Autonomia escolar na rede pública: alguns princípios
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"Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público."
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação - 1996, artigo 15)

Autonomia da escola pública

O que seria uma escola autônoma? Aquela capaz de resolver seus próprios problemas de forma responsável e eficaz. Mais precisamente, a autonomia de uma escola se fundamenta em sua "competência para decidir nas seguintes áreas: pedagógica (...); política de pessoal (...); administrativa e organizacional (...); e financeira"1
A autonomia escolar não parece ser um grande problema para as instituições particulares, a não ser pelo fato de que uma empresa está sujeita às "leis de mercado" - ou seja, aos valores presentes no imaginário das pessoas de certa comunidade. Isto decorre da própria natureza das empresas, bastante distinta das organizações estatais. Segundo Azanha:
José Mário Pires Azanha"A questão da autonomia escolar e de seu desdobramento num projeto pedagógico é, como problema, típico da escola pública que (...) está sempre sujeita a interferências de órgãos externos. (...) Essa situação não é, em si mesma, negativa, mas freqüentemente acaba sendo, porque órgãos centrais, com maior ou menor amplitude, tendem a desconhecer a peculiaridade de distintas situações escolares e decidem e orientam como se todas as unidades fossem idênticas ou muito semelhantes. A conseqüência mais óbvia e indesejável de tentativas de homogeneização daquilo que é substantivamente heterogêneo é o fato de que as escolas ficam ou sentem-se desoneradas da responsabilidade pelo êxito de seu próprio trabalho, já que ele é continuamente objeto de interferências externas, pois ainda que essas interferências sejam bem intencionadas não levam em conta que a instituição "escola pública" é uma diversidade e não uma unidade."2
Partindo destas considerações, algumas questões se resolvem e outras se abrem. Podemos enxergar com clareza, por exemplo, um dos problemas filosóficos relacionados às políticas públicas de educação em um país grande como o Brasil. Trata-se do próprio conceito de "escola brasileira". Como promover a eqüidade e o desenvolvimento de algo que nem conseguimos imaginar ou descrever objetivamente com precisão? Anísio Teixeira já defendia a descentralização do sistema de ensino brasileiro em meados do século passado. A própria constituição de 88 garante os fundamentos da autonomia escolar.3 A necessidade de "dar mais poder" às escolas é, nesse sentido, uma decorrência do processo de descentralização e municipalização que, por sua vez, se tornou necessário em virtude da rápida (e tardia) expansão do ensino básico no Brasil. Afinal, um país que se diz democrático deve, ao menos, garantir uma formação mínima a seus cidadãos.
"A luta pela autonomia da escola insere-se numa luta maior pela autonomia no seio da própria sociedade. (...) A eficácia desta luta depende muito da ousadia de cada escola em experimentar o novo e não apenas pensá-lo. Mas, para isso, é preciso percorrer um longo caminho de construção da confiança na escola, na capacidade de ela resolver seus problemas por ela mesma e de autogovernar-se."4
Se, por um lado, a eficácia desta luta depende de um esforço por parte da escola, por outro está limitada pelas condições estruturais da rede de ensino. Ou seja, pelas políticas de educação, tendências de mercado, pela comunidade local, cultura nacional, questões globais, etc. E em uma época de tantas mudanças - muitas das quais ainda não apropriadas pela escola - faz-se necessária uma revisão estrutural nas políticas de educação.5

Autonomia escolar: alguns limites

Antes de promover qualquer esforço, é recomendado que se conheça os próprios limites. Isto ajuda a canalizar melhor os recursos disponíveis. Sendo assim, cabe indagar: em que medida a autonomia da escola pública pode se tornar um problema?
Um mapeamento de experiências de gestão democrática no ensino público, feito pelo Instituto Paulo Freire a convite do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), identificou a autonomia escolar como uma das "três dimensões mais recorrentes".6 Segundo os autores, "a gestão democrática do ensino público tem se deparado com dificuldades que podem ser elencadas em vários níveis", que colocamos abaixo.7
  1. Ideológico: a descentralização seria "uma porta aberta para a privatização do ensino público", tirando do estado a responsabilidade de garantir a construção da cidadania;
  2. Pedagógico: a "descentralização é vista como uma ameaça esfaceladora da unidade curricular";8
  3. Administrativo: forma de dividir competências pode aumentar a centralização;9
  4. Financeiro: descentralização poderia ameaçar a categoria docente;10
  5. Legal/financeiro: limitações no uso dos recursos públicos..11
A esses problemas apontados pelo estudo, poderíamos somar outros:
  1. Político/organizacional - a autonomia levaria à "pulverização, à dispersão e à preservação do localismo, que dificultam ações reformistas ou revolucionárias mais profundas e globais".12
  2. Técnico/logístico - a questão da eficiência do Conselho de Escola;13
  3. Cultural - "a nossa pouca experiência democrática";14
  4. Estrutural - "a própria estrutura de nosso sistema educacional que é vertical".15
Estas são algumas limitações de que partimos ao buscar a autonomia das escolas públicas no Brasil. Podemos terminar este breve ensaio com algumas palavras de Paulo Freire:
"...o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia" [FREIRE1996].

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