentais, acredito que diferenças em hereditariedade e ambiente explicam em parte as diferenças na sina humana. Mas acredito também que o carma desempenha um papel maior do que lhe é atribuído por alguns dos meus colegas ex-cristãos de mente mais determinista. Discordo também de alguns deles que, ao contrário de mim, negam a existência de qualquer realidade espiritual definitiva por trás do aspecto espiritual da natureza humana, e que conhecemos por experiência própria.

DAISAKU IKEDA: O Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, foi o caso evidente de um povo que ignorou o peso do carma, permitiu o descontrole, e teve de pagar um amargo preço num acerto de contas posterior. O Japão do pós-guerra, igualmente, tem adotado políticas que visam sobretudo ao lucro e que produziram grave poluição ambiental. Como lançamento de débito na conta de carma da nação, a poluição está resultando em violentas represálias do povo.

ARNOLD TOYNBEE: Tive experiência direta do carma em minha própria vida e na vida de outras pessoas que conheço. Reconheço também que o carma operou na história de comunidades e instituições humanas. Esses grupos são redes de relações entre seres humanos mortais que substituem seus predecessores e são substituídos, por seu turno, por sucessores, de modo que uma rede de relações pode persistir, e muitas vezes persiste, mais do que a duração de uma única vida humana.
Assim, a evidência da operação do carma na história de comunidades e instituições não requer a hipótese de que a personalidade retém uma identidade contínua atrás de uma série de nascimentos e mortes. A continuidade é mantida pela rede de relações, não pela personalidade dos seres humanos que se relacionam temporariamente através dessa rede.

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