22/11/2012 08h15
- Atualizado em
22/11/2012 09h21
Perfil: Kalil, 'demônio' que ficou light, avisa que braba mesmo é a ex-mulher
Presidente do Galo relembra discussões com dirigentes, sofrimentos, fé, religião, fala de sua fase 'light' e do ódio que sente pelo Cruzeiro
- Meu filho chegava em casa rindo, porque os colegas diziam: "Nossa, você é filho do Kalil?". Ele ria e dizia: "Pai, eles acham que você é um demônio." Lá em casa, braba era a minha ex-mulher. Pode perguntar aos meus filhos.
Separado, pai de três homens, Alexandre Kalil, 53 anos, namora há seis anos a paisagista Ana. É empreiteiro. Largou a faculdade de engenharia no quarto ano, pois precisava trabalhar. E começou na empresa fundada pelo pai e pelo tio, especializada em infraestrutura rodoviária, urbana, civil e industrial, a Erkal. Atualmente, divide o tempo entre a empresa e o Atlético-MG. Não mede as palavras quando o assunto é o clube que idolatra e para o qual torce toda a família - cujo sobrenome está ligado à história da instituição. O pai dele, Elias Kalil, já falecido, também foi presidente. Alexandre já viajou de ônibus para acompanhar os jogos do time de coração e é conhecido Brasil afora por não levar desaforo para casa.
Colecionador de desafetos no futebol, o principal dirigente do Galo é garantia de notícia sempre que resolve falar. Durante algum tempo, ficou sumido dos holofotes, mas não deixou de mostrar que, no clube, era ele quem mandava. Anunciava contratações pelo Twitter e raramente dava entrevistas. Teria nascido o Kalil light?
- Não que eu tenha mudado... Quando assumi a presidência do Atlético-MG, imaginei que o desgaste seria muito grande. E você tem que ter inteligência de se preservar. Imagine eu, igual a arroz de festa, dando entrevista? Quem fala muito dá bom dia a cavalo.
Não conheço ninguém que lute alisando. Mas não sou brigão" - Kalil
- Sou um cara que luta pelos meus direitos. E não conheço ninguém que luta alisando. Agora, falar que sou brigão? Sou um cara delicado, educado. Sou! Você nunca me viu fazer falta de educação, humilhar alguém. A não ser quando estou com ódio mortal de alguém, aí eu falo alguma coisa mais ríspida.
Seria esse alguém Ronaldinho Gaúcho? Durante o campeonato, correu a história de que o presidente do Galo discutiu com a principal estrela do time por causa de baladas às vésperas das partidas. Entre um cigarro e outro, Kalil nega:
- Não discuti com o Ronaldinho, nunca bati boca com ele. Nunca! Não sei de onde surgiu essa notícia. Quem fala que o Ronaldinho levantou a voz nunca conversou com ele dez minutos. Ele é um dos seres humanos mais dóceis que conheço. No dia que fui contratá-lo, eu perguntei: "Você não fala não, menino?".
O estilo "pavio curto" já o fez ser comparado ao ex-presidente do Vasco Eurico Miranda. O próprio Kalil conta de onde vem a comparação. E admite o comportamento meio... estourado.
- Uma jornalista (do Rio) colocou que eu sou o novo Eurico Miranda porque ela se achou no direito de me ligar no sábado à tarde, me acordar... e eu tinha que tratá-la maravilhosamente bem. Achou que sou obrigado a atender todo mundo, que não trabalho, não tenho hora de descanso. Então, a classe de jornalistas, com raras exceções, por a classe de dirigente morrer de medo deles, se sente num direito que eu não dou para ninguém. Eu nunca respondi uma pessoa que me faz uma pergunta correta num tom arrogante. Eu devolvo do jeito que me perguntam.
O próprio Eurico Miranda confirma que o temperamento dos dois é semelhante.
- Fazer comparação comigo não é muito fácil, mas não acho a comparação ruim. Ser assim é positivo. Temos como semelhança o fato de ele ser um defensor intransigente do Atlético. Ele custa a abaixar a crista, a ser subserviente. Defende os interesses do clube. Foi eleito para isso. As atitudes dele demonstram isso. E as minhas também. Agora, muita coisa minha é folclore. Tem um ditado que diz que quem conta um conto, aumenta um ponto. Não sou tão bravo assim. Senão, não seria casado com a mesma mulher há 40 anos. Mulher não atura homem brabo.
Galo, em 2002 (Foto: Reprodução TV Globo Minas)
Geninho e Kalil ficaram um ano sem se falar. Hoje, o treinador garante não guardar mais mágoas.
- Voltei a falar com ele quando teve um acidente de carro. Um amigo comum me ligou e eu liguei no hospital. Ele ficou meio assim... Fazia um ano que eu tinha saído do Atlético. E vou contar uma coisa: ele até me ligou para voltar na época do Ziza (Valadares, presidente da gestão anterior a Kalil).
Anti-Cruzeiro
O ódio visceral pelo Cruzeiro vem de berço. Ele aprendeu com o pai a não gostar do time da camisa azul estrelada. Conta que tem muitos amigos cruzeirenses. Mas não consegue esconder a raiva que tem do Cruzeiro. Só não sabe explicar o porquê.
E como terá sido a noite do presidente cujo currículo entrará para a história com muitos méritos mas, também, com um 6 a 1 para o maior rival, em um jogo que poderia ter decretado a queda do Cruzeiro para a segunda divisão? Como encarar as acusações de que teria sido um jogo vendido?
- Bobagem tem limite. Se tivesse combinado, tinha sido 1 a 0, 2 a 1. Foi a maior tristeza como presidente do Atlético e como atleticano. E não vai ter outra. Agora, aquilo foi o que virou a página do Atlético. Aquele 6 a 1 tampa e disfarça. Para quem aplicou fez um mal danado, pois estão vivendo dos 6 a 1 até hoje. Depois daqueles 6 a 1, só deu Atlético. Tomei uma lição na vida. Eu tenho 53 anos, toda porrada que levei me serviu de alguma coisa. Toda. Independentemente do tamanho.
Doeu mais que a queda do Atlético-MG para a segunda divisão (em 2005)?
- Não. Aquele foi o dia mais sofrido da minha vida.
Kalil manso
O lado light de Kalil mostrado nos últimos tempos, que poucos conheciam, surpreendeu até mesmo antigos desafetos. Atualmente dedicado ao cargo de senador da República, o ex-presidente do Cruzeiro Zezé Perrella lembrou discussões históricas entre os rivais. Garantiu que o relacionamento entre os dois, apesar dos bate-bocas via microfones, era o melhor possível. O cruzeirense avaliou que a nova postura do dirigente maior do Galo tem como consequência o amadurecimento do clube. E aproveitou, é claro, para dar uma alfinetada.
- Nunca levei desaforo para casa, ele também não. Respeito o Kalil como dirigente. É competente, defende os interesses do clube dele. Acho que mudou, está mais light. Aprendeu, diria, até na forma de dirigir. Você não pode olhar com olho de torcedor. Sempre fui muito criticado por isso, era tachado de mercantilista. Mas foi dessa forma que ganhei 23 títulos. Ele hoje tem olhar mais comercial. E esse modelo é vencedor. São Paulo, Corinthians, Santos e Cruzeiro são os que mais ganharam títulos e, por isso, são vencedores. O Atlético-MG mudou a maneira de enxergar futebol. E passou a dar certo. O Kalil recebia propostas e não vendia, perdia negócio. Não vendeu o Guilherme, o Marques. Recentemente, vendeu o Tardelli, o André. Ficou provado que, depois de mudar o clube, virou mais vencedor. Acho que até copiou a fórmula do Cruzeiro.
- Tivemos várias. Mas é aquela história: se fizermos um ranking, sempre ganhei dele. O Kalil tem que aproveitar agora, que estou distante (risos)...
Outro dirigente que, em determinado momento, se desentendeu com Kalil foi Kléber Leite. O ex-presidente do Flamengo ansiava pela liderança do Clube dos 13, mas Kalil apoiou Fábio Koff. No entanto, Kléber Leite manteve o respeito ao falar do comandante do Galo.
- Ele escolheu errado naquela época. Nosso processo é democrático. Lamento, porque deixamos de provocar uma grande revolução no futebol brasileiro. A bem da verdade, tenho percebido nele todo tipo de engajamento. Assim como foi o pai dele. Nunca houve nenhum tipo de discussão entre nós dois. Nos debates que aconteceram, sempre trilhamos o caminho da educação, da cordialidade. Não tenho nenhum tipo de observação a fazer em relação à conduta do Kalil. Quanto ao fato de ser enérgico, é uma característica pessoal dele, que tem, inegavelmente, esse lado marcante. Cada um na sua.
Por falar em Flamengo, ao contrário da reação de muitos atleticanos, Kalil não tem qualquer problema com o clube rubro-negro. Não guarda mágoa do time que tirou o título do Galo em 1980, que muitos acusam ter sido com favorecimento da arbitragem. Mas também não perde a oportunidade de alfinetar.
- Não. Até por questão de piedade, tenho dó do Flamengo. Não tenho a menor raiva. Podia ter sido o Inter, o Grêmio, o Vasco... Eu não tenho nada contra o Flamengo. Nada, nada.
Ex-ateu
Alexandre Kalil foi eleito presidente do Atlético-MG em 30 de outubro de 2008. Está no segundo mandato. Antes, presidiu o Conselho Deliberativo do clube de 2000 a julho de 2006. Em 2009, ganhou da CBF o prêmio de melhor dirigente do ano, época em que recebeu convite para entrar para a política, para se candidatar a deputado federal pelo Partido Verde (PV) - convite prontamente negado. Seu pai, Elias Kalil, foi diretor de futebol e, depois, presidente do Atlético-MG (de 80 a 85). Foi quem o introduziu no mundo atleticano.
- Papai foi diretor de futebol, a primeira vez, em 65. Eu tinha seis anos. Foi quando comecei a frequentar concentração. E, desde que eu me entendo por gente, vou ao Mineirão. Não consigo lembrar da minha infância não tendo um jogo do Atlético. Fui criado basicamente com o Atlético sendo a coisa mais importante. Papai tornou a ser diretor em 69. Disputou eleição em 76, eu tinha 17 anos. Foi quando comecei a participar da vida política do Atlético. Eu era muito ligado ao meu pai. Entrei no Atlético quando Paulo Cury (ex-presidente) renunciou. Eu tinha sido diretor de vôlei na época do papai, mas, quando fui chamado para ser candidato a presidente do conselho, no fim de 98, papai já tinha morrido há seis anos.
Brasil (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)
- A doença do papai, diziam, causava muita dor. Minha ex-mulher me sugeriu ir à igreja rezar. Eu disse a ela que não sabia. E ela me aconselhou a apenas pedir. E pedi para que meu pai não sofresse com dores. Ele morreu sem tomar um remédio sequer para dor. E daí para frente, vi que Deus é muito bom para mim. Recebo pastores na minha casa. Fui rezar quando o Atlético-MG estava quase caindo. E eu acreditei. Vou à missa. De vez em quando, bato com a cara na porta na Igreja de Santa Rita, porque não sabia que igreja fechava. Outro dia, cheguei lá e estava fechada. Esculhambei o vigia: "Isso é casa de Deus. Vocês estão doidos, fechar a igreja?". Eu me sinto bem dentro da igreja.
Dívidas
Nacionalmente conhecido como um clube que não conquista um título de expressão há anos, o Atlético-MG sempre carregou, também, a fama de ser dono de uma dívida milionária. O que, segundo Kalil, tem mudado. A arrecadação, que era de R$ 65 milhões por ano, há três temporadas, está prevista, em 2013, para R$ 180 milhões. Garantiu que só o Flamengo arrecada mais. Milagre? E as dívidas?
- O Atlético-MG conseguiu se organizar e pensa no futuro. É um clube patrimonialmente muito rico, que tem uma dívida equacionada. Uma dívida fiscal que é comum a todos os clubes do Brasil. Pegamos nosso orçamento e melhoramos e organizamos. E o passivo trabalhista está organizado, com todo mundo pago. Não temos ação trabalhista nova. Então, o Atlético-MG se organizou.
Indagado por que tais procedimentos não eram feitos antes, Kalil respondeu:
- Não sei. Falo isso quando me chamam de mágico. É o círculo virtuoso: você contrata, aumenta ingresso, enche o campo, pega um estádio, compra os direitos comerciais. Aí você melhora o time, o pay-per-view dobra. Nós somos donos do direito comercial de um estádio de futebol. Sem gastar nada! Não falo da bilheteria, falo da pipoca, do picolé, da água, de tudo que tem lá dentro. O Atlético-MG arrecada cerca de R$ 100 mil fora a renda de todo jogo que tem no Independência. Então, criamos um círculo virtuoso, e que tem de continuar.
- Sendo campeão, campeão, campeão, campeão. Porque é disso que um time vive. Quero que o povo atleticano seja feliz. Daqui 20 anos, será o maior time de Minas, com a maior torcida de Minas e um monte de vezes campeão. E cada vez mais bem administrado possível. O Brasil sabe o que acontece aqui em Minas hoje. O Atlético-MG contratou o Vanderlei Luxemburgo, o Atlético-MG trouxe o fulano, o Diego Souza, o Richarlyson, buscou o Victor, o Ronaldinho. O que que é isso? Tem um time lá, um clube lá, que paga. É uma história que está sendo diferente no Atlético-MG, depois de anos, anos e anos.
E uma história que, para a torcida, continua com o desafio de manter o ídolo Ronaldinho Gaúcho para a disputa da Libertadores em 2013, 12 anos após a última participação do time na competição. Mais uma missão para o "demônio light" Alexandre Kalil.
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